• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1: EXPERIÊNCIA SOCIAL, JOVENS E UNIVERSIDADE

1.2. JUVENTUDES, DIÁLOGO E EDUCAÇÃO

1.2.5. Novos contextos de diálogo com os jovens na escola

Se existe um tempo histórico que exige diálogo entre os indivíduos seria ele o designado como pós-modernidade, com caminhos abertos para a construção de sujeitos histórico-sociais e culturais em sua subjetividade. Embora não cumpridas, as promessas de liberdade, igualdade e solidariedade feitas pela modernidade permanecem como aspiração de povos do mundo inteiro (SANTOS, 2007). Para Gatti (2005), diante da suspeita quanto ao cumprimento de tais promessas, restaria melhorar as relações interpessoais. A autora explica que Habermas (1990), ao partir da noção de modernidade não superada, defendia que dentro da própria modernidade estariam as condições para escapar de uma racionalidade fechada desde que se utilize a razão comunicacional – a razão dialógica. Seria o diálogo o ponto de apoio da racionalidade voltada para a consciência reflexiva das expressões humanas.

No âmbito da educação, em escolas onde a racionalidade da modernidade sólida (BAUMAN, 2001) continua a se fazer presente, os conhecimentos estruturados como verdades incontestáveis transmitidos aos jovens convivem com normas e hábitos advindos da modernidade. No entanto, também nestas escolas as pessoas que a constroem buscam compreender e agir na tentativa de compatibilizar lógicas de ação diferentes (DUBET, 1994; GATTI, 2005). Para Freire (1987), antes de ser apenas transmissão de conteúdos, a educação é problematizadora, portanto,

dialógica e, por ter o diálogo em sua essência, considera a relação Eu-Tu e o mundo nesta relação.

Com Alves (1987), antes de ser a educação algo a se desenvolver nos espaços da instituição, das classes e das grandes unidades estruturais, ela ocorre no espaço invisível e denso estabelecido nas relações educativas entre aluno e professor, admitida a individualidade de cada aluno, sua história, tristezas e esperanças construídas com a utilização de diferentes lógicas de ação. Dessa maneira, a escola continua a ser espaço de diálogo que se constrói em meio aos processos de transição entre uma racionalidade fechada e outra que se abre para a consciência capaz de refletir a respeito de comportamentos, atitudes, interesses e valores de seus membros, a iniciar na relação aluno-professor.

Um lugar decisivo na construção desse diálogo é aquele em que se situam, de um lado, os alunos que vivenciam os processos educacionais desenvolvidos nos diversos contextos presentes na escola do ensino médio33 e, de outro, a instituição formal, pública ou privada, que se volta para estes alunos e se preocupa em consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos por eles no ensino fundamental; preparar para o trabalho e a cidadania; aprimorar o educando como pessoa humana e relacionar teoria à prática em cada disciplina (BRASIL, 1996).

Oportuno esclarecer que, embora tal lugar decisivo esteja apresentado como duas realidades (aluno e escola), estas não se separam de fato, pois os alunos fazem parte da escola – e como estão no ensino médio, logo vivenciarão na educação superior processos educacionais desenvolvidos nos diversos contextos presentes em universidades, faculdades e institutos superiores de educação34.

Cabe, portanto, apresentar contextos que precisam ser considerados na construção de efetivo diálogo com os jovens na escola do ensino médio. Entretanto,

33 Uma leitura conjugada dos art. 32 e 37 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDBEN) (BRASIL, 1996) leva à interpretação de que o aluno do ensino fundamental pertence à faixa etária entre seis e 15 anos e o do ensino médio terá a idade máxima de 18 anos.

34 No Brasil, conforme a legislação pertinente, o sistema educacional compõe-se de educação básica

e educação superior, pressupondo a articulação das duas esferas entre si (BRASIL, 2009a). A educação básica se organiza em três níveis: educação infantil (para a faixa etária de 0 a 5 anos); ensino fundamental (de 6 a 14 anos de idade) e ensino médio (de 15 a 17 anos de idade). O sistema operacionaliza-se de modo descentralizado, com a educação infantil e o ensino fundamental sob a responsabilidade dos municípios; ensino médio, em princípio, sob a responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal; educação superior sob o comando do governo federal, que se obriga a prestar assistência técnica e financeira aos governos estadual e municipal para garantir o melhor nível de equidade quanto aos recursos destinados às Unidades da Federação (BRASIL, 2012e).

antes de apresentar alguns desses contextos, torna-se oportuno mencionar duas situações vivenciadas por professores, que atuam no ensino médio, embora não seja exclusividade deste nível de ensino, que têm interferido nesse diálogo. A primeira situação se refere ao sentimento de impotência diante dos problemas vividos cotidianamente por docentes não apenas da América Latina, como também por professores da Europa. As dificuldades para exercer a profissão docente têm levado à impressão de perda de dignidade e de sentido do trabalho bem feito, constituindo-se tal cenário, como lembra Lantheaume (2012) no tocante aos docentes da Europa, numa espécie de desprofissionalização.

Este autor pesquisou professores do collège e do lycée35 para identificar suas dificuldades, bem como consequências, e o tratamento que têm recebido da escola. A pesquisa constatou que esses professores vivenciam um desgaste moral e sofrem algumas patologias que decorrem da obrigatoriedade de eles próprios resolverem isoladamente problemas com que se deparam durante sua atuação. Vivenciam cada solução como fracasso pessoal acompanhado de vergonha e silêncio – embora permaneça o prazer de ensinar.

A segunda situação remete ao sentimento de invasão do privado pelo público, quando docentes se obrigam a levar problemas do ambiente de trabalho para casa. O sombreamento entre vida pessoal e profissional tem se constituído num dilema para os professores em seu objetivo de desenvolver atividades a contento. Embora devam a responsabilidade profissional e a responsabilidade moral dos professores circunscreverem-se à sala de aula e à permanência deles na escola (MARCHESI, 2008), não é isto o que ocorre no dia a dia. Lantheaume (2012) constatou que professores da educação básica têm vivenciado, cada vez mais, uma permeabilidade entre os universos pessoal e profissional. Seria um constante

desassossego, com atuação em diversas tarefas na escola (tais como ensino,

orientação, projetos, avaliações, articulação com os pais, exames e socialização dos alunos) e, com isto, praticamente se obrigando a levar “os problemas da classe para casa” (LANTHEAUME, 2012, p. 372-373).

35 No sistema educacional francês o collège e o lycée equivalem, respectivamente, às séries finais do

ensino fundamental e ao ensino médio do sistema educacional brasileiro (PERRENOUD, 2000; CHARLOT, 2000).

Mencionadas estas situações, passa-se aos contextos. Apresentam-se a seguir algumas hipóteses da literatura, tendo sido extraídas de conclusões a que chegaram diversos autores, em recentes pesquisas, as quais evidenciam os modos de contraposição entre uma espécie de muro da comunicação, presente no cotidiano escolar, e o efetivo diálogo com os jovens neste cotidiano.

Tal contraposição coloca em risco a possibilidade de qualquer educação. São estas as hipóteses: 1) haveria na escola outras identidades além do aluno; 2) existiria dissociação entre a cultura contemporânea e o ethos na escola; 3) a escola apresentaria vulnerabilidades distanciadoras dos anseios e das capacidades dos alunos jovens; 4) haveria certo distanciamento entre jovens e professores no âmbito do uso de ferramentas tecnológicas no processo educacional; 5) haveria perda de sentido da escola para os jovens estudantes. Esta última hipótese parece enlaçar as demais, se for considerado que a perda de sentido decorrente do declínio da instituição, e o mal-estar, se aprofundam à medida que a educação básica e a educação superior se democratizam (DUBET, 2008).

A primeira hipótese, a de que haveria na escola outras identidades além do aluno, originou-se das análises realizadas por Tenti Fanfani (2012) com respeito às relações entre o crescimento dos sistemas educativos latino-americanos e a atual identidade dos alunos. Para o autor, os mais novos demoram a se ajustar ao modelo institucional da escola desenhado num mundo não mais existente e ao distanciamento entre expectativas e vivências – neste caso, dos alunos e dos professores. Como anões em ombros de gigantes, os indivíduos de hoje não mais veem o mundo como antes o viam. Onde estaria agora a linha divisora entre as velhas e as novas gerações?

Segundo aquele autor, se antes a ideia de progresso dava sentido e direção ao devenir histórico, hoje, na pós-modernidade, a cultura produtora dos meios de comunicação de massa e do tempo apontaria para o presente. O passado não estaria mais dizendo tanta coisa. O futuro estaria agora incerto. Entre adolescentes e jovens de quaisquer classes sociais predominaria a ideia de tempo presente, dominador e excludente.

No entanto, sem saber do passado e sem horizonte, como construir projetos de vida? De acordo com Tenti Fanfani (2012), o aplainamento do tempo, concentrado no presente, contrapõe-se à psique sana consciente do passado,

atenta ao presente e aberta ao futuro. A ausência de interesse dos alunos pelo passado estaria a exigir das ciências sociais uma pedagogia apta para articular o tempo histórico em suas três dimensões. Esses anões em ombros de gigantes, explica o autor, vivenciam a modernidade líquida (BAUMAN, 2001, 2007) e, como tal, se adaptam ao recipiente. Porém, neste tempo, não há mais gigantes em cujos ombros haveria segurança quanto ao presente e ao futuro.

Assim, os perdedores estariam sofrendo hoje as consequências negativas da flexibilidade laboral, da falta de confiança, da debilidade das instituições sociais, dentre outras, embora as novas gerações alberguem frutos da modernidade líquida, como o consumo de novos produtos.

A segunda hipótese, a de que existiria uma dissociação entre a cultura contemporânea e o ethos na escola, resultou também das análises no âmbito dos estudos afetos à relação da escola com as identidades dos alunos nos sistemas educacionais latino-americanos. Para Tiramonti (2012), no ethos da escola haveria um distanciamento entre subjetividades e conteúdos culturais – estes com regras e lógicas diferenciadas, compartimentação de saberes e hegemonia do livro. Lembra o autor que, enquanto ocorre a mutação cultural destruidora de fronteiras entre disciplinas, como público/privado e real/virtual, a geração pós-alfa despede o mundo do pensamento logocêntrico e sequencial por meio do qual se interpretava o entorno.

As novas gerações se recusam a imigrar no tempo (como o fizeram adultos nascidos antes da Segunda Guerra Mundial) e se recusam à subordinação simbólica, manejando códigos desvinculados do universo simbólico da escola. Neste cenário, continua Tiramonti (2012), a invariabilidade do formato da escola derivado da Europa moderna e transplantada para a América Latina teria originado um núcleo fixo.

Situada entre a proposta igualitarista do ideário moderno e as exigências de seleção da sociedade organizada, a escola estaria sofrendo uma decadência institucional, vivendo a diferenciação entre cultura e economia inerente à modernidade flexível. Seus programas institucionais, concebidos como parte de um modelo de socialização, estariam em declínio. Com formação precária, o corpo docente teria ficado sozinho diante de situações sociais e culturais inéditas ainda

pressupondo a possibilidade de separar conteúdos e práticas de ensino da subjetividade dos alunos.

A terceira hipótese, a das vulnerabilidades da escola frente aos anseios e às capacidades dos alunos jovens, emergiu de pesquisas realizadas no Brasil, no período de 1999 a 2006, conforme levantamento realizado por Sposito (2009). A primeira vulnerabilidade se refere à educação para valores. Conforme as pesquisas, a escola não possuiria mecanismos capazes de gerar identificação dos jovens com a cidadania, constituindo-se em ambiente onde as noções de justiça e autoridade são frágeis; não socializa, sem disciplinar os alunos (mais na escola pública), construtores de suas identidades em meio à crise social e econômica, à desigualdade de oportunidades e direitos e à dissolução de vínculos intergeracionais.

A segunda vulnerabilidade mantém vínculo com a educação para o trabalho. De acordo com aquelas pesquisas, a escola não informaria suficientemente os alunos a respeito do assunto, deixando-os desamparados quanto à tomada de decisão. Em decorrência, haveria desde dificuldades de acessar a educação superior por meio de políticas de ação social até a frágil formação nos níveis fundamental e médio, passando pelo problema da evasão escolar.

A terceira e última vulnerabilidade da escola envolve o tema da sexualidade. Pesquisadores têm procurado saber os motivos pelos quais as mudanças sociais e as profundas alterações na vida das mulheres não têm alterado casos de gravidez precoce. Eles concluíram por um desconforto de várias instituições escolares ao tratar do assunto, estando despreparadas tecnicamente para abordar o tema. Haveria silêncio quanto ao assunto, carência de programas de educação sexual e elaboração de projetos de permanência de jovens grávidas ou mães nas escolas.

A quarta hipótese, a de que haveria distanciamento entre os jovens e os seus professores no âmbito do uso de ferramentas tecnológicas no processo educacional, constituiu-se de informações recolhidas de pesquisas realizadas no Brasil. Apesar de haver expressivo avanço da presença das tecnologias da informação e comunicação nos lares brasileiros, e de seu uso pela população (BRASIL, 2012a), ainda existe enorme desafio de incorporá-las ao cotidiano de professores e alunos.

Por um lado, há carência de infraestrutura (apenas 4,0% das escolas públicas e 21,0% das escolas privadas têm, respectivamente, computador nas salas de aula),

embora os professores, em especial os mais jovens, utilizem computador em aulas expositivas (24,0% dos docentes de escolas públicas, à semelhança da frequência das atividades realizadas com os alunos nas escolas privadas) (BRASIL, 2012b).

Por outro lado, os próprios docentes admitem saber menos em comparação com os discentes a respeito do uso das tecnologias e da internet: dois terços dos 1.822 professores entrevistados na pesquisa TIC Educação 2011, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), reconheceram menor domínio das tecnologias da informação e comunicação em comparação com os alunos (TIC) (BRASIL, 2012b)36.

Ainda no Brasil, as pesquisas de Leão (2012) refletiram a respeito do sentido da escola para os jovens estudantes. De seus resultados extraiu-se a quinta hipótese, a de que haveria perda desse sentido para eles. Se, por um lado, as recentes reformas favoreceram a universalização da escola, inclusive a expansão da educação básica e superior para famílias com pais sem acesso à educação básica nos últimos anos, por outro, trouxe novos reptos com a introdução de elementos advindos da presença dos estratos populares, caracterizando uma pedagogia da precariedade.

As motivações e os sentidos com respeito à escola são diversos: existem, entre os alunos brasileiros, sentimentos como retribuição à família, garantia de lugar no mundo do trabalho e ser alguém na vida.

Para Leão (2012), embora a diversidade de projetos de vida seja uma expressão dos conflitos de uma sociedade favorável à escolarização, isto estaria ocorrendo em contextos de desigualdade social geralmente mais consumista. Em tal sociedade, com trajetórias sociais individualizadas, as pessoas são submetidas a provas: na escola, o aluno fracassa, mas a responsabilidade estaria sendo apenas dele. Assim, para reduzir a distância entre a esperança (dos jovens) e a ação (da escola), seria necessário pensar a justiça para os estratos populares. No entanto, finaliza o autor, as respostas serão válidas se os jovens forem considerados em suas especificidades e identidades, o que possibilitaria a abertura a diálogos.

36Além dos professores, foram entrevistados 606 coordenadores pedagógicos, 640 diretores e 6.364

alunos. Conforme resultados, a integração das tecnologias no currículo escolar se encontra mais avançada nas escolas privadas do que nas públicas, sendo, respectivamente, de 50,0% e 25,0% a proporção do uso de computador e internet na grade curricular.

Como mencionado, das hipóteses apresentadas a mais abrangente e impactante parece ser a última. A perda de sentido, que não seria só do aluno com relação à escola, mas também desta para com aquele, parece atravessar desde a cegueira da escola no que tange às suas identidades (uma escola é feita, dentre outros componentes, por alunos, funcionários e pais que divergem em diversos aspectos) até a concretização de programas institucionais que separam as subjetividades dos conteúdos culturais. Desvelam-se vulnerabilidades de uma instituição aparentemente já desvinculada das expectativas acalentadas pela sociedade para que a educação ande junto com o aluno, dialogando com e entre os jovens na escola.

Com efeito, segundo Dubet (1994, 2002, 2003, 2008), com a desinstitucionalização da escola em meio à separação entre as suas funções de socializar, educar e distribuir diplomas e qualificações, o estudante prestes a ingressar na educação superior sente dificuldades de conciliar seus interesses intelectuais com os sociais, acima de tudo, “quando o insucesso não tem outra causa perceptível pelos atores que não seja a sua própria incapacidade” (1994, p. 18). O que indica a necessidade de apresentar algumas proposições teóricas relacionadas às possibilidades do currículo voltado para a educação dialógica.