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CAPÍTULO 1: EXPERIÊNCIA SOCIAL, JOVENS E UNIVERSIDADE

1.3. UNIVERSIDADE E DIÁLOGO

1.3.2. O jovem estudante universitário

No Brasil, o estudante da graduação mais frequentemente é do sexo feminino e estuda numa instituição privada. Caso estude em cursos presenciais, é do período noturno, tem 21 anos de idade quando se matricula, sendo de 19 anos de idade os ingressantes e de 23 anos de idade os concluintes. Caso estude em cursos a distância, o estudante com maior frequência tem 29 anos de idade quando se matricula, 28 anos de idade ao ingressar e 31 anos de idade ao concluir o curso. Quando cursa o presencial opta pelo bacharelado, com a preponderância de mulheres nas áreas de Educação; Humanidades e artes; Ciências sociais, negócios e direito; Saúde e bem-estar social; Serviços. Quando cursa a educação a distância opta por cursos de licenciatura formativos de educadores (Quadro 6) (BRASIL, 2012c).

Caracterizações assim são úteis para situar os jovens graduandos que estudam na educação superior, dentre eles os universitários – neste caso o jovem brasileiro. Porém, elas não significam muito por si próprias, assim como não dizem

muito as percepções negativas a respeito dos estudantes, sem respaldo em observações acuradas. Por exemplo, já foram constatadas percepções negativas em frases pronunciadas por professores da educação superior a respeito de estudantes, os quais seriam, segundo aqueles, “mimados, indisciplinados, preguiçosos, imaturos, falantes, dependentes, não leem, escrevem mal, têm valores frágeis, estudam pouco, não se esforçam” (ROGGERO, 2007, p. 167).

Quadro 6 – Brasil, perfil do graduando por modalidade de ensino, 2010.

Atributo Modalidade de ensino

Presencial A distância

Sexo Feminino Feminino

Categoria administrativa Privada Privada

Grau acadêmico Bacharelado Licenciatura

Turno Noturno ...

Idade (matrícula) 21 29

Idade (ingresso) 19 28

Idade (concluinte) 23 31

Fonte: BRASIL, 2012c, p. 55.

Seja como for, caracterizações ou percepções negativas, refere-se aqui a máscaras nominais sob as quais se escondem representações da juventude, verdadeiros estatutos passíveis de ser internalizados por jovens que, às vezes, até os materializam ou ratificam (PAIS, 2008). Desse modo, torna-se necessário fazer uma complementação de dados oficiais (QUIVY, 2005) ou esclarecer percepções e definições precipitadas, fazendo isto por meio de textos de análise e interpretação de identidades.

Como aqui se refere à apresentação de explicações de identidade dos indivíduos construídas socialmente, três concepções de Stuart Hall (2011) a respeito do termo identidade constituem relevantes pontos de referência: 1) a do indivíduo

único, autônomo e autossuficiente, idêntico a si. Sua identidade estaria em seu

interior, embora se desenvolvendo no decurso da vida – este é o sujeito do Iluminismo; 2) a do indivíduo relacional, interativo com as pessoas que lhe são importantes, mediando valores, sentidos e símbolos do mundo. Sua identidade se construiria nos interstícios do espaço interior e exterior, alinhando o subjetivo ao objetivo – este é o sujeito sociológico; 3) a do indivíduo histórico, criador de sua

própria narrativa de vida na multiplicidade dos sistemas culturais. Sua identidade seria uma celebração móvel, pois com esta característica e multiplicidade de sistemas não seria possível falar em identidade fixa-essencial-permanente – este é o sujeito pós-moderno, o qual assume identificações contraditórias originárias dos sistemas de significação e representação cultural multiplicadas na sociedade pós- moderna, e que impele com frequência o indivíduo para direções diferentes.

Assim, no atual momento histórico, fluido (BAUMAN, 2001), as identidades dos indivíduos são fragmentadas e contraditórias (HALL, Stuart, 2011) e se relacionam dialeticamente com as instituições que as delineiam (GIDDENS, 2002), envolvendo, além das definições em leis ou advindas de percepções (do próprio indivíduo sobre si ou de outrem), as condições para a existência do indivíduo e a construção de experiências sociais.

Com estas características, as identidades de jovens universitários podem ser apresentadas conforme as condições exógenas e endógenas envolvidas em sua construção. As primeiras se referem às definições legais do ser do estudante universitário e aos aspectos estruturais de seu ingresso e permanência na universidade e as segundas se referem às suas vivências no cotidiano universitário – evidenciando que não se trata de apresentar aspectos de uma identidade psíquica do estudante universitário, mas aspectos de uma identidade social39.

No Brasil, o estudante universitário, assim como os demais estudantes da educação superior, obriga-se a ter concluído o ensino médio (ou equivalente) e, se for estudante da graduação, obriga-se a ter sido classificado em processo seletivo, conforme o art. 44 da LDBEN (BRASIL, 1996). Cabe ressaltar, a legislação brasileira não fixa a idade mínima de ingresso na educação superior, nem a máxima para saída, apenas se presumindo que o jovem ingressará por volta dos 18 ou 19 anos de idade. Conforme leitura conjunta dos art. 32 e 37 da LDBEN, o aluno do ensino fundamental terá a idade entre seis e 15 anos e o aluno do ensino médio terá o máximo de 18 anos de idade. Acima destes limites, fará os cursos e os exames supletivos enquadrados nas regras da Educação de Jovens e Adultos.

O estudante universitário, bem como quaisquer outros da educação superior, obriga-se também a superar barreiras estruturais, prioritariamente, para acessar este

nível da educação. Num país como o Brasil, o baixo índice de 20,7% de jovens com idade entre 18 e 29 anos na educação superior (CORBUCCI et al., 2009) serve como alerta quanto à elaboração de políticas educacionais. Apesar de estar claro que cabe ao Estado e ao sistema educacional brasileiro em sua totalidade preocupar-se com a redução das desigualdades de acesso ao ensino médio (BRASIL, 1996) e consequente ingresso na educação superior, estudos têm evidenciado que se torna necessário haver mais atenção a questões como orçamento, distribuição de livros didáticos, merenda escolar e formação de professores (BRASIL, 1996, 2009a).

Relacionado ao problema da frequência na educação superior, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) constatou que, no Brasil, entre os jovens de 18 a 24 anos de idade, a taxa oscila de 5,6%, para quem têm rendimentos mensais

per capita de meio a um salário mínimo (SM); até 55,6%, para quem se situa na

faixa de cinco SM ou mais. Constatou ainda que 17,5% dos jovens com residência nas áreas metropolitanas frequentavam a educação superior, em 2007, e apenas 3,2% dos que moravam em áreas rurais a frequentavam (BRASIL, 2009b).

Quanto às condições endógenas, relacionadas mais às vivências do estudante em seu cotidiano acadêmico, pesquisas realizadas por um grupo de especialistas franceses com o objetivo de introduzir a reforma dos primeiros ciclos universitários naquele país, na década de 80, resultaram em descobertas relacionadas à condição de estudante do jovem que ingressa na vida universitária. Para Coulon (2008), um autor daquelas pesquisas, a tarefa inicial do estudante ao acessar a universidade é aprender o ofício de estudante, isto é, aprender como não ser eliminado ou se eliminar só porque continuou a ser estrangeiro naquele espaço que, para ele, seria novo. O autor analisou o ingresso nesse mundo como passagem, no sentido etnológico do termo (VAN GENNEP, 1978), momento em que o jovem vivencia o tempo do estranhamento, da aprendizagem e da afiliação. Então, segundo o autor, para não fracassar, ele precisaria afiliar-se institucional e intelectualmente à universidade.

Nesta passagem do ensino médio para a universidade, diante das várias rupturas simultâneas, o jovem vivencia inquietações. Como lembra Vieira (2010b), o jovem universitário ingressa num universo regido bem mais pelo currículo oculto do que pelos níveis escolares precedentes. Ele enfrenta incertezas decorrentes da

diversidade de tarefas e das expectativas quanto aos resultados e reajusta-se em função dos efeitos da transição de nível escolar, os quais, frequentemente, são acompanhados do sentimento de descontinuidade identitária.

De acordo com Coulon (2008), o jovem vivencia, durante tal passagem, a busca da autonomia (estuda agora com outros adultos) e a busca da preparação para a vida ativa (trabalho, por exemplo). Vivencia tensões relativas à necessidade de decidir seu próprio destino, inclusive estudar na universidade. Dentre outras rupturas, há um rompimento psicopedagógico originário da redução de tempo da relação entre professor e estudante, comparativamente ao que ocorria no ensino médio. O aluno sai da tutela e entra no anonimato, inclusive com os colegas, o que vem a gerar novos comportamentos.

Tendo identificado uma escassez, no Brasil, de investigações científicas relacionadas à condição juvenil40, Sposito (2002) debruçou-se sobre este tema, vinculando-o ao da vida universitária. A autora desenvolveu levantamentos de pesquisas realizadas no período de 1980 a 1998 voltadas para questões situadas na confluência dos dois temas. Assim, ela notou que o foco das pesquisas permaneceu no ambiente institucional, apreendendo o jovem mais como estudante de uma instituição, menos como sujeito cultural. Constatou que os estudos focalizaram mais a matriz psicológica, menos para saber como pensa, sente a age o jovem quanto às determinações deste ambiente.

Ainda assim, Carrano (2002), um autor daquelas pesquisas, identificou situações vivenciadas pelo jovem universitário. Caso estude no período noturno, enfrenta dificuldades, em especial para conciliar trabalho profissional e estudo. Ele se ressente de conectar as aprendizagens teóricas com as práticas de trabalho. Assim como os colegas da educação superior, o estudante acessa este nível educacional não mais exclusivamente por intermédio de concursos vestibulares. Sua permanência caracteriza-se pela superação de barreiras materiais e simbólicas da interdição social. E sua satisfação com a formação recebida constitui-se em elemento decisivo para o seu bom desempenho.

40 Cabe ressaltar que também os fenômenos da ociosidade e da evasão têm sido pouco pesquisados,

conforme o Relatório Desafios e Perspectivas da Educação Superior Brasileira para a próxima década 2011-2020 (SPELLER; ROBL; MENEGHEL, 2012).

Noutros levantamentos, em pesquisas realizadas no Brasil no período de 1999 a 2006, Sposito (2009) constatou que os jovens sentem falta de informações úteis à tomada de decisão quanto ao curso e à profissão. Que eles têm enfrentado dificuldades de acesso à universidade e o estigma por acessá-la por intermédio de políticas de ação social. Que passam por uma frágil formação recebida no ensino fundamental e no médio.

Neste sentido, tais constatações guardam alguma coerência com os resultados da pesquisa Perfil da juventude brasileira (ABRAMO; BRANCO, 2011), antes mencionada, segundo a qual, dentre os escolarizados, a população universitária é o conjunto mais insatisfeito no quesito entender os jovens (SPOSITO, 2011) – uma dificuldade que, certamente, passa pela discussão a respeito da identidade do professor universitário.