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CAPÍTULO 1: EXPERIÊNCIA SOCIAL, JOVENS E UNIVERSIDADE

1.3. UNIVERSIDADE E DIÁLOGO

1.3.3. O professor universitário

No Brasil, o típico professor da educação superior41 pertence ao sexo masculino, independentemente da categoria da instituição, quer a pública, quer a privada. Na primeira categoria ele possui 45 anos de idade, título de doutor e atua no regime de trabalho em tempo integral. Na segunda, tem 33 anos, título de mestre e atua como horista (Quadro 7).

Quadro 7 – Brasil, perfil do professor da educação superior, Brasil, 2010.

Atributo Categoria

Pública Privada

Sexo Masculino Masculino

Idade 45 33

Escolarização/Titulação Doutorado Mestrado Regime de Trabalho Tempo integral Horista Fonte: BRASIL, 2012c, p. 53.

Em 2010, do total de 214 mil atuações na função docente, ocorridas nas instituições privadas, 97,2% estiveram na graduação presencial. Do total de 130 mil

atuações nas instituições públicas, este percentual chegou a 93,2% (BRASIL, 2012c)42.

Estes dados oficiais são frios, cabendo fazer uma complementação (QUIVY, 2005) a partir de informações colhidas em textos que analisam e interpretam a identidade do atual professor universitário. Sendo um indivíduo histórico que assume identificações contraditórias e, por isto mesmo, impelido frequentemente para diferentes direções (HALL, Stuart, 2011), o professor da época pós-moderna vivencia situações sociais pessoais e profissionais no fluxo e refluxo das relações construídas no seu cotidiano, no âmbito individual ou coletivo. Desse modo, o estudo da identidade do docente envolve não apenas a análise de dados oficiais, mas a análise das condições de sua existência e das suas experiências sociais.

A leitura articulada de diversos artigos da LDBEN possibilita extrair uma possível identidade do professor universitário com atuação no Brasil, o que caracteriza as condições exógenas de sua existência do ponto de vista legal. Sendo uma instituição pludisciplinar, que forma o profissional de nível superior, de pesquisa, de extensão, de domínio e do cultivo do saber humano, a universidade se preocupa em ter em seus quadros professores capazes de elaborar estudos sistemáticos de temas e problemas de realce científico e cultural (art. 52). Para isto, e no exercício de sua autonomia, contrata e dispensa professores (art. 53). Assim como os demais docentes da educação superior, o professor universitário precisa estar diante do estudante (exceto nos programas de educação a distância) e, caso atue em instituições públicas, obriga-se a permanecer o mínimo de oito horas semanais na sala de aula (art. 47 e 57).

Análogo aos demais professores do sistema educacional brasileiro, algumas condições precisam ser atendidas (a serem cumpridas pelo professor): participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; zelar pela aprendizagem dos estudantes; estabelecer estratégias de recuperação para os estudantes de menor rendimento; ministrar os dias letivos e

42 As outras áreas de atuação docente mencionadas no documento tomado como referência são:

graduação a distância, extensão, gestão, pós-graduação a distância, pós-graduação presencial, sequencial e pesquisa (BRASIL, 2012c). Cabe ressaltar, referindo-se ao art. 67 da LDBEN, que tais mensurações abrangem somente a função de magistério relacionada ao exercício da docência, portanto, não considera as funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico (BRASIL, 1996).

horas-aula estabelecidos, além de participar dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade (art. 13) (BRASIL, 1996).

Dentre as condições exógenas, relacionadas ao ingresso e à permanência do professor nos quadros da universidade (operacionalização a cargo do sistema de ensino), cabe mencionar que a legislação brasileira não o diferencia dos demais professores: ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; piso salarial profissional; progressão funcional baseada na titulação, ou habilitação, e na avaliação do desempenho; período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; condições adequadas de trabalho (art. 67).

Vale destacar que, segundo a legislação brasileira, as autoridades responsáveis devem prezar por uma relação adequada entre o número de alunos por professor e por uma carga horária e condições materiais do estabelecimento da educação básica (art. 25), mas não há dispositivos legais sobre o assunto relacionado à educação superior (BRASIL, 1996).

Respeitante à formação do professor universitário, a legislação brasileira é omissa. Não existe amparo legal relacionado à sua formação pedagógica. No máximo, a LDBEN estabelece que a formação dos profissionais da educação tenha como fundamentos: a presença de sólida formação básica capaz de propiciar conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; a associação entre teorias e práticas mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; o aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e em outras atividades (art. 61) (BRASIL, 1996).

Esdrúxula é a situação em que, para atuar na educação superior, não é condição legal que o professor passe pela sala de aula (art. 65), como ocorre com o professor que atua na educação básica que, ao concluir sua formação, obriga-se a passar pela prática de ensino mínima de 300 horas. Como exigência legal a ele imposta, este professor terá apenas que se preparar para o exercício do magistério superior em nível de pós-graduação, com prioridade em programas de mestrado e doutorado. Desse modo, razoável é dizer que tal definição legal restringe a formação

do professor universitário com sérias consequências, dentre outras, para o desenvolvimento das interações sociais entre os estudantes e entre estes e o professor na sala de aula43 (BRASIL, 1996).

Quanto às condições endógenas, relacionadas mais de perto com a ação docente no cotidiano da prática didático-pedagógica, podem ser destacados alguns aspectos da identidade do professor, mas fazendo-o a partir de três eixos colocados às universidades como indissociáveis pela legislação brasileira: ensino, pesquisa e extensão. Assim, em primeiro lugar, na universidade, o professor condiciona-se a compreender que o ensino se volta para a formação do estudante para além do aspecto cognitivo, abrangendo o desenvolvimento de competências e habilidades requeridas para o profissional, bem como para o comprometimento com a cidadania (VASCONCELOS; CÂMARA, 2011; VASCONCELOS, 2011a; MASETTO, 2012).

Neste sentido, é uma condição compreender que a função ensino, na universidade, espalha-se pelos interstícios dos cursos e pelas oportunidades de aprender, pois o ensino que especifica cada um desses cursos, oportunidades ou departamentos converte-se em educação mediante processos fundamentalmente pedagógicos (MENDES, 1974). É condição saber que “ser profissional é, sobretudo, saber permanentemente aprender; o que mais é mister na universidade é esta habilidade, ou seja, de saber pensar e aprender” (DEMO, 2009, p. 85). Compreensões estas constituintes da prática consciente do professor quanto à sua profissão na universidade.

Em segundo lugar, para ser professor universitário, o profissional da educação condiciona-se a internalizar que a atividade de pesquisa implica o debate de questões atualizadas como, por exemplo, com relação à ecologia, à ética, ao analfabetismo, ao movimento dos sem-terra, ao desemprego e à globalização. Ou internalizar ainda a pesquisa como atividade que busca descobrir aspectos da realidade, partindo do pressuposto de que esta não se revela na superfície, havendo com frequência algo para além dos esquemas explicativos (DEMO, 2010). Nesta perspectiva, de acordo com Severino (2007), a atitude investigativa deve ancorar a

43Cabe ressaltar que, a exemplo do ocorrido com a formação inicial de professores franceses

(THURLER; PERRENOUD, 2006), evidencia-se no Brasil maior preocupação com os saberes a ensinar do que com as práticas sociais ou outras emergentes – o que seria um fato histórico na educação brasileira (ROMANELLI, 2003). Considerado este cenário, seria o caso de refletir a respeito da prática didático-pedagógica de professores da educação superior, que vivem o risco de ensinar por meio de modelos arcaicos com os quais eles mesmos sofreram durante sua formação.

atividade de ensino e, certamente, o professor universitário encontra nela uma condição de sua existência.

Em terceiro e último lugar, para Severino (2007), a universidade não pode desenvolver suas atividades de ensino e pesquisa a distância da sociedade. O professor universitário se faz também na condição de compreender que a extensão é exigência intrínseca feita à educação superior, pois conhecimento e educação se encontram comprometidos com a sociedade.

Pressupondo atendidas essas condições, enquanto profissional da educação, o professor universitário obriga-se a ter algumas competências (UNESCO, 1999; PERRENOUD, 2000; MARCHESI, 2008; MARTÍN GARCÍA; MARIA PUIG, 2010; LANTHEAUME, 2012; MASETTO, 2012). Nesta perspectiva, ao tomar o conceito de competência relacionado com uma série de aspectos desenvolvidos em conjunto, tais como os saberes, os conhecimentos, os valores, as atitudes e as habilidades (PERRENOUD, 2000), Masetto (2012) propõe três competências básicas do docente universitário: 1) competência em determinada área de conhecimento: pressupõe a realização de cursos em nível da educação superior, o exercício profissional e a atividade de pesquisa; 2) domínio da área pedagógica: pressupõe a compreensão do processo educacional, currículo, integração das disciplinas, relação professor-estudante e estudante-estudante, teoria e prática da tecnologia educacional, processos avaliativos e planejamento; 3) exercício da dimensão política

da docência universitária: tem como requisito fundamental a compreensão dos

tempos atuais.

Do professor universitário também tem sido exigido saber conviver com a diversidade de públicos decorrente da democratização do acesso à educação superior. Ele vivencia situações relacionadas com as novas diversidades introduzidas no passo com que se abre o leque de acesso à educação superior, sendo levado a lidar com a heterogeneidade do corpo discente, com a diversidade de vivências socioculturais, em turmas cada vez mais numerosas. Tal democratização tem gerado uma identidade profissional composta por dimensões e relações que precisam integrar o sentimento de pertencimento a determinada comunidade com os percursos de aprendizagem (MARCHESI, 2008).

Portanto, a identidade do professor universitário, mais focalizada em aspectos de uma identidade social do que em aspectos da identidade psíquica, é menos

definida por leis ou meras percepções e mais pelo complexo de vivências relacionadas com a democratização da educação superior no contexto da sociedade pós-moderna, bem como relacionadas à interação com os estudantes.

Ela se desenvolve no terreno da intersubjetividade, no desafio de lidar com os conflitos e as carências da educação escolar. Como explica Marcelo (2009), sua identidade precisa ser considerada uma realidade em evolução, desenvolvendo-se individual e coletivamente; sem ser possuída, mas desenvolvendo-se ao longo da vida. Segundo o autor, ela é um fenômeno relacional por meio do qual o professor interpreta (e reinterpreta) a si próprio, tendo sido enlaçado por determinado contexto. Depreende-se que sua identidade é construída nas dinâmicas do exercício da docência, nas interações com os estudantes e com colegas e demais funcionários da instituição. Reconstrói-se ao gerar reflexões que alteram visões de mundo e de ser humano, numa relação dialética com a instituição em sua totalidade (GIDDENS, 2002).

Estas compreensões da identidade do professor universitário, se colocadas lado a lado com as relativas à identidade do jovem universitário, ensejam um quadro sintético das definições, condições exógenas e endógenas (Quadro 8). Tal desenho sintético sinaliza a importância de aprofundar a compreensão sobre os processos de desinstitucionalização presentes no dia a dia das universidades – tema analisado, com apresentações dos estudos no momento que se segue.