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O Boi de Reis Mirim e a aprendizagem de Música

Foto 31 – Orquestrim – 1

5.1 As práticas de transmissão oral de conhecimento musical no Conexão

5.1.2 O Boi de Reis Mirim e a aprendizagem de Música

As práticas musicais na brincadeira do Boi de Reis Mirim (Boi Mirim) se apresentam como uma oportunidade para crianças se envolverem com o folguedo de Dona Iza Galvão do Mestre Manoel Marinheiro, do bairro Felipe Camarão. E é nesta envoltura que a Música assume sentido de completude aos infantes, culminando em um aprendizado sociocultural dinâmico.

De maneira própria, nas atividades do Boi Mirim, há uma preocupação com o processo de ensino das práticas existentes no Boi de Reis do Mestre Manoel Marinheiro – Boi Adulto– com vistas a um aprendizado detalhado de toda a brincadeira e nela, a música.

Nas aulas-ensaio, acontecidas em um espaço próprio da casa de Dona Iza Galvão e funcionando como espaço anexo à sede do Conexão, este mesmo local é palco de ensaios para os dois Bois de Reis (adulto e infantil). Nesse contexto predial, o ensino de todo o festejo é desenvolvido. É nele onde a criança aprende a se comportar de acordo com as questões de hierarquias e respeito a um mestre que lhe tem determinada autoridade no quesito das atividades das cenas do brinquedo.

Quando, na fase de observação, voltamos nossa atenção para a relação entre os tocadores e as crianças, ficamos um pouco confusos não sabendo logo de imediato se havia uma comunicação entre eles. Ou seja, não soubemos de certo definir se as crianças respondiam (enquanto dança) às músicas iniciadas pelos tocadores (rabequeiro e panderista) ou se o faziam em resposta às indicações das falas do mestre e de seu apito. Também pensamos que eles poderiam apenas seguir a sequência do que era proposto a fazer em cada cena. No entanto, constatamos que as duas diretrizes estavam interligadas de maneira que uma e/ou outra poderiam ser desencadeadoras dos movimentos dos alunos, sendo primordialmente as indicações do mestre as mais facilmente atendidas.

Todavia, a comunicação era musical e direta entre as crianças e os tocadores que acontecia quando esses últimos iniciavam uma determinada música e, automaticamente, os brincantes se posicionavam de acordo com ela já começando a dançar. Porém, para dar sequência com a brincadeira, era necessária a presença e comandos do mestre, pois é ele quem delimita o tempo de cada parte das músicas. Podemos dizer que enquanto a música estiver sendo tocada, os brincantes permanecerão na cena e em atividade correspondente.

No caso de um ou outro aluno não ser obediente a esses e outros comandos, bem como a outros estímulos e condutas, são advertidos para que retornem ou, ao menos, não cause a dispersão dos demais colegas.

Em se tratando das músicas em si, algumas delas têm a configuração de exposição e repetição de determinada parte da música, onde o mestre (cantando) expõe um trecho e as crianças o repetem exatamente como ele o fez sem mudanças melódica ou rítmica, como podemos perceber na música Na chegada desta casa (MARINHEIRO, 2015).

De semelhante maneira, a natureza da exposição assume o papel que chamamos de texto antecedente e texto consequente, onde o primeiro é executado pelo mestre e o segundo pelos infantes. Nesse esquema, o primeiro texto apresentado pelo mestre é um específico, enquanto o texto subsequente é construído como continuação da ideia fraseológica textual.

Como exemplo de atividades de conexão entre mestre e infantes em um processo de ensinamentos de uma brincadeira, podemos observar a experiência de aprendizado musical no cavalo-marinho infantil citado por Lima (2008, p. 223) quando descreve a situação da personagem “Mané Chorão”, onde o mestre canta uma melodia e “[...] a partir da terceira repetição [...], são as crianças que respondem a segunda parte [dela] [...]”.

Em relação aos comportamentos das crianças, Dona Iza Galvão diz que algumas crianças, em suas agitações comuns da faixa etária, são mais inquietas que outras e, por vezes,

ela precisa lembrá-los que o comportamento é muito importante para continuarem ensaiando e brincando (informação verbal)21.

Um dado que percebemos ajudar como motivador para que as crianças do Boi Mirim mantenham um comportamento próximo ao esperado por Dona Iza Galvão. É o figurino que todos esperam provar, experimentar e vestir em um dia de apresentação. A Mestra se utiliza do desejo deles pelas vestimentas como artifício de conversa e convencimento com aqueles, segundo ela, mais agitados, e assim poder sustentar o bom andamento dos ensaios (informação verbal)22. Desta feita, ela os conduzia ao seguinte raciocínio: “[...] pra se

apresenta [sic] vocês precisa da rôpa [sic], né? Mas só vai receber a rôpa [sic] se se comportá [sic] direintinho [sic]. Se não se comportá [sic], num vai receber e num vai brinca [sic]” (informação verbal)23.

Observamos também que, em ensaios anteriores a apresentações quando o mestre se posiciona ao centro do local, utiliza o apito indicando início e os tocadores já começam a tocar, os alunos ficam todos ouriçados e procuram logo se organizar da maneira que podem para não perder o momento da brincadeira e, de repente perderem a oportunidade de participarem das apresentações.

Com todas as partes bem ensaiadas e inúmeras repetições feitas das partes das músicas, cantadas e dançadas, é dito aos alunos que eles já poderão se apresentar. No entanto, essa informação apenas valerá para aqueles que foram a todos os encontros e se mantiveram um comportamento exigido por Dona Iza Galvão na atividade de ensaios.

Durante o período de investigação registramos duas apresentações observadas do Boi Mirim. Ambas aconteceram durante a realização do Conexão Brasil – evento de fechamento de atividades da Instituição referente ao ano de 2015. A primeira delas foi na escola Djalma Maranhão, no penúltimo dia de atividades do evento onde estavam presentes repórteres, jornalistas, professores do Projeto, professores da Escola e de outras, gestores públicos, diretores de escolas, alunos, mestres, políticos, pesquisador e comunidade de uma forma geral – que está melhor detalhado na subseção 4.6 deste trabalho. Enquanto a outra oportunidade de observação de apresentação foi na Rua Maristela, (rua principal do Conexão), em um palco montado para o acontecimento do fechamento de todo o evento Conexão Brasil.

Na apresentação da Escola Djalma Maranhão, a quantidade de brincantes foi de apenas 13 alunos. Já na segunda observação, a quantidade foi de 18 alunos.

21Informação fornecida por Dona Iza Galvão, na sede do Conexão, em Natal - RN, em agosto de 2015. 22Informação fornecida por Dona Iza Galvão, na sede do Conexão, em Natal - RN, em agosto de 2015. 23Informação fornecida por Dona Iza Galvão, na sede do Conexão, em Natal - RN, em agosto de 2015.

Na apresentação do Boi, há a parte em que a figura do Boi faz cumprimentos a pessoas. Em relação a esses cumprimentos às pessoas presentes no público de apresentações, o Boi é quem tem esse papel, sendo conduzido a fazer o cumprimento de acordo com a condução do mestre da brincadeira.

De acordo com Dona Iza Galvão, a figura do Boi faz esses cumprimentos às pessoas importantes da comunidade. O grau de importância que ela atribui é referente às pessoas da região que tem certos poderes, tais quais estão políticos e empresários donos de grandes estabelecimentos (informação verbal)24. No caso do Boi Mirim atuando nos eventos, os

cumprimentos são indicados discretamente por Vera Santana a pessoas que pareçam importantes e, talvez por esse motivo, ela faça a intervenção ao mestre, que é quem indica a quem o Boi deve fazer os cumprimentos.

Na quadra de esportes da Escola havia espaço físico suficiente para o Boi Mirim comparecer com o número total de brincantes. Enquanto no palco estruturado na Rua Maristela, por ser pequeno, não comportaria com tranquilidade a quantidade total de brincantes, mestre, Dona Iza Galvão, tocadores e os personagens que subiram ao palco e ficaram em evidência, de modo que, ao se aproximar o final da apresentação puderam descer e dançar na parte de baixo logo em frente ao palco cantando e dançando a música Despedida do Boi (Boi de Reis).

5.1.2.1 Dois comandos sonoros

Queima é o termo utilizado pelo mestre condutor do Boi de Reis infantil e adulto para designar que ali se finalizou a parte cantada de uma música e de hora em diante reporta-se aos tocadores indicando que deverá ser iniciada a parte apenas instrumental da música. Esse momento instrumental equivale à execução da mesma melodia até pouco cantada, porém com um andamento mais acelerado e com intensidade bem mais acentuada que anteriormente. E, com mesmo ânimo, os passos da dança se ajustam, exigindo dos brincantes infantis um desprendimento de energia para poder acompanhar a nova configuração da música.

O Apito é um instrumento de Sopro utilizado pelo mesmo mestre em três momentos principais da brincadeira. O primeiro deles serve para chamar a atenção dos brincantes, indicando que o mestre iniciará uma música ou uma apresentação. Enquanto o segundo emprego se relaciona com o sentido de término de alguma música. E no terceiro, ele é

acionado quando da ocasião de indicar, em uma mesma música, a transição entre a parte cantada e a parte somente instrumental. E sendo mais específico com o terceiro comando, ele marca bem a completude de um ciclo de repetições indeterminadas de uma dada música, de parte instrumental, que a partir do comando deverá ser diminuída sua intensidade e seu andamento.

Esses dois elementos fazem parte dos acontecimentos sonoros da brincadeira servindo de norteadores importantes para as ações dos brincantes do Boi Adulto, também servindo de situações-espelho para as crianças do Boi Mirim. A imitação das crianças às respostas sinestésicas desses comandos representa a assimilação das funções musicais (deles) no construto do entendimento e apropriação das realidades do contexto do Boi de Reis.

5.1.2.2 Raciocínio preliminar

Nessa atmosfera, as músicas são aprendidas principalmente durante os momentos de ensaios e apresentações, onde o acontecimento do folguedo é composto por momentos de dança com música, textos de músicas, falas do mestre condutor, apresentações das figuras (personagens) e figurino. Onde e como se faz, também compõem o aprendizado global do Boi de Reis.

Em algumas ocasiões, o mestre (condutor) do Boi Adulto atua como participante das apresentações do Boi Mirim. Nesse sentido, podemos compreender que o aprendizado musical se constrói como uma parte onde a música não é desconectada da figura de um mestre, dos passos da dança, nem tampouco do personagem que se apresenta, nem dos brincantes, nem ainda dissociada do local no qual se faz o festejo. Aprender a música fora desse ambiente não tem sentido para os brincantes, como dançar sem ela, ou mesmo fora do contexto de ensaios e apresentações, também não se contém.