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Foto 31 – Orquestrim – 1

5.3 Outras músicas no Conexão

A partir de observações de estudantes de universidades que advém ou de alguma maneira se relacionam com práticas de ensino de Música em folguedos e brincadeiras das tradições orais brasileiras, novas propostas vêm surgindo e com elas os modelos dos processos de ensino e aprendizagem.

Um exemplo de ensino e aprendizagem baseado em folguedos é o caso apresentado por Marcelino; Beineke (2014), quando da investigação que fizeram no Grupo de Maracatu Arrasta Ilha, de Florianópolis, em Santa Catarina (SC). A ideia do Grupo é utilizar músicas de Grupos de Maracatus de Pernambuco (PE), mesclando tanto a forma de Canto com responsório, quanto o manuseio de instrumentos de Percussão como “[...] alfaia, caixa, tarol, gonguê, abê, timbau e mineiro [...]” (MARCELINO; BEINEKE, 2014, p. 12). O Grupo

100Sequência de 4 músicas dispostas na forma de rondó, onde a música Na chegada desta casa (MARINHEIRO,

mantém um dia fixo para encontros aos domingos que se iniciam às 15 horas podendo se estender até às 20 horas na própria Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Marcelino (2014, p. 124) menciona a respeito do modelo de ensino e aprendizagem que se estabelece no Grupo de Maracatu: “Escutar e tirar de ouvido”. Essa expressão é utilizada pelo pesquisador para dizer que: “Quando há dificuldade em aprender algum elemento musical durante os ensaios ou oficinas, os integrantes recorrem às gravações de vídeo e de áudio para escutar e ‘tirar de ouvido’”.

Ao comentar sobre seus processos de aprendizagem musical, Leojorge (2013 apud MARCELINO, 2014, p. 124) explicou:

Eu aprendi mesmo a tocar a coisa desse jeito, sentado, ouvindo o CD, sozinho em casa, sem ninguém. Aprendi a tocar o negócio como tava [sic] ali [no CD], foi o momento mais importante. Nesse caso, a escuta e o ‘tirar de ouvido’ são considerados como um momento fundamental e complementar às práticas de aprendizagem musical.

De maneira semelhante, as atividades de imitação se instauram no Grupo, quando os mais recentes integrantes iniciam suas tentativas em tocar os instrumentos a partir do que veem e ouvem os mais veteranos executando. Assim também vai seguindo o aprendizado das partes cantadas. E isso, tanto nas Oficinas quanto nas práticas dos ensaios do Grupo.

Marcelino; Beineke (2014) também apresenta que a participação no Grupo é de espontâneo interesse dos integrantes. E como em todo grupo, há incongruências de ideias e várias outras características de um grupo social. Que componentes se desligam, voltando ou não em tempos futuros.

Quando em entrevistas perguntamos aos professores do Conexão quais tipos de música gostariam de levar para a sala de aula e trabalhar com seus alunos, além daquelas adotadas pela Instituição, eles nos informaram algumas preferências, mas foi unânime que o repertório baseado na cultura de tradição oral é suficientemente rico e mostram-se satisfeitos (informação verbal)101.

As músicas das preferências dos professores estão ligadas a compositores de suas épocas quando eram mais jovens e que, de alguma maneira, fazia parte de suas vivências particulares. Podemos observar essas escolhas a partir de duas características bem aparentes nas falas dos professores: a música vocal e a música instrumental.

101Informação fornecida por Carlos Zens, Osawa Gaudêncio, Valério Galvão e Leonardo Santos, na sede do

Na música vocal temos as preferências que estão na direção de compositores, cantores e intérpretes da dita Música Popular Brasileira (MPB) de reconhecimento nacional para as quais também são agregados valores por causa de suas letras, além do próprio tratamento musical.

De outra parte, ainda na música vocal, são descartadas todas e quaisquer músicas que surjam das camadas mais populares midiáticas, como são os casos do funk, rap, músicas das bandas de forró mais atuais, músicas estrangeiras pouco conhecidas pelos professores e as de novelas que, segundo os professores, incitam a comportamentos equivocados dos jovens (informação verbal)102.

O objetivo central do Conexão é trabalhar a cultura de tradição oral a partir das músicas existentes nas brincadeiras que são passadas tradicionalmente entre as gerações. A partir do contato com os folguedos do bairro, são feitos estudos de repertórios, instrumentos componentes, músicas cantadas e formas musicais de cada brincadeira.

Nesse sentido, o principal envolvimento musical acontece em uma determinada direção, onde apenas as músicas dos folguedos e mestres são as que deverão ser ensinadas e tocadas. O aprendizado musical dos alunos fica facultado aos repertórios pertinentes a esta máxima.

Quando o assunto é música popular que não corresponda ao idealizado para trabalhar no Conexão, como as músicas midiáticas, a apropriação é negada desde a direção do Projeto até o professor, chegando aos alunos com grande ênfase. De acordo com os profissionais entrevistados, as observações feitas durante as aulas e ensaios e falas dos próprios alunos, quando o assunto permeava outros estilos musicais distintos do previsto no Projeto, há relevante rejeição por todos, nesse quesito (informação verbal)103.

Percebemos, nesse processo, que a busca pela valorização da própria música da região exprime certa satisfação por se fomentar os valores existentes no bairro onde se faz o Projeto e onde se tem as tradições da oralidade trabalhadas nele. Contudo, gostaríamos de chamar atenção para uma questão que nos parece um tanto perigosa que é a de reprovar possíveis prazeres musicais, por vezes, desvalorizando os demais estilos e, consequentemente, as histórias e relações particulares que podem existir entre alunos e seus repertórios pessoais.

102Informação fornecida por Carlos Zens, Osawa Gaudêncio, Valério Galvão e Leonardo Santos, na sede do

Conexão, em Natal - RN, em setembro de 2015.

103Informação fornecida por Carlos Zens, Osawa Gaudêncio, Valério Galvão, Leonardo Santos e Vera Santana,

Nesse sentido, observamos que há certo interesse para o não consumo de músicas de estilos como rap, funk, forrós atuais da mídia, entre outros, na ideia de que esses repertórios não permitem uma vida mais adequada e equilibrada pessoal e socialmente.

É um ponto delicado a ser tratado, pois sabemos que há determinado esforço dos educadores em promover um ensino com melhor qualidade possível. No entanto, o que é melhor em termos de qualidade educacional?

Vimos em observações no Conexão, que há falas a respeito de ajudar na formação do senso crítico dos alunos, mas essa tem sido uma prática que chega até eles dotada de certos conceitos preestabelecidos pela direção e professores do Projeto. Ou seja, quando um aluno pergunta a respeito de uma música que tenha ouvido nas rádios, televisão ou sites, geralmente seu professor informa que o tipo de música não é boa e que boas mesmo são aquelas que estão sendo ensinadas nas aulas do Projeto porque tratam de Cultura de verdade e que essas são as músicas de boa qualidade, porque tem conteúdo. Pois acreditam que as demais servem somente para enfatizar a prostituição, uso de drogas e violência, apontando principalmente como sendo os estilos de má qualidade e sem serventia alguma.

Concordar com esta posição não nos é coerente, visto que educar na contemporaneidade compreende observar as relações que as pessoas têm com as músicas que ouvem, como ouvem e com quem ouvem. As pessoas trazem com a música uma relação que não se acaba na obra em si, mas se expande para as pessoas, lugares e situações de suas vidas, sejam elas quais e como forem. Green, A. (1987) diz que devemos levar em consideração as relações sensoriais, simbólicas e afetivas proporcionadas pela Música. E, nesse sentido, parece incoerente mostrar desprezo aos repertórios de jovens que estão rodeados por pelos estilos, no lugar de apresentar o assunto em momento propício de esclarecimento do funcionamento do Projeto. Sendo possível dizer que os repertórios a serem executados são uns específicos e não outros que até lhes são comuns em suas residências e demais lugares.

De forma semelhante, porém não com o mesmo peso, são tratadas as músicas de cunho cristão e, principalmente, as protestantes mais populares executadas por cantores e bandas desse segmento. Nesse ponto, as defesas para a não utilização ou reprovação dos repertórios permeiam outros apriscos que não nos ficaram bem claros, sendo apenas respondido que não devem ser executadas no seio do Projeto para não causar confusão (informação verbal)104.

104Informação fornecida por Carlos Zens, Osawa Gaudêncio, Valério Galvão e Leonardo Santos, na sede do

De outra parte, um músico como rapper MV Bill é chamado para fazer parte de eventos de fechamento de atividades de final de exercício anual do Projeto. Por qual motivo acontece essa interpolação, já que não se trata de uma música de brincadeira tradicional e nem é um estilo preconizado (da MPB) pelo Conexão?

Outros artistas também receberam convites da direção do Projeto para se fazerem presentes, mas que não fazem parte do escopo da música de tradição oral. Talvez por esses mesmos serem considerados músicos que fazem música de qualidade.

Vale ressaltar que, segundo o que constatamos no Conexão, música de qualidade e boa música são expressões empregadas tanto às músicas e instrumentistas das brincadeiras da tradição oral, toda ela, quanto a compositores da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Mautner, Milton Nascimento, Chico Buarque, Roberto Carlos, Gal Costa, Tom Jobim, João Bosco, Jorge Ben Jor e Nando Reis, para citar como exemplos.

Percebemos que há determinados interesses na ligação com esses artistas da MPB para que, de certa forma, o Projeto possa ganhar visibilidade e assim possa ser facilitada a renovação de patrocínios e apoios para que as ações educativas por meio das Artes sejam continuadas no bairro. É algo plausível, visto que o Projeto necessita de financiamento para continuar atendendo os jovens da comunidade.

No início do trabalho da TerrAmar, a construção foi se estabelecendo em meio a parcerias com as escolas públicas locais do bairro de Felipe Camarão, devido à falta de um espaço físico próprio para desenvolver as atividades de ensino, seja ele alugado ou, de alguma maneira, fruto de doação.

Desta feita, apresentamos a Figura 6 com o resumo dos professores e suas respectivas atividades profissionais.

Figura 6 - Conexão - Professor – Oficina

Fonte: O autor (2016).