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O Centro de Promoção da Qualidade de Vida da Polícia Militar do Distrito Federal é o nome dado para o antigo Centro de Assistência Social (CASo), nome que ainda é reconhecido por muitos policiais que participaram da pesquisa.

As atividades desenvolvidas pelo CASo estiveram, desde o ano de 1977, subordinadas à Diretoria de Assistência ao Pessoal, então responsável por “prestar assistência, no campo das atividades médica, psicológica, social e religiosa, ao pessoal da Corporação e seus dependentes legais, por meio de sistema de serviços, benefícios, programas e projetos que fortaleçam e propiciem a execução de ações de segurança e bem-estar social” (GDF, 2010).

Em março de 2002, o Decreto 22.827 (GDF, 2002) transferiu a responsabilidade pelas atividades de apoio psicológico e assistência social para a Diretoria de Saúde da Polícia Militar do Distrito Federal. Esse decreto prevê a estrutura organizacional do CASo e concede a ele o

status de unidade, com autonomia administrativa própria e com distribuição de efetivo sob a

responsabilidade do Comandante-Geral.

Entre as competências atribuídas à unidade, verificam-se: a) estabelecer programas de trabalho em conformidade com a política da corporação e as necessidades constatadas; b) promover e avaliar atividades assistenciais e de serviço social da corporação; c) realizar pesquisas para melhorar o desenvolvimento das atividades de bem-estar social da PMDF; d) fornecer à Diretoria de Saúde elementos para elaboração da política de bem-estar social da corporação; e) desenvolver trabalho psicossocial de ações imediatas, preventivas e inclusivas, destinadas à policiais militares e familiares, buscando atender às necessidades afetivo- emocionais e psicológicas com abordagem de cunho terapêutico holístico e socioeducativo; f) propor à Diretoria de Saúde todas as medidas atinentes ao bom andamento do serviço, visando aprimorar o atendimento no campo específico de sua atuação; g) orientar o atendimento das necessidades básicas do pessoal e seus dependentes, relacionadas aos aspectos morais, sociais, econômicos, culturais e religiosos; h) prestar serviços sociais ao pessoal da Corporação e seus dependentes; i) cooperar com o Estado-Maior na programação de ações de caráter cívico-social; apresentar à Diretoria de Saúde relatórios analíticos das atividades desenvolvidas, qualitativa e quantitativamente; e, j) cumprir outras missões determinadas pelo Comandante-Geral da

PMDF.

Em outubro de 2018, o Decreto nº 39.395 (GDF, 2018), que altera o Decreto nº 37.321, de 06 de maio de 2016, modifica o nome do CASo para CPQV. Entre as justificativas para a alteração do nome, conforme resultados da pesquisa empírica (não exclusivamente a documental), inclui-se a necessidade de dirimir o estigma que a unidade recebera na instituição. Por um longo tempo, o espaço foi designado como o lugar para onde eram enviados os policiais que apresentavam algum desvio de comportamento, que pudesse difamar sua imagem e a imagem da PMDF. Por não ser esse o objetivo principal da pesquisa, dispensamos outras discussões dessa natureza neste trabalho.

A legislação em vigência até o momento designa ao CPQV a competência de “executar todas as atividades relativas à assistência médica, psiquiátrica, psicológica e social não executadas pela Diretoria de Assistência Médica” da PMDF. Seus titulares são nomeados entre profissionais da instituição, incluindo os Tenentes-Coronéis da ativa do Quadro de Oficiais Policiais Militares de Saúde Médico (GDF, 2018).

Sem identificar as razões, até o ano de 2015, os relatórios de gestão da PMDF não faziam qualquer referência aos serviços e às atividades de assistência social e psicológica prestados pela PMDF aos policiais e seus familiares. De 2015 até 2018, a questão é tratada apenas em função da regularização e da descrição das atividades do CASo, sem identificar a ocorrência dos trabalhos prestados ou o quantitativo de serviços da unidade. Em 2018, o relatório apresenta a estrutura organizacional da Diretoria de Saúde da Polícia Militar, incluindo o CASo, como se observa na Figura 4.

Figura 4. Organograma do Diretoria de Saúde da Polícia Militar do DF

Fonte: Relatório de Gestão 2018 (PMDF, 2018).

Discursivamente, a ausência dessas informações nos relatórios de gestão evidencia uma subestimação da temática no contexto da PMDF. Interessante observar que é, a partir do aumento do número de afastamentos por transtornos mentais, como estresse, depressão, crises de pânico, suicídios e outros problemas associados à saúde mental, que a temática passa a ocupar as páginas dos feitos institucionais.

O Relatório de Gestão 2019 (PMDF, 2019) menciona que, nesse ano, o CPQV oferecia serviços de hospital-dia, ambulatório de psiquiatria, avaliações solicitadas pelo Centro de Perícias e Saúde Ocupacional (CPSO), pela justiça, pelo 19º Batalhão de Polícia Militar, atendimentos psicológicos, atendimentos sociais, visitas hospitalares, apoio a funerais e encaminhamentos para a rede credenciada (psicoterapia, ambulatório de psiquiatria, hospital- dia e internações). Entre as atividades assistenciais realizadas, o Relatório inclui: programa de educação continuada, em que foram oferecidas palestras sobre temas ligados à valorização da vida para a comunidade Policial Militar; visitas realizadas pelas equipes da Seção de Bem-Estar Social (SBES) em hospitais, residências e unidades prisionais periodicamente; encaminhamento e manutenção de acompanhamento em clínicas de emergência psiquiátrica credenciadas; e triagem no CPQV para encaminhamentos para psiquiatria e/ou psicoterapia.

Os indicadores descritos no Figura 5, do Relatório de Gestão 2019 (PMDF, 2019), englobam todos os serviços realizados pelo CPQV, inclusive triagens para encaminhamentos, que acabam funcionando como indicadores de produtividade do setor. Embora o número elevado, é possível a existência de subnotificação, visto que muitos dos policiais rejeitam acompanhamento ou auxílio psicológico vindo da corporação por considerarem que essas atividades são “braços” da instituição e sistemas complementares de vigilância e controle.

Figura 5. Quantitativo de atividades relacionadas à saúde do efetivo

Fonte: Relatório de Gestão 2019 (PMDF, 2019).

A unidade presta atendimento em saúde mental para a corporação da PMDF e, no momento da pesquisa, funcionava das 8h às 19h, da segunda à sexta-feira, sendo uma turma pela manhã e outra à tarde. Durante as atividades de pesquisa, o número de participantes da turma da manhã variou entre 5 e 10 e, da turma da tarde, entre 12 e 15.

Subordinado ao DSAP, o objetivo do CPQV fundamenta-se na promoção do bem-estar biopsicossocial dos policiais integrantes da corporação. A equipe de técnica de trabalho é multidisciplinar, contando com um psiquiatra, sete psicólogas, duas assistentes sociais, dois profissionais de educação física e uma pedagoga, além de profissionais administrativos e de apoio, que dão suporte ao setor. O acesso aos serviços pode ser realizado de forma espontânea ou via encaminhamento pelos batalhões ou seus respectivos comandantes.

O CPQV é responsável por dois programas específicos de tratamento, quais sejam: o Programa de Resgate à Autoestima e Valorização da Vida (Praev) e o Programa de Recuperação e Apoio ao Dependente Químico (Pradeq). Ao ingressar no Centro, o policial assina um contrato de expectativa, que estabelece as normas que regulamentam o tratamento oferecido pelo CPQV, assumindo necessidade de acompanhamento psicossocial ou de dependência de substâncias psicoativas. O Praev tem como objetivo proporcionar um espaço terapêutico de reflexão, que vise trabalhar questões relacionadas a conflitos emocionais que acometem os PMs, corroborando para o resgate da autoestima e a valorização da vida. Já o Pradeq visa o tratamento de pacientes que apresentam condutas comprometidas pelo uso de substâncias químicas,

possibilitando o retorno ao convívio social e o desempenho profissional produtivo. Embora a distinção dos programas, os policiais assistidos participam de atividades comuns, com exceção de uma Reunião de Alcóolicos Anônimos, realizada às quartas-feiras apenas para os dependentes químicos.

Entre as atividades de trabalho, destacam-se psicoterapia individual, terapia em grupo, laborterapia, dinâmicas em grupo, oficinas de cerâmica, oficinas de música, educação física, atividades espirituais católica e evangélica, abordagem social, acompanhamento psiquiátrico e clínico e atividades complementares, como filmes comentados, passeios e eventos sociais fora da sede e festas em datas comemorativas (dia das mães, festa junina, dia dos namorados, natal etc.) e aniversárias dos policiais assistidos. As atividades eram programadas semanalmente pelo chefe da seção de saúde mental do CPQV; e as responsabilidades, distribuídas entre os membros da equipe técnica. Subordinada a essa programação, a equipe realizava uma programação diária, que contava com a participação de cada um dos assistidos para as atividades de acolhimento/recepção (Bom dia, para turma da manhã, e Boa tarde, para a turma da tarde) e lanche.

As atividades de acolhimento eram rotativas entre os policiais assistidos. A cada dia um deles era responsável pela programação da primeira hora de atividade no grupo. Em sua maioria, eram realizadas reflexões de textos bíblicos, músicas e/ou poemas. A cada semana, um dia dessa atividade era, necessariamente, de responsabilidade da Capelania Evangélica da PMDF.

A relação espiritualidade e saúde mental pareceu ser algo muito correlacionado na instituição, embora nem todos os assistidos tivessem interesse em participar. Entre os policiais assistidos, havia uma grande diversidade de cultos e crenças religiosas, mas a disciplina e o contrato de assistência firmado impediam-nos de se afastarem dessa atividade. Todos os assistidos eram obrigados a participar das atividades da capelania, envolta a uma leitura bíblica, seguida de uma reflexão e hinos religiosos evangélicos.

A associação saúde mental e espiritualidade é muito presente na instituição, o que leva a capelania, especialmente a evangélica, a desenvolver diversas atividades junto ao CPQV. O período de observação e as conversas informais permitiram a identificação de opiniões bastante divergentes em relação a essa prática. Parte dos policiais rejeitam as atividades espirituais das capelanias, considerando-as como uma imposição religiosa. Por ser uma prática obrigatória, os assistidos tentam se afastar dessas intervenções por meio de atividades que possam ter suas faltas legalmente justificadas, como a marcação de exames ou consultas médicas e odontológicas exatamente nos horários previstos para a capelania.

Salienta-se que, durante as atividades de campo, foi possível observar grande dificuldade para manutenção das atividades do CPQV, dada a escassez de recursos e de pessoal, sendo que, muitas vezes, os próprios assistidos, ou mesmo os profissionais especialistas, tinham que disponibilizar recursos para a realização das atividades. Essas dificuldades também são percebidas em relação aos atendimentos clínicos, pois apenas um médico psiquiatra era responsável por todo o contingente de policiais ativos, inativos e dependentes da PMDF.