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O ciberespaço e a formação da consciência

3.3 A REDE DAS REDES: A INTERNET COMO INTERFACE DO MUNDO

3.3.2 O ciberespaço e a formação da consciência

A forma como o ser humano se relaciona com as mídias é uma questão tão antiga quanto discutida. O tempo que passamos expostos às telas da TV ou do computador, nossa relação com celulares e todos os seus cada vez mais numerosos recursos são apenas algumas das preocupações que já renderam todo tipo de discussão sobre os possíveis efeitos na forma como vivemos, pensamos ou sentimos.

Hoje, quando deixamos de “assistir” para “participar”, substituímos o “contemplar” pelo “interagir”, quando crianças aprendem a “curtir” ou “deletar”

amigos em um clique ou quando nos vemos, não caminhando mais pela cidade, mas “navegando” por territórios informacionais55, como novos nômades em busca de oásis de redes sem fio onde novamente nos sentimos plenos em meio às nossas conexões com o mundo, mezzo humanos, mezzo máquinas, as questões se multiplicam, se alteram, se transformam, se sobrepõem e deixam atônitos os que buscam alguma resposta para a pergunta: como tudo isso afeta nossas estratégias conscientes (e inconscientes) de processamento das informações? As máquinas estariam desenhando por nós o mapa de nossos processos mentais? São questões definitivamente muito amplas e com infindáveis caminhos para tentativas de respostas. Seguir todos eles não é o intuito aqui, mas levantar algumas questões que serão relevantes para as discussões posteriores sobre as relações entre esse “sujeito máquina” e a arte das redes.

As realidades virtuais – ou como diz Castells (1999) a “virtualidade real” – em conjunto com a avassaladora disseminação das redes comunicacionais constituíram um novo gênero do real e mudaram significativamente o regime e modalidade de funcionamento de nossas consciências, diz Costa (2004). O autor funda essa afirmação no caráter coletivo e comunicacional da consciência, pregado por Nietszche, segundo o qual “consciência é tão somente uma rede de coligação entre homem e homem” (apud COSTA, 2004, p.251). Dessa premissa se conclui que modificando-se o tipo de rede de coligação, “mudam a qualidade e a modalidade de funcionamento da própria consciência” (COSTA, 2004, p.251). Ou seja, a ideia de que o pensamento não acontece apenas “dentro” de nossa cabeça, mas também “fora” não é estranha ou nova, mas atravessa os tempos desde que os gregos pregavam a crença de que a informação é absorvida pela respiração (KERCKHOVE, 2003), o que já sugeria que pensamos com o corpo todo e com o ambiente que nos rodeia.

A chamada “indústria da consciência”, como Hans Enzensberger denominou o rádio e a televisão, segundo Kerckhove (2003), já tinha a nossa atenção como produto a ser comercializado e os nossos pensamentos e desejos eram a matéria-                                                                                                                

55 “Por territórios informacionais compreendemos áreas de controle do fluxo informacional digital em

uma zona de intersecção entre o ciberespaço e o espaço urbano. O acesso e o controle informacional realizam-se a partir de dispositivos móveis e redes sem fio. O território informacional não é o ciberespaço, mas o espaço movente, híbrido, formado pela relação entre o espaço eletrônico e o espaço físico.” (LEMOS, André. Mídia Locativa e Territórios Informacionais. Disponível em: http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/midia_locativa.pdf. Acesso em 15/01/2013.

prima para essa produção. O autor apresenta uma série de aspectos relacionados à forma como a TV “edita” o mundo para nós, como recurso para nos manter abertos, receptivos e acríticos e, assim, “disponíveis para a doutrinação comercial” (KERCKHOVE, 2003).

Diferente da “privatização” da mente que o livro promove, já que toda a experiência sensória na leitura se processa individualmente, a tela da televisão permite que várias pessoas vivenciem juntas a percepção dos conteúdos, formando uma espécie de “mente pública”. O autor levanta a questão, agora, quanto à crescente dominância da internet como interface do mundo e seu nível de influência na administração de nossos processos conectivos, ao ressaltar a diferença de nossa relação com a tela da televisão e com a tela do computador. Se antes nós nos encontrávamos com o mundo entrando na tela da TV (ao contrário do livro que leva o mundo para dentro de nossa mente), hoje nós compartilhamos com a tela do computador a responsabilidade pela construção conjunta de percepção do mundo.

Essa comparação entre a forma como nos relacionamos com o livro, com a televisão e com o computador leva Kerckhove a defender a ideia de que está nascendo uma “nova arquitetura da inteligência”, fundamentada na ideia de que a internet está moldando uma nova consciência que ele chama de “mente conectiva”. Se o indivíduo foi criado pelo livro e o coletivo pela televisão, esse novo tipo de mente, fruto de nossa atuação como usuários ou interagentes frente ao computador, está sendo construído pelas redes, principalmente pela internet. As durações de atenção na leitura de um livro (lenta, detida, concentrada, controlada) e na absorção de conteúdos da televisão (veloz, superficial, descontínua, sem controle) são colocadas em paralelo à forma de interação com a internet, onde se combinam estratégias de leitura e de visualização, resgatando o controle – e consequente qualidade – de nossa própria atenção.

As respostas sensórias manifestadas frente às realidades virtuais também são diferentes quando comparadas com a que se dá frente a um livro ou à TV, pois Kerckhove afirma que o sentido tátil está sobrepujando a visão, na percepção da tridimensionalidade das construções virtuais. Por outro lado, nesse processo o “perceber”, o “experimentar” e o “vivenciar” estariam substituindo o “analisar”, o “teorizar” e o “julgar”, dada à falta do devido distanciamento que alguém que

pretende conhecer deve manter de seu objeto de conhecimento. A realidade virtual nos leva para dentro de mundos imaginários reais e objetivos, ao invés de nos dar subsídios para criar subjetivamente esses mundos dentro de nossas cabeças, como fazia o livro.

Estamos criando uma conexão direta mente-máquina, substituindo aceleradamente nossas associações mentais internas entre dados, informações e conhecimentos pela busca instantânea de conexões feita pela máquina. Nosso ato de pensar se transforma velozmente em um incomensurável hipertexto cada vez mais maquínico que humano.

É nesse cenário de transformações e de novos contextos que surgem da interação do homem com a máquina e da forma como essas últimas se tornam cada vez mais nossa interface fundamental com o mundo, que Pierre Lévy (2004) afirma estarmos passando ao controle da “indústria da atenção”. O corpo virtual que o ciberespaço dá hoje à consciência coletiva, alimentada e avidamente loteada, em outros tempos, pelos meios de comunicação de massa para empresas e negócios se estabelecerem nos valorizados espaços de atenção do público, substitui a audiência da TV pelas conexões cada vez mais numerosas na rede global, na interação ativa com sites, blogs, portais e redes sociais. O problema de atrair, canalizar e estabilizar essa atenção por parte das empresas e marcas continua, mas em um contexto completamente diferente, em que a mobilidade da atenção do consumidor se processa na velocidade de um clique. A autonomia conquistada pelas pessoas no direcionamento de sua atenção de acordo com seus mais profundos interesses e desejos dá a elas um inédito poder criador, diz Lévy. De repente, foi nos dado o poder de forjar o mundo de acordo com a direção que toma nossa atenção.

Por fim, o desenvolvimento da internet como espaço virtual do mercado está construindo um dispositivo de comando quase direto da máquina econômica por uma atenção coletiva, agora, livre e consciente de si mesma, como ela jamais esteve antes. (LÉVY, 2004, p.184)

Desenvolver uma consciência compartilhada e expandida nas malhas da rede – a “mente conectiva” de Kerckhove –, a partir da compreensão dessa dinâmica em que nossa atenção coletiva promove e adensa um mundo a nossa volta que pode ser mais rico, mais justo, mais ético e mais belo, se abre como perspectiva de luta

contra os mecanismos de controle do biopoder que perpassam nossas vidas, fundamentalmente por via do consumo.