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5.2 A ARTE DENTRO DO ESPAÇO

5.2.4 Rumo à contemporaneidade

A contradição entre o espírito libertário e dessacralizante da arte moderna e os espaços hierarquizados das instituições de exibição, como já exposto, irá desenhar um conflito conceitual que se estenderá pelo século XX. Um momento emblemático, que foi um dos marcos do início desse confronto, prenunciando questionamentos fundamentais que viriam à tona anos mais tarde, aconteceu em 1938, quando os visitantes da Exposição Internacional do Surrealismo na Galerie de

Beaux-Arts, em Nova York, se surpreenderam com a inesperada necessidade de

fazer algum esforço, não só intelectual, para a fruição de uma das obras expostas: tiveram que levantar as cabeças e observar, de um ângulo não tão confortável, a instalação de Marcel Duchamp Mil e duzentos sacos de carvão, pendurada no teto da galeria. Em 1942, o “anti-artista”, como ele mesmo se denominava, mais uma vez deixou sua marca transgressora quando fechou uma sala com cordas que se entrecruzavam diversas vezes, numa intervenção que chamou de Milhas de

Barbantes. Nos dois momentos, Duchamp apresenta experiências em que busca

subverter as relações entre obra, espaço e observador, adiantando-se a uma discussão que viria a se instaurar anos mais tarde no universo das artes e que continua a ser tema de reflexões na contemporaneidade. De certa forma, o artista já colocava em questão o papel do espaço expositivo diante das mudanças que o mundo experimentava frente ao avanço do que se passou a denominar, por alguns, de pós-modernidade.

Na linha do tempo que segue pontuações feitas por Alberto Tassinari e Rosalind Krauss, como já apresentado, localiza-se por volta dos anos 50 e 60, a transição para um momento em que se põem por terra conceitos fundamentais no mundo da arte. Nessa nova perspectiva, o questionamento da instituição artística, que passa também pela caracterização da obra de arte modernista como inacessível e elitista, leva a certo repúdio do museu como último refúgio da arte que se afasta da vida. Compagnon (1996, p.117) se refere ao início dessa era no universo artístico, pelo “desejo de reunir a arte e a vida, o otimismo tecnológico e a valorização da cultura de massa (...)”.

A construção teórica em torno de uma possível condição pós-moderna iniciou-se timidamente na literatura e na arquitetura, segundo Anderson (apud GASTAL, 2006), sendo que o termo foi primeiramente utilizado na década de 1930. Contudo a pós-modernidade como conceito teórico, segundo o autor, foi apresentada pela primeira vem em 1972, na obra do arquiteto norte-americano Robert Venturi, “Aprendendo com Las Vegas”, que defende a prevalência da “vital imaginação popular” (ANDERSON, apud GASTAL, 2006, p.28). É a partir da obra de Venturi, que Sperling (2011) desenvolve uma reflexão sobre espaços de museus fazendo uma comparação entre o cubo branco de O’Doherty e o que ele chama de “cubo decorado” da pós-modernidade. Assim, ao mote moderno da forma seguindo a função, representado pelo cubo branco, onde a racionalidade torna-se um critério de beleza, opõe-se a complexidade e contradição do “cubo decorado”, que dissocia totalmente os aspectos formal e funcional-espacial.

Com grande prevalência do aspecto formal, destinado à fruição leiga, em detrimento do aspecto funcional-espacial, associado à fruição culta, caberia à arquitetura promover a visualidade do objeto arquitetônico por meio da replicância das estruturas comunicativas orientadas pela e para a indústria cultural. (SPERLING, 2011, p.176)

O cubo decorado – conceito de decorated shed, de Robert Venturi – seria, assim, uma proposta de “espaço livre para alocação de quaisquer funções”, apresentando citações de elementos arquitetônicos diversos, além de imagens comercias conhecidas. Contudo, o autor afirma que o espaço expositivo – seja o cubo branco, seja o cubo decorado –, de forma geral, não se deixou contaminar conceitualmente pelas transformações por que passou a arte nos anos 1960. “O museu absorve as obras para si, mas não em si” (SPERLING, 2011, p.177). Nas palavras do autor, a narrativa que o espaço do museu impõe à leitura das obras que

acolhe traça um percurso que se pretende análogo a um raciocínio, determinado pela forma como são expostas as obras no espaço, não esquecendo que o próprio espaço in natura compõe-se de uma narrativa, na composição de seus acessos e na proporção entre chão-teto-paredes.

Nesse momento, a arte encontra-se em pleno processo de novas explorações espaciais e temporais, buscando se libertar de molduras e pedestais, integrando-se ao espaço do mundo e abrindo novas perspectivas na relação com o público, com o gradual deslocamento da experiência estética do produto final para o processo do fazer. Essa passagem de uma “arte de bases ópticas que demanda espaços expositivos neutros e controlados para uma arte vivencial, que convida à interação e participação” originou alguns direcionamentos, segundo a visão de Sperling, como mudanças conceituais no paradigma dos museus, alguma “acomodação” das obras, para se adequarem aos espaços tradicionais ou ainda a adequação mútua de museu e obras (SPERLING, 2011, p.184).

As experimentações espaçotemporais mais radicais que a arte começa a empreender a partir de meados do século XX cada vez mais se bifurcam por caminhos diferentes, em busca desse novo diálogo com o espaço e com o tempo: a arte cinética, os happenings, a Land Art, a Painting Action, a Op Art, a Arte Minimalista, a Video Art e a nascente arte computacional são algumas das direções tomadas pela arte a partir daí, liquefazendo as discussões iniciadas pelas vanguardas modernas em múltiplos rumos que claramente têm em comum a inquietação quanto à premência de uma nova relação com o espaço e com o tempo, tão diversos do que se concebia até algumas décadas atrás. Esse momento conturbado coincide, não por acaso, com a expansão e aprofundamento da técnica de poder que Deleuze nomeou de controle, cujo fortalecimento se deu, em grande parte, pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação à distância – imprensa, rádio, televisão, cinema, telefone, satélites e, por fim, a internet.