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CAPÍTULO 3: CRIME ORGANIZADO NA ÁREA DE FRONTEIRA: BRASIL-

3.1 O CRIME ORGANIZADO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Depois das ponderações apresentadas acerca da importância dos conceitos fundamentais de Território e Fronteira e notórias influências históricas, o próximo elemento a ser estudado será a faixa de fronteira terrestre entre Brasil e Paraguai e a legislação pertinente a tal faixa.

Na Constituição de 1988, a fronteira aparece em cinco (05) artigos, inexistindo, no entanto, alteração significativa das normas já estabelecidas por lei, ou seja78:

a. O artigo 20 reforça que as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras são bens da União e que essas terras se encontram numa faixa de 150 Km de largura, ao longo das fronteiras terrestres brasileiras.

b. O artigo 21 mantém como competência da União não só executar os serviços de polícia de fronteira, como também a exploração direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, dos serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais.

c. O artigo 91 delega ao Conselho de Defesa Nacional, órgão de consulta do Presidente da República, a tarefa de "propor critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo".

d. O artigo 176 estabelece condições específicas para a pesquisa e exploração dos recursos minerais do subsolo quando essas atividades se

78 COELHO, P.M.P. Fronteiras na Amazônia: um espaço integrado. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1992, s/p.

desenvolverem em faixa de fronteira e condiciona sua realização à autorização ou concessão da União.

Simultaneamente à Assembléia Constituinte foi criado o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira da Amazônia Ocidental – o PROFFAO, qual não será abordado no presente estudo, por não atingir a região focada79.

Até o presente, permanecem em vigor os dispositivos da lei da faixa de fronteira, Lei nº6634/79, desde que não entrem em conflito com o que estabelece a Constituição sobre o assunto (tais aspectos constitucionais serão apresentados em seguida, em tópico particular).

Verifica-se no estudo das leis que a fronteira e a faixa de fronteira têm recebido bastante atenção do legislador, mas, infelizmente, permanece a ineficácia da distribuição de verbas.

Há uma grande variação de competência nos órgãos responsáveis pela política da faixa de fronteira. Já foram subordinados diretamente à Presidência da República, ao Conselho de Segurança Nacional, hoje denominado Conselho de Defesa Nacional, e a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.80

A SAE-PR, criada em 1990, foi extinta em 1999, e suas competências foram transferidas para o gabinete do Ministro Extraordinário de Projetos Especiais, que, já não existe mais.81

Atualmente a faixa de fronteira e seu desenvolvimento social estão a cargo da Secretaria de Programas Regionais Integrados do Ministério da Integração Nacional. É alvo de um dos programas estratégicos do Avança Brasil, o chamado “Corredor Norte” que, por enquanto, limita-se a construção e pavimentação de algumas rodovias.82

Continua em foco o Programa Calha Norte, o qual não é exatamente o foco da pesquisa em tela, mas que aponta novas possibilidades, já que estaria passando

79 ARBOLEDA, L.H.C. (org.). Políticas de Frontera em Colômbia

. Bogotá: Dirección de Desarollo

Territorial/DNP, s/ data.

80 COELHO, P.M.P. Fronteiras na Amazônia: Um espaço integrado. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1992, s/p.

81 Ibidem. 82 Ibidem.

por uma fase de recomposição de seu financiamento, remodelação institucional e metodológica e formação de novas parcerias com entidades públicas e privadas.83

Há também outras iniciativas de menor porte, mas que vem dando certo, mais do que as leis propriamente ditas, tendo talvez um maior alcance, realizadas a partir de acordos bilaterais ou multilaterais, com interesses, principalmente políticos e comerciais:

a. com a Venezuela: interligação elétrica Guri - Boa Vista; ligação Caracas - Manaus por estrada de rodagem - BR 174; programa de divisão zonal econômico-ecológica;

b. com a Bolívia: interligação energética Santa Cruz - Cuiabá; criação de comitês de fronteira em Brasiléia - Cobija, Guajará-Mirim - Guayaramerín e Corumbá - Puerto Suárez. Vale mencionar os projetos de integração física e de interligação energética assinados com os vizinhos do Mercosul: com a Argentina, a ponte São Borja - Santo Tomé, a ponte Itaquí - Alvear, a Hidroelétrica de Guarabí e;

c. o conjunto de compromissos definidos no Protocolo de Intenções sobre Cooperação e Interligações Energéticas, firmado em abril de 1996; com o Paraguai, a ligação e o gasoduto Chaco - Paraná; e, finalmente, com o Uruguai, a interligação entre o eixo fluvial Buenos Aires -São Paulo e o projeto de construção da ponte Colônia - Buenos Aires.84

O Presidente Fernando Henrique Cardoso reiterou a importância da fronteira nas suas mensagens ao Congresso Nacional em 2000 e 2001, destacando a pretensão de ampliar "a densidade populacional da região de 0,75 para 1 habitante por Km², e reduzir a extensão média de fronteira entre cada núcleo de povoamento integrado à pequena unidade militar, de 460 Km (1998) para 400 Km (2003)".85

83COELHO, P.M.P. Fronteiras na Amazônia: Um espaço integrado. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1992, p. 19.

84 STEIMAN, R. A Geografia das cidades de fronteira: um estudo de caso de Tabatinga (Brasil) e Letícia (Colômbia). RJ: Programa de Pós-Graduação em Geografia, UFRJ, 2002. Dissertação de Mestrado.

Tabela 1: A Faixa de Fronteira na América do Sul País Faixa de Fronteira Instrumento Legal

PAÍS Legislação acerca da

largura faixa de fronteira Constituição.

ARGENTINA Não tem Constituição de 1994

BOLÍVIA 50 Km Constituição de 1967,

reformada em 1994.

BRASIL 150 Km Constituição de 1988.

CHILE Não tem. Constituição de 1980,

reformada em 2001.

COLÔMBIA Não especifica largura. Constituição de 1991,

reformada em 1997.

EQUADOR Não especifica largura. Constituição de 1998.

GUINA Não tem. Constituição de 1992,

reformada em 1996.

Guiana Francesa* • sem dados • sem dados

PARAGUAI Não tem Constituição de 1992.

PERU 50 Km Constituição de 1993.

SURINAME Não tem. Constituição de 1987,

reformada em 1992.

URUGUAI Não tem. Constituição de 1997.

VENEZUELA Não especifica largura. Constituição de 1999.

Fonte86

Conforme a própria Constituição da República do Brasil, 1988 (CF/88 ou somente CF), art. 20, §2º: “A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”.

Sendo assim, a partir da definição constitucional, tem-se pelo menos, os seguintes dados:

Extensão da faixa: até 150 km de largura, ao longo das fronteiras terrestres. Finalidade: defesa do território nacional, aspectos sócio-ambientais.

Para um melhor dimensionamento da área que se está estudando, consta abaixo uma tabela e um mapa demonstrativos da extensão das fronteiras terrestres

86 Constituições dos países supra-citados. BRASIL E AMÉRICA DO SUL: QUESTÕES INSTITUCIONAIS DE FRONTEIRA, Steiman, R. A Geografia das cidades de fronteira: um estudo de caso de Tabatinga (Brasil) e Letícia (Colômbia). RJ: Programa de Pós-Graduação em Geografia, UFRJ, 2002. Dissertação de Mestrado.

do Brasil com os países fronteiriços, tabela com as características físicas dos limites internacionais do Brasil87, vejamos abaixo:

Tabela: Características físicas dos limites internacionais do Brasil88

País Total

(Km) Linha Seca Rios, Lagos e Canais Marcos

Guina Francesa 730 303 427 10 Suriname 593 593 - 60 Guiana 1.606 908 698 134 Venezuela 2.199 2.199 - 2.682 Colômbia 1.644 835 809 128 Peru 2.995 992 2.003 86 Bolívia 3.423 751 2.672 438 Paraguai 1.366 437 929 910 Argentina 1.261 25 1.236 310 Uruguai 1.069 320 749 1.174 TOTAL 16.886 7.363 9.523 5.932

Vale a ressalva de que a definição e a aplicação do conceito de faixa de fronteira (no nosso presente trabalho comparativamente destinado ao estudo, tão somente, de faixas de fronteira terrestres), não é previsto apenas à CF; mas a Lei número 6.634/1979, regulamentada pelo Decreto 85.064/1980, apresenta especificidades acerca do assunto.

Dentre outros aspectos, a referida Lei e seu Regulamento trouxeram as normas para a ocupação socializada e a utilização sócio-ambiental e econômica dessa faixa territorial.

Como exemplos e especificações legais: estradas internacionais; construção de pontes; alienação e concessão de terras públicas; e campos de pouso; transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel. Assuntos tratados mais a frente neste presente estudo.

Os problemas ocasionados por qualquer área de fronteira são preocupações de ambos os governos envolvidos, não mais apenas para resguardar a soberania,

87 BRASIL – Ministério das Relações Exteriores, 1999. In: BARCELLOS ET ALL, 2001. 88 Ibidem.

pois, como veremos, neste presente trabalho, outros pontos são de relevância e requisitam cautela dos Estados.

Segundo o General Carlos de Meira Mattos89, discorrendo sobre a origem e a evolução da Teoria da Fronteira:

Cada Estado-Nação cultiva o sentimento de soberania. A posse do território nacional, sua defesa, passa a ser dever sagrado do cidadão. A delimitação dos direitos territoriais torna-se imperativa. A fronteira adquire importância excepcional – é o limite da soberania nacional.

A partir da formação e, sobretudo, após a consolidação dos Estados- nacionais, a fronteira passou a ter uma importância salutar, se tornando, no mínimo, uma região geopoliticamente sensível, pois são nas fronteiras que ocorrem os contatos entre os direitos soberanos dos Estados.

Nesse sentido a Política de Defesa Nacional (PDN), aprovada pelo Decreto Nº 5.484, de 30 de junho de 2005, do Presidente da República90, expõe:

3.5 A existência de zonas de instabilidade e de ilícitos transnacionais pode provocar o transbordamento de conflitos para outros países da América do Sul. A persistência desses focos de incertezas impõe que a defesa do Estado seja vista com prioridade, para preservar os interesses nacionais, a soberania e a independência.

Esse conteúdo geopolítico e econômico tem certas alterações no tempo e segundo propósitos dos agentes políticos nacionais e internacionais. Um conteúdo histórico relevante, quando o assunto envolve conceitos dogmáticos, políticos e sociais, aprimorando, pois, a questão problema aqui estudada.

É importante reconhecer as diferenças locais e estabelecer normas onde a legislação permita formas diferenciadas de contratação, que ultrapassem essas fronteiras, tanto do ponto de vista de cidades que estão coladas entre os países, como também, dos territórios indígenas, de florestas e parques nacionais que estão ao longo dessas áreas e podem ser alvos fáceis de dominação do crime organizado e do tráfico de drogas e, ou armas.

89 MATTOS, Meira Carlos de. Teoria da fronteira, origem e evolução. 1990, p. 15.

90 BRASIL. Decreto Nº 5.484, de 30 de junho de 2005, do Presidente da República. Disponível em: <www.igeo.ufrj.br/fronteiras>.Acesso em: 20 jul. 2010.

3.2 CONCEITOS DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E ASSOCIAÇÃO PARA