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CAPÍTULO 2: TRATADOS

2.1 TRATADOS INTERNACIONAIS

2.1.1 Tratado de Tordesilhas

De acordo com o levantamento histórico da região de fronteira entre Brasil e Paraguai, várias eram as questões suscitada, já apresentadas, mas uma grande problemática, qual ainda não foi dirimida, diz respeito as disputas territoriais entre as coroas espanhola e portuguesa na América.

Desde a conquista das Américas, as terras que vieram a constituir-se no Brasil se dividiram entre os dois imperialismos peninsulares de Portugal e Espanha, através da intermediação da Igreja Católica. A diplomacia ajustada no meridiano de Tordesilhas e assinada em 07 de junho de 1494, pelas nações supremas da época em análise, dividia o desconhecido território descoberto entre seus conquistadores: Portugal e Espanha, ficando a faixa litorânea, relativamente extensa, para o primeiro, e o restante caberia a Espanha.

Com o estabelecimento de uma linha imaginária a 370 léguas das ilhas de Cabo Verde, as terras a oeste desta linha pertenceriam a Espanha, enquanto que a leste ficariam com Portugal.

Vale salientar que o Tratado de Tordesilhas excluiu as demais nações européias, as quais passaram a disputar, sobretudo, as áreas que hoje correspondem ao México e ao Peru. Com o acirramento das disputas entre as nações européias pela posse das áreas americanas, Portugal decidiu-se pela política de colonização de suas terras que segundo Caio Prado Júnior, tomou o aspecto de uma “vasta empresa comercial, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu”.49

A colonização imprimiu novas feições ao cenário graças às decisões do Tratado de Tordesilhas, ou seja, promoveram os movimentos dos bandeirantes sertão brasileiro adentro, assim como nas regiões do centro-oeste e sul; constituindo estes, num dos aspectos peculiares da evolução histórica brasileira.

49 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1979, p. 31-2.

O que, no entanto, não era presumível supor, aconteceu: as decisões do Tratado tornar-se-iam nulas, com o movimento dos bandeirantes; com a ocupação das colônias; com o povoamento e com as penetrações bandeirantes em lugares cada vez mais distantes. Estes, os bandeirantes, propiciaram a conquista dos territórios do Solimões, Cuiabá e Mato Grosso, convertendo-os em possessões portuguesas ilegítimas nos termos do Tratado de Tordesilhas.50

Portanto, a ficção geográfica do meridiano de Tordesilhas sustentou, na América do Sul, a secular rivalidade entre Portugal e Espanha. Apesar do acordo diplomático e político entre as duas coroas, cada uma se empenhava em ampliar seu domínio territorial, investindo nos patrocínio das missões bandeirantes.

As condições do relevo sul americano, em especial do Chaco e do Pantanal, conforme já visto no capítulo 1, tiveram importantes papéis na evolução política de povoamento e de conquista do sudoeste de Mato Grosso e vale do Paraguai.

A União Ibérica ocorrida entre 1580 e 1640 permitiu o alargamento das terras portuguesas para além das Tordesilhas. Diante dessa circunstância o “bandeirismo oficial”pôde transpor o meridiano determinado pela intervenção papal de 1494.51

Algumas dessas bandeiras atingiram a região andina através do rio Solimões e do Maranõn, como a bandeira fluvial de Pedro Teixeira (1637-1639), explorando o vale amazônico e a de Antônio Raposo Tavares (1648-1651) que, percorrendo os vales do Tietê, Paraná e Paraguai, arranhou as costas do Pacífico, perambulou pelas encostas andinas e, por fim retornou pelos rios Mamoré, Madeira e Amazonas.

Nessa notável epopéia, Tavares remodelou a ocupação do Paraguai, arrasando os povoados castelhanos de Xerez52. Depois do esfacelamento da

50 Com base nos dados do geólogo Herbert Smith, o engenheiro do Conselho Nacional do Petróleo acentuou a distinção entre Chaco e Pantanal: Pantanal [conhecido também por Mar de Xaraiés] é zona de erosão, fenômeno que se processou pelo principal agente – O rio Paraguai. É, portanto, uma área que não esteve coberta pelo mar, senão que foi profundamente erodida pelo mar. O Chaco e planícies do rio da Prata são áreas de acumulação de detritos carreados do antigo planalto que cobria o atual Pantanal.

Estevão de Mendonça caracteriza e distingue os dois elementos naturais: “O revestimento vegetal vai sofrendo modificações, que se tornam pronunciadas à proporção que entra nas vizinhanças do Chaco paraguaio, com o qual por fim se confunde junto à baia Negra”. Cf. MOURA, Pedro. “Bacia do Alto Paraguai”. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: CNG, jan./mar./ 1943, p. 18- 23.

51 CORRÊA FILHO, Virgílio. As raias de Mato Grosso – fronteira meridional, v.III. São Paulo: Legião Cívica 5 de julho/Secção de obras do Estado de São Paulo, 1926.

52 CORRÊA FILHO, Virgílio. As raias de Mato Grosso – fronteira meridional, v.III. São Paulo: Legião Cívica 5 de julho/Secção de obras do Estado de São Paulo, 1926.

povoação de Xerez, a região mato-grossense passou a ser devastada constantemente pelos paulistas que vinham seguindo a rota de Antônio Raposo Tavares: São Paulo, Sorocaba, rio Paranapanema, rio Paraná, rio Ivinhema, Campos das Vacarias, Santo Inácio e vale do Paraguai.

Além de Xerez, Raposo Tavares arrasou os povoados Santa Cruz de Bollanos e de Santa da Fé.

As adversidades e contestações entre as possessões lusas e espanholas acentuaram-se com o fim da união das duas Coroas53. A separação dos dois reinos não determinou o fim das penetrações bandeirante. Outras expedições continuaram transpondo a linha do Tratado de Tordesilhas.

As razões oficiais luso-brasileiras em avançar a linha de Tordesilhas vinham envoltas pela idéia de encontrar metais preciosos, que segundo as histórias lendárias estariam nos montes inacessíveis do Peru. Como lembra o Sérgio Buarque de Holanda, em Visões do Paraíso:

o que saiam a buscar em nossos sertões tantas expedições custosamente organizadas, não era tanto o ouro como a prata. E nem eram diamantes, senão esmeraldas. Em outras palavras: o que no Brasil se queria encontrar era o Peru, não era o Brasil. 54

Corria o ano de 1718 quando Antônio Pires de Campos e seus companheiros transpondo os vastos sertões da capitania de São Paulo e terras de Minas Gerais em conquista dos índios coxiponés percorreram diversos rios, sobretudo o Cuiabá, e fundaram a capela e o arraial de São Gonçalo. Concluída esta diligência desceram o Cuiabá e comunicaram a notícia a outros sertanistas que voltaram a cursar pelas imensas baias do rio Paraguai.

À esteira de Raposo Tavares, diferentes sertanistas seguiram em busca do índio, do ouro e de pedras, seguindo todos a rota histórica Tietê, Paraná- Pardo- Anhanduí-Aquidauana-Miranda-Paraguai.

53 ACCIOLY, Hildebrando. “Os primitivos tratados”

In: Limites do Brasil – A Fronteira com o

Paraguai. São Paulo/Rio de Janeiro/Recife/Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1938, p. 3. 54 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visões do Paraíso. Os motivos edênicos no descobrimento e

Foi nesse quadro que, em 1719, a bandeira de Pascoal Moreira Cabral, dirigindo se para a região do rio Cuiabá, com o mesmo objetivo de Antônio Pires de Campos, acabou encontrando depósitos auríferos no leito do rio Coxipó-Mirim.55

A partir da descoberta de Pascoal Moreira Cabral nasceu, no dia 08 de abril de 1719, o arraial de Miguel Sutil, onde se verificou a extração de grande quantidade de ouro. Cuiabá, além de transformar-se num centro de atração da gente de Piratininga, tornou-se também numa sólida colônia de posse lusitana: “uma das pedras angulares da unidade nacional”, nas palavras de Pedro Moura.56

Assim, pós esta descoberta, nas décadas que antecederam o Tratado de Limites, a situação caracterizou-se pelo permanente clima de tensão na região do Prata em função da Colônia do Sacramento, “espinho desde logo enterrado na carne de espanhóis e jesuítas do rio da Prata”.57

Nesse aspecto, Ribeirão do Ouro, Madeira, ‘Paso’ do Paraguai58e Colônia do

Sacramento são apontadas, neste estudo, com base no disposto acerca da região, no primeiro capítulo, como as quatro balizas naturais fundamentais para a configuração dos limites coloniais, capazes de possibilitar o traçado dos limites expandidos para oeste, sul e norte do Brasil.

Assim, ao caminhar rumo às fronteiras castelhanas, no extremo oeste continental os bandeirantes puderam garantir a ampliação da colônia portuguesa em cerca de mais de dois terços do território brasileiro.

A epopéia de Pascoal Moreira Cabral teve um significado mais amplo porque, ao partir do ponto básico de Xerez do Paraguai, o bandeirante subiu o rio Paraguai e remontou o São Lourenço e o Cuiabá, abrindo acesso ao estratégico lugar onde se assentou Cuiabá, possibilitando também a ocupação e o povoamento rápido de Mato Grosso.

55 COELHO, Felipe José Nogueira. "Memórias Cronológicas da Capitania de Mato Grosso, principalmente da Provedoria da Fazenda Real e Intendência”. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, 1972, p. 140, v. 13.

56 MOURA, Pedro. “Bacia do Alto Paraguai”. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: CNG, jan/mar, 1943, p. 29.

57 Ibidem . 58 A expressão

paso do Paraguai era a denominação dada nas cartas jesuíticas ao vale do rio