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A abordagem das capacitações fornece um espaço de análise que se desvincula de um enfoque essencialmente economicista. Além de fornecer uma conotação complexa e útil para a análise pobreza, esta abordagem sustenta um conceito de desenvolvimento voltado para a melhoria das condições de vida dos indivíduos. Nesse sentido, o conceito de desenvolvimento está vinculado ao conceito de pobreza, uma vez que, para o alcance do desenvolvimento é preciso que haja a superação da pobreza.

Um conceito adequado de desenvolvimento não pode estar meramente associado às variáveis econômicas tais como o crescimento da riqueza e do PIB (SEN, 2000). O desenvolvimento não pode ser entendido como sinônimo de crescimento econômico, embora o crescimento seja um aspecto do processo de desenvolvimento. Por este motivo, deve ser ressaltada a relevância do crescimento econômico, assim como a acumulação de capital físico e humano. Todavia, estas não são as únicas questões relevantes (SEN, 1983). Apesar de existir uma relação próxima entre o aumento da riqueza e a melhora dos indicadores de condições de vida, isto não implica necessariamente em desenvolvimento.

Com base na análise de Sen (1983), o crescimento econômico, é apenas um meio para atingir outro fim e não um fim por si só. Além disso, o crescimento econômico não tem se revelado um meio muito eficiente, uma vez que, a posse de renda está longe de satisfazer todos os requerimentos dos indivíduos.

Sen ressalta as limitações da teoria econômica convencional ao negligenciar o crescimento como um meio para o alcance de outros objetivos; por desconsiderar a visão baseada nos direitos dos indivíduos e nas capacitações; e por não se atentar para a distribuição indevida dos frutos do crescimento. Um bom exemplo para ilustrar esta questão é a existência da fome, citada na Seção 2.3, ainda que com oferta adequada de alimentos, o que aponta para a má distribuição dos recursos. Isto implica que o crescimento não significa necessariamente melhorias das condições de vida da população como um todo (GIACOMELLI; MARIN; FEISTEL, 2013; SEN, 1983).

A visão baseada no crescimento econômico volta-se para o mercado e para os bens que podem ser transacionados no mercado. Consequentemente, desconsidera outros fatores que afetam a vida dos seres humanos como, por exemplo, as liberdades que não são factíveis de comercialização. Nesse sentido, o desenvolvimento deve ir além do campo econômico, e se atentar para fatores sociais, políticos e para a expansão das capacitações individuais.

De acordo com Sen (2011), é notável a aceitabilidade dos indicadores de qualidade de vida, de bem-estar e refletores das liberdades humanas. Os indicadores que refletem a liberdade humana denotam o aspecto multidimensional do desenvolvimento fornecido pela análise seniana e que deve ser incorporado ao debate sobre o tema.

A visão de desenvolvimento que emerge da abordagem das capacitações centra-se no desenvolvimento humano que, segundo Alkire (2002), é mais amplo que o bem-estar realizado, uma vez que permeia por seus aspectos de agência, o que aponta para um comportamento divergente do individualista. A autora ressalta que, para o desenvolvimento humano, são necessárias ferramentas que possibilitem a melhoria na distribuição de bem-estar e que aumentem a duração ou cuidem da sustentabilidade deste bem-estar. Elementos do processo como liberdade e participação das decisões na comunidade, respeito aos direitos humanos, transparência, capacidade para aprender, seguir tradições, invenção de novas tecnologias, cuidado com o meio ambiente natural, entre outros, também são importantes e devem ser considerados.

O desenvolvimento humano envolve uma ampliação no processo de escolha dos indivíduos e do bem-estar realizado. Isso diz respeito a ter uma vida longa e saudável, ser educado e usufruir de um padrão de vida decente. Além disso, abarca as liberdades políticas e a garantia aos direitos humanos.

Nesta linha de raciocínio, a situação de pobreza é contrária à situação de desenvolvimento, pois, implica na negação das oportunidades das escolhas mais básicas para o desenvolvimento humano. Na perspectiva das privações, o desenvolvimento pode ser julgado pela forma como os pobres estão privados nas comunidades (SEN, 1997).

Para Kliksberg (2010), essa nova visão do desenvolvimento começou a ganhar espaço. Essa visão amplia as dimensões relevantes em uma sociedade, que abrangem não apenas os indicadores econômicos tradicionais, mas paralelamente, o desenvolvimento social e ambiental, a liberdade, a cidadania e o acesso à cultura.

O desenvolvimento possibilita a expansão da liberdade das pessoas. Conforme Sen (2000, p. 52) “[...] a expansão da liberdade é considerada (1) o fim primordial e (2) o principal meio do desenvolvimento”. Como fim primordial, o autor destaca o papel constitutivo da

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liberdade no desenvolvimento. Esse papel refere-se à importância da liberdade substantiva para o enriquecimento da vida humana.

Quando se trata do meio do desenvolvimento, há que se mencionar o papel instrumental em que as liberdades, na forma de direitos, oportunidades e intitulamentos contribuem para o processo de desenvolvimento, haja vista que expandem a liberdade desfrutada pelos seres humanos. Desta forma, mais liberdade permite que as pessoas possam ter potencial o suficiente para cuidarem de si mesmas e influenciar o mundo. Isto está relacionado com os aspectos de bem-estar e de agência, discutidos na Subseção 2.3.1.

Diante disso, percebe-se que as liberdades instrumentais contribuem para a liberdade global. São elas: liberdades políticas (inclui a liberdade de expressão política e de escolha entre partidos políticos), facilidades econômicas (se refere ao manuseio dos recursos econômicos para a produção, consumo ou troca), oportunidades sociais (tais como disposições nas áreas de educação e saúde), garantia de transparência (envolve a garantia de confiança para lidar uns com os outros, inibindo a corrupção e transações ilícitas) e segurança protetora (diz respeito aos recursos destinados aos desempregados, suplementos de renda aos indigentes, distribuição de alimentos em épocas de fome e criação de empregos públicos para suprir renda). Essas liberdades instrumentais estão interrelacionadas. Logo, se complementam e uma influencia a outra em diversas direções (SEN, 2000).

Como as liberdades são elementos básicos que constituem o desenvolvimento, a expansão das capacitações é de grande relevância para o processo, visto que está evidente o papel central da liberdade no conceito de capacitações. Essa expansão pode se dar também por meio da política pública que, ao mesmo tempo, pode ser influenciada pelo aumento das capacitações (SEN, 2000).

De acordo com Sen (2000), a liberdade individual é um produto social. As disposições sociais influenciam as liberdades individuais aumentando-as, assim como as liberdades individuais podem fazer com que as disposições sociais sejam mais eficazes. Deste modo, a

análise e a avaliação de políticas públicas66 precisa levar em conta esta relação de mão dupla.

Por meio da abordagem das capacitações, fica evidente que em vez de fornecer somente renda às pessoas, podem-se oferecer serviços gratuitos através do estabelecimento de

66 Conforme Sen (2011), a abordagem das capacitações não articula uma fórmula específica de como devem ser

norteadas as decisões políticas, embora considere a desigualdade de capacitações como decisiva para a avaliação das desigualdades sociais. Mas, isso não quer dizer que as políticas sociais devem igualar as capacitações de todos, ignorando suas consequências. Ao expandir o quadro individual para o processo global da sociedade, a abordagem leva em consideração a relevância da expansão das capacitações de todos os membros. Todavia, não propõe uma fórmula para superar os conflitos que podem surgir entre considerações agregativas e distributivas. Apesar disso, a abordagem fornece um aparato relevante para a tomada de decisões e orientação de políticas, uma vez que precisam se concentrar no tipo correto de informação.

um Estado de bem-estar social, já referenciado na Subseção 1.2.3.1 do Capítulo 1. Uma alternativa à oferta de renda extra aos indivíduos com saúde debilitada para que custeiem suas despesas médicas pode ser o fornecimento de um serviço nacional de saúde (SEN, 2011).

Sen (2010) ressalta a necessidade de modificações na política pública para que não seja formulada especificamente com base em dados sobre renda e demais variáveis econômicas tradicionais. Para tanto, é preciso voltar-se para a conotação ampla de desenvolvimento, que estudado na sua complexidade abrange múltiplas dimensões.

O desenvolvimento deve estar associado à melhoria de vida e das liberdades desfrutadas pelos indivíduos. Obviamente a liberdade de fuga da morte prematura, por exemplo, depende da renda. Porém, outros fatores são importantes nesta questão, como, a saúde pública e assistência médica (SEN, 2011). Dentro desta perspectiva, o autor menciona o exemplo do Brasil, que é um país com bom desempenho econômico, mas, que possui grande desigualdade social, taxas de desemprego significativas – ainda que venham diminuindo ao

longo do tempo67 – e certa precariedade nos serviços de saúde68.

Em uma análise do crescimento econômico em economias de baixa renda como China e Sri Lanka, e média renda como Romênia e Iugoslávia, Sen (1983) afirma que o planejamento estatal é que impulsionou o crescimento destes países. Além de destacar a importância de um Estado ativo para acelerar o ritmo de crescimento, o autor ressalta sua importância na busca de um desenvolvimento econômico planejado.

Quando a análise se concentra somente no crescimento econômico, incorre-se no risco de haver distorções nas conclusões a que se chega. Sen (1983) exemplifica o caso de países como o Brasil, México, China e Sri Lanka. Os dois últimos com PIB per capita menor que os

dois primeiros69, possuem expectativa de vida similar. Nesse sentido, o autor afirma que:

Se o governo de um país pobre em desenvolvimento está empenhado em elevar o nível de saúde e a expectativa de vida, então seria muito idiota tentar conseguir isso através da elevação da sua renda per capita, ao invés de partir diretamente para estes objetivos por meio de políticas públicas e mudança social [...] (SEN, 1983, p. 153) (tradução nossa)70.

67 Segundo o IPEADATA, em 2001 a taxa de desocupação no Brasil era de 10,0% da População

Economicamente Ativa (PEA). Em 2011, a taxa de desocupação passou para 7,3% da PEA. Os dados são fornecidos pelo IBGE com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e estão disponíveis em: http://www.ipeadata.gov.br/.

68 Ver Sen (2011). Apesar disto, o sistema de saúde no Brasil é universal e com total cobertura de atendimento, o

que se constituiu em um avanço.

69 Ver Sem (1983).

70 “If the government of a poor developing country is keen to raise the level of health and the expectation of life,

then it would be pretty daft to try to achieve this through raising its income per head, rather than going directly for these objectives through public policy and social change [...]”.

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Além disso, regiões com baixa renda per capita podem ter alta esperança de vida ao nascer e alta taxa de alfabetização. Sen (2000; 2010) desmistifica o fato de existir relação direta e precisa entre o crescimento do PIB per capita e a melhoria da qualidade de vida. Como exemplo ilustrativo desta situação, o autor cita o caso do estado do Kerala, na Índia,

que possui baixo crescimento do PIB e alta qualidade de vida71. A explicação para o sucesso

em termos de capacitações básicas, mesmo diante da baixa renda, se dá pela política pública. Por este motivo, a visão monetária da pobreza, por si só, não permite uma compreensão plena do processo de desenvolvimento.

Distinguir privações em termos de renda e de capacitações é de grande relevância para a política pública de combate à pobreza. Isto porque, as realizações em termos de qualidade de vida dependem de políticas públicas de saúde, educação, etc. Esta compreensão é importante para o custeio público. Segundo o autor, a qualidade de vida pode ser melhorada, mesmo na presença de baixa renda, se houver programas eficazes de serviços sociais.

Sen (2000) defende uma abordagem múltipla do desenvolvimento e não apenas uma solução única como a liberalização ou uma meta traçada a ser seguida. Nesta abordagem integrada é ideal que as instituições reforcem-se mutuamente. Embora defenda o mecanismo de mercado em virtude da contribuição ao crescimento econômico e, mais acentuadamente, devido a sua relevância para a liberdade de troca, o autor chama atenção para as possibilidades de perda social oriundas do ganho privado. Deste modo, Sen (2000) afirma a necessidade de equilibrar as instituições sociais, o papel desempenhado pelo governo e o funcionamento dos mercados, o que origina a abordagem múltipla do desenvolvimento.

De acordo com Sen (2011, p. 302), “não há licença para ‘desligar’ a razão pública interativa supondo a prometida virtude de uma escolha institucional definitiva baseada no mercado”. Mas, a economia de mercado não deve operar por si só. Há que se considerarem as políticas públicas em educação, reforma agrária, epidemiologia, proteções legais, entre outras. Estes campos devem ser melhorados pela política pública. Sen (2010, p. 28) afirma que:

O capitalismo global está muito mais preocupado em expandir o domínio das relações de mercado do que, por exemplo, em estabelecer a democracia, expandir a educação elementar, ou incrementar as oportunidades sociais para os pobres do mundo. Como a globalização dos mercados é, em si mesma, uma abordagem muito inadequada à prosperidade mundial, é preciso ir além das prioridades que encontram expressão no foco escolhido do capitalismo global.

O autor defende a mediação entre o livre mercado e a plena intervenção estatal (GIACOMELLI; MARIN; FEISTEL, 2013). Nesse sentido, o autor ressalta a importância dos bens e serviços públicos e da oferta de bens e serviços públicos por parte do Estado para que

ocorra a expansão das capacitações. Assim sendo, Sen considera o mecanismo de mercado para importante para a expansão das capacitações. Todavia, destaca a relevância do Estado, uma vez que as capacitações humanas não podem ser expandidas unicamente por itens proporcionados pelo mercado. Logo, o Estado mostra-se relevante no combate à pobreza definida em termos de capacitações básicas e, consequentemente, na busca pelo desenvolvimento.