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O desenvolvimento histórico da regulação do setor elétrico brasileiro

CAPÍTULO 6 – AGÊNCIAS REGULADORAS BRASILEIRAS E AS GRAMÁTICAS POLÍTICAS: A

6.1 Regulação do setor elétrico brasileiro e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

6.1.1 O desenvolvimento histórico da regulação do setor elétrico brasileiro

Historicamente,272 a regulação do setor elétrico brasileiro desenvolveu-se após a edição do Código de Águas, editado no Decreto 24.643, de julho de 1934. Até a década de 1930, a política econômica brasileira não apresentou grandes avanços na promoção do desenvolvimento industrial. Os esforços do governo federal naquele período estavam mais orientados para a estabilidade monetária, o equilíbrio orçamentário e a defesa dos interesses do setor agroexportador, com destaque para a economia do café. No início década de 1930, as empresas Light e Amforp273 já detinham juntas mais de 50% de

participação no parque gerador de energia elétrica nacional. Esse cenário motivou a redefinição do papel do Estado na regulação do setor da energia elétrica, a fim de impulsionar o crescimento e a diversificação da estrutura produtiva.

Já nos três primeiros anos da década de 1930, o Estado interrompeu as autorizações para novos aproveitamentos de cursos de água, proibiu a aquisição de empresas no setor, e extinguiu a cláusula-ouro.274 Em seguida, o Código de Águas submeteu ao instituto das concessões e autorizações a exploração da energia hidráulica, englobando também os serviços complementares de transmissão, transformação e distribuição. A partir daí, a União passou a legislar e outorgar concessões de serviços públicos de energia

272 Esta seção foi escrita com base nos estudos que se seguem: CARNEIRO, Ricardo. Estado,

mercado e o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro. Belo Horizonte: UFMG, 2000. Tese de

doutorado. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de Minas Gerais, 2000; CORREA. Maria Letícia. O setor de energia elétrica e a constituição do Estado no Brasil. Tese de doutorado. Niterói: Centro de Estudos Gerais, 2003. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Centro de Estudos Gerais, 2003; GOMES, Antônio C. S.; ABARCA, Carlos D. G.; FARIA, Elíada A. S. T. & FERNANDES, Heloísa H. O Setor Elétrico. BNDES, 2001. mimeo.

273 A Amforp (American Foreign Power Company) era uma subsidiária da Bond and Share Co. 274 A cláusula-ouro garantia às empresas o reajuste sistemático das tarifas pela cotação do ouro. O mecanismo era usado desde o primeiro contrato com a São Paulo Light. GOMES, Antônio C. S.; ABARCA, Carlos D. G.; FARIA, Elíada A. S. T. & FERNANDES, Heloísa H. O Setor Elétrico. BNDES, 2001. mimeo.

elétrica, atividade antes regida apenas pelos contratos assinados com os estados, os municípios e o Distrito Federal. O Código de Águas reduziu drasticamente as competências e atribuições dos governos estaduais no exercício da função regulatória das atividades relacionadas ao setor elétrico. O Serviço de Águas (depois denominado de Divisão de Águas) do Departamento Nacional de Produção Mineral do Ministério da Agricultura passou a atuar como órgão regulador do setor, trabalhando em parceria com o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE) para promover a interconexão entre empresas. A intervenção do Estado no setor se deu de maneira crescente, entre outros motivos, em razão das restrições à entrada de estrangeiros no setor e da aceleração da inflação nos anos 1950, o que desestimulou novos investimentos no setor pelas empresas multinacionais.

O novo papel do Estado, com características empresariais, ganhou um impulso decisivo no setor no início dos anos 1950, a partir do retorno de Getúlio Vargas à Presidência da República. Nas décadas de 1960 e 1970 houve uma profunda reconfiguração institucional da regulação do setor elétrico. Em 1961 foi criado o Ministério das Minas e Energia. Em 1962, criou-se a Eletrobrás, que atuou como órgão de governo no planejamento, na coordenação e no financiamento do setor. Naquele mesmo ano, iniciou-se o processo de estatização da empresa Amforp. Em 1965, a Divisão de Águas e Energia do Ministério das Minas e Energia foi transformada no Departamento Nacional de Águas e Energia, denominado a partir de 1967 de Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), quando assumiu as responsabilidades do então extinto CNAEE. O DNAEE, subordinando ao MME, funcionou como órgão regulador do setor elétrico até os anos 1990. Entretanto, o DNAEE exercia papel secundário na regulação do setor, que tinha na Eletrobrás e no Grupo Coordenador para a Operação Interligada (GCOI), criado em 1973, os dois núcleos de um modelo centralizado de planejamento, financiamento e operação.

A partir da segunda metade dos anos 1970 e no início dos anos 1980, as tarifas de energia elétrica passam a ser controladas pelo Ministério da Fazenda, para servir como instrumento de combate à inflação, e promoção das exportações. As finanças das empresas de energia elétrica, na maioria estatais,

apresentam-se deterioradas, pois o reajustamento de tarifas era praticado em patamares inferiores à remuneração do capital investido, sendo a diferença creditada em seu favor na Conta de Resultados a Compensar (CRC).

A alta estatização e os graves estrangulamentos financeiros foram os argumentos utilizados pelo governo federal no início da década de 1990 para propor a privatização do setor. Houve então durante o governo Collor a inclusão das empresas de energia no Programa Nacional de Desestatização (PND) criado pela Lei 8.031, em 1990. As desestatizações no setor elétrico iniciaram-se somente em 1995. Para viabilizar as privatizações, implementou-se a desverticalização da cadeia produtiva, separando as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, que passaram a ser caracterizadas como áreas de negócio independentes. O processo de reforma do setor elétrico tinha como objetivo atrair o investidor privado para o setor e, ao mesmo tempo, estabelecer maior grau de competição entre as empresas.

As grandes mudanças provocadas por esse processo de reforma foram as emendas dos Artigos 21 e 175 da Constituição, em 1995, que viabilizaram a entrada do capital estrangeiro no setor, e a aprovação das Leis 8.987 (Lei das Concessões) e 9.074, que fixam as regras gerais de concessão e as aplicáveis à renovação das concessões no setor elétrico, respectivamente. Outras novidades para o setor elétrico a partir de 1995 foram a licitação para os novos empreendimentos de geração, a criação da figura do produtor independente de energia, a abertura para o livre acesso aos sistemas de transmissão e distribuição, e a liberdade para os grandes consumidores escolherem seus supridores de energia. Além disso, a Lei 9.433, de 1997, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e a Lei 9.648, de 1998, criou o Mercado Atacadista de Energia (MAE) e a figura do Operador Nacional do Sistema (ONS).