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Regulação e reforma regulatória: recomendações da OCDE

CAPÍTULO 3 – REFORMA DO ESTADO DA DÉCADA DE 1990: AS AGÊNCIAS REGULADORAS

3.3 Regulação e reforma regulatória: recomendações da OCDE

O tema da reforma regulatória no contexto internacional encontra referências importantes nos estudos e recomendações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Programa de Política Regulatória da OCDE inclui três elementos essenciais: as medidas, os instrumentos e as instituições reguladoras.222 Todas as políticas regulatórias racionais devem ser idealizadas para maximizar a eficácia e a efetividade da legislação e de sua regulamentação. Assim, devem basear-se em enfoques que levem em conta tais elementos, de forma complementar. A transparência e a responsabilização devem constituir-se como objetivos e, ao mesmo tempo, meios pelos quais se assegura o êxito das políticas regulatórias.

Entretanto, a OCDE considera que seus três elementos têm sido aplicados de maneira distinta pelos países membros da Organização. Pelo menos oitenta por cento dos países membros da OCDE já definiram explicitamente suas políticas regulatórias. Ainda que alguns desses países tenham adotado tais políticas durante a década de 1980, seu crescimento expressivo ocorreu

221 Exposição de Motivos nº 12 da Casa Civil da Presidência da República, de 12 de abril de 2004. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 20/06/2007.

222 A primeira parte desta seção é baseada nos documentos OCDE. Organization for Economic Cooperation and Development. The OECD Report on Regulatory Reform. OCDE, 1997. Disponível em: http://www.oecd.org. Acesso em: 21/03/2007. OCDE. Organization for Economic Cooperation and Development. Regulatory Policies in OECD Countries: From Interventionism to Regulatory Governance. OCDE, 2002; OECD. Organization for Economic Cooperation and Development.

Guiding principles for regulatory quality and performance. OCDE, 2005. Disponível em:

principalmente na segunda metade da década de 1990. As políticas regulatórias têm sido elaboradas para explicitar claramente a adesão à reforma, fomentar a transparência e promover a coerência e a coordenação entre diferentes elementos da reforma. A comparação das políticas dos diferentes países revela numerosos elementos em comum, ainda que exista uma clara tendência de as políticas ampliarem seu alcance e se distinguirem à medida que passa o tempo e se adquire experiência na sua aplicação. Dois dos princípios fundamentais são a declaração explícita da responsabilidade da política regulatória nos campos político e administrativo, e a adoção de sistemas de avaliação definidos para os processos de elaboração e de revisão. Outros elementos essenciais da maioria das políticas são o seguimento explícito de objetivos orientadores e a enunciação de princípios de boas práticas regulatórias.

Entre os instrumentos mais empregados para melhorar a eficiência e a efetividade dos sistemas regulatórios estão a análise de impacto regulatório, a consideração de alternativas à regulação, e as consultas públicas e os mecanismos de responsabilização. Em geral, a utilização das análises de impacto regulatório e das alternativas à regulação é um fenômeno mais recente nos países da OCDE, mas ambos os instrumentos têm sido entendidos rapidamente nos últimos anos. Aproximadamente metade dos governos dos países membros da OCDE incluem as análises de impacto regulatório em seus programas regulatórios, enquanto um bom número adicional de países recorrem a esse instrumento em circunstâncias determinadas. O alcance e a sofisticação das análises de impacto regulatório têm crescido e, ainda que seus padrões objetivos não sejam elevados, estão conseguindo influir na legislação por meio da utilização sistemática da identificação dos custos e benefícios como marco fundamental para analisar as decisões sobre regulação. Por outro lado, todos os países membros da OCDE têm admitido que recorrem, cada vez com maior freqüência, a um amplo leque de alternativas às formas tradicionais de regulação, ainda que a maioria necessite de mais experiência na matéria, em virtude de o crescimento ser produzido a partir de um nível ainda bastante baixo.

Quanto mais clara e consistente for a definição da política regulatória pelos governos, maior a chance de que as agências reguladoras possam ser efetivamente responsabilizadas pelo poder político e pelos cidadãos. Isso terminará por aumentar a transparência e a credibilidade do sistema regulatório e do governo junto à sociedade, retroalimentando a política regulatória e ampliando sua eficiência. A OCDE valoriza e estimula a participação da sociedade no processo de construção das decisões e regulamentos necessários à regulação. Ela defende que tal participação confere legitimidade ao processo, além de aumentar a sua efetividade por meio da identificação de fatores associados a sua implementação que fogem ao conhecimento dos reguladores, ou não têm a devida atenção durante a formulação das propostas que vão à consulta pública. Consultas também apontam ou ressaltam contradições entre os diferentes atores envolvidos na aplicação da regulação, especialmente entre os agentes econômicos, e entre estes e os cidadãos. O principal benefício, então, é a prévia reação do público sobre determinada proposta, o que funciona como importante termômetro daquelas medidas para a tomada de decisão dos reguladores.

Novamente a OCDE chama a atenção para as possíveis diferenças entre os valores institucionais dos diferentes atores envolvidos, o que pode ser resolvido quando estes têm a oportunidade de se manifestar durante o processo de consulta ao público em geral, que deve expor de forma clara e transparente suas premissas e objetivos, aumentando a adesão futura às regras aprovadas que levarão em conta justamente tais diferenças. No caso das consultas públicas e dos mecanismos de responsabilização, o contexto atual revela que, embora a maioria dos países membros da OCDE conte com uma vasta história de utilização desses instrumentos, estão ocorrendo mudanças substanciais na sua configuração e aplicação, tendo em conta que estão destinados a cumprir objetivos novos e a responder a comunidades cada vez mais exigentes. Os procedimentos de consulta, em particular, estão se abrindo a todos os grupos da sociedade e estão sendo utilizados cada vez mais como meios de se obter uma informação objetiva para sustentar as análises de impacto regulatório.

O desenho de uma regulação de alta qualidade não poderá melhorar o bem-estar da população se não for garantida a eficácia de sua aplicação. É essencial garantir a adequação da regulação, o que prevê a elaboração de um desenho regulatório sofisticado e estratégias de aplicação de elevada qualidade. A natureza e as funções dos organismos de supervisão da regulação são elementos institucionais essenciais para determinar os resultados de uma política regulatória. Novamente, a situação atual é híbrida. Na maioria dos países da OCDE existem organismos de supervisão da regulação que, entretanto, freqüentemente enfrentam enormes obstáculos para mobilizar os poderes, os recursos e as competências adequadas para aplicar a política regulatória. Mais importante que a criação de organismos centrais de supervisão é a proliferação, durante a última década do século XX, de numerosos corpos de regulação independentes do governo, os quais têm assumido responsabilidades em matéria de supervisão de setores econômicos de elevada importância, como os serviços públicos e os financeiros. Seu desenvolvimento supõe que, para responder devidamente aos objetivos da regulação, é necessário estar livre de qualquer tipo de interferência política ou administrativa, empresarial ou de qualquer outro tipo de interesses. Contudo, um ponto essencial para aproveitar as vantagens que poderiam ser extraídas desses organismos independentes é garantir que existam poucos mecanismos de responsabilização adequados e uma coerência política satisfatória com o conjunto das estruturas e instituições governamentais.

Além disso, para instaurar uma política regulatória e manter o impulso da reforma é necessário que exista ampla base a favor da reforma. Uma das preocupações centrais para a OCDE está relacionada a base de sustentação política para as reformas regulatórias implementadas nos seus países membros. Utilizando o conceito de “governança regulatória”, a Organização destaca que a eficiência das políticas regulatórias levadas a cabo pelas instituições responsáveis por sua implementação necessita do apoio explícito dos governos para definir os objetivos e a importância da regulação da economia na atualidade. Para que as agências reguladoras possam atuar de forma consistente é necessário, dessa forma, que haja um ambiente político favorável à aplicação de marcos regulatórios claramente definidos, incluindo-se aí os instrumentos adequados para elevar a sua efetividade. Esse aspecto é imprescindível, tendo em conta que,

inevitavelmente, qualquer reforma tem repercussões negativas para certos grupos da sociedade e deve-se supor que estes farão oposição a ela. Formar uma base que esteja a favor da reforma exige que se exponham claramente tanto os benefícios que serão atingidos, como os riscos de não empreendê-la.

As políticas regulatórias formuladas ao longo do processo de reforma regulatória devem se preocupar com as resistências apontadas pelos agentes econômicos. Tais resistências ou falta de adesão são freqüentemente resultados da má formulação ou má aplicação das políticas regulatórias e relacionam-se com custos elevados para o seu cumprimento (1); critérios injustos para a sua formulação (2); e uma espécie de “furor regulatório” dos governos (3). Este último gera regulações produzidas em excesso (3.1), que são inefetivas (3.2), desnecessárias (3.3), que terminam por não ser bem conhecidas pelos agentes econômicos e menos ainda pelos cidadãos (3.4), que não podem contar com efetivo monitoramento ou capacidade de enforcement (3.5), ou, em especial, que são denominadas de regulação direta, considerada uma alternativa sobrevalorizada (3.6). Além disso, é mencionada uma conseqüente questão cultural de desrespeito na regulação praticada pelo Estado, o que redunda no descrédito das agências reguladoras.

A OCDE aponta, neste trabalho, uma série de questões que deverão ser tratadas no futuro a fim de concluir o desenvolvimento e a aplicação das políticas regulatórias, conforme indicadas Quadro 4.

QUADRO 4 - Resumo das recomendações da OCDE para a reforma regulatória

ƒ Desenvolver a política regulatória dentro do marco conceitual da “governança regulatória” e a sua integração no amplo programa de governança que está sendo desenvolvido em toda a OCDE; ƒ ampliar o alcance da política regulatória a fim de que inclua um tratamento substancialmente maior

da elaboração de regulamentos nos âmbitos infra-nacional e supra-nacional e a ponderação da importância da cooperação intergovernamental nas atividades regulatórias;

ƒ fomentar a sensibilização sobre a importância econômica em que se reverte a regulação, isto é, garantir que de forma geral se entenda o alcance que tem a utilização dos recursos privados pelo setor público no exercício de suas competências reguladoras e que esta questão inspire o debate regulatório;

ƒ realizar avaliações sistemática a posteriori das políticas regulatórias, dos instrumentos e das instituições;

ƒ continuar com o desenvolvimento de instituições responsáveis pela reforma regulatória, incluída uma melhor definição de suas funções e características;

ƒ envidar esforços para minimizar a complexidade e a incerteza dos diferentes regulamentos;

ƒ melhorar o controle sobre a função quase-legislativa e as normas de terceiros como elementos essenciais aos instrumentos de política regulatória.

Fonte: Elaboração própria

Especificamente para o Brasil, país não membro da OCDE, aquela Organização também apresenta um conjunto de avaliações e recomendações.223

Trata-se de estudo preparado pelo Departamento de Economia e publicado sob a responsabilidade do Secretariado Geral da OCDE em 2005. A publicação reserva capítulo especialmente dedicado para a avaliação do marco regulatório brasileiro, e seu impacto sobre o desenvolvimento econômico e social do país. Centrando sua análise sobre os setores de infra-estrutura (em especial água e saneamento, energia elétrica, petróleo e gás, e telecomunicações), a OCDE traça um quadro alarmante para o sistema regulatório brasileiro, ainda que aponte avanços significativos obtidos nos últimos anos. Certamente, os avanços são baseados fundamentalmente na própria criação das agências reguladoras independentes, mas a OCDE destaca, essencialmente, as deficiências do desenho institucional desses órgãos e procura delinear ajustes necessários ao incremento de sua eficiência e efetividade. O estudo procura associar o sistema regulatório às suas conseqüências mais amplas de incentivo à concorrência e aos investimentos nos setores regulados pelas agências independentes. O foco da crítica é a “incerteza regulatória”, que, a despeito da criação das agências reguladoras federais, não desceu a níveis considerados satisfatórios para gerar confiança nos investidores. Segundo o estudo, a incerteza regulatória impõe um alto custo sobre os investimentos privados, sendo necessário

223 OCDE. Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Estudos econômicos da

reduzi-la. Apesar de contar com um direcionamento geral adequado, a regulação do setor elétrico, por exemplo, não daria segurança suficiente justamente pela possibilidade de ocorrer “falha regulatória” em função do ainda excessivo dirigismo do governo no planejamento de longo prazo.

A OCDE chama a atenção para um significativo conjunto de diferenças no papel e na estrutura das agências reguladoras das indústrias de rede mencionadas acima, embora a estrutura institucional dessas agências reguladoras seja muito similar àquelas de países da OCDE.224 O contingenciamento de recursos financeiros das agências e a falta de um quadro de recursos humanos próprio e adequado em quantidade e capacitação são apontadas como preocupações. Além disso, as diferenças entre a relação de cada agência com os órgãos responsáveis pela defesa da concorrência são consideradas como ponto negativo. Por fim, a OCDE entende que o fato de que as decisões das agências possam ser revertidas por tribunais de primeira instância ocasiona uma incerteza jurídica e retarda decisões empresariais.

A opinião expressa no documento da OCDE sobre o Projeto de Lei 3.337/2004, do Poder Executivo, que trata de alterações no desenho institucional das agências reguladoras é de que o PL não toca em aspectos que necessariamente precisariam ser modificados nestas entidades. Como destaque, a OCDE cita o financiamento das atividades das agências. Além disso, o documento entra na celeuma levantada por grande parte dos críticos ao PL, relativa à aplicabilidade ou não dos contratos de gestão, e aponta que à semelhança do debate realizado em países membros da OCDE, entende-se que a legislação setorial já definiria claramente as tarefas das agências e contempla mecanismos de responsabilização e recurso, o que bastaria para não se acolher a proposta de extensão do contrato de gestão a todas as agências reguladoras federais. A respeito do desenho institucional, conclui a OCDE que é possível que a interferência política em assuntos essencialmente técnicos seja facilitada e que falte aos ministérios, a experiência técnica e os conhecimentos necessários ao desempenho desta função.225

224 OCDE, op. cit., p. 146. 225 OCDE, op. cit., p. 150-1.