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A proposta do Governo Lula: mais homogeinização com a Lei Geral

CAPÍTULO 3 – REFORMA DO ESTADO DA DÉCADA DE 1990: AS AGÊNCIAS REGULADORAS

3.2 Desenho institucional das agências reguladoras brasileiras

3.2.2 A proposta do Governo Lula: mais homogeinização com a Lei Geral

O modelo geral seguido para a criação das agências reguladoras se configura, na prática, numa diversidade de desenhos institucionais próprios, que variam em cada uma das agências. Houve para cada agência a edição de uma lei de criação, que aprovou um conjunto de características próprias. São exemplos de características relacionadas ao seu desenho institucional a estrutura básica, existência de contrato de gestão e ouvidoria, duração do mandato dos dirigentes, possibilidade de recondução, definição do presidente da agência, regras sobre a

211 SANTANA, Ângela. Agências executivas e agências reguladoras – o processo de agencificação: pressupostos do modelo brasileiro e balanço da experiência. In: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Balanço da reforma do Estado no Brasil: a nova gestão pública. Brasília: MP/SEGES, 2002, p. 81-2. Para Martins, a segunda geração de agências reguladoras representou a flexibilização do modelo de agências independentes. Nas palavras do autor: Em síntese, já se sinalizava a utilização do modelo de agência reguladora como estratégia

de flexibilização (em busca do que se convencionou chamar jocosamente de “kit reguladoras”: mandato, carreira própria, estrutura diferenciada de cargos comissionados, regras diferenciadas de licitação, de provisão de quadros temporários etc.), que explodiu na terceira geração de agências reguladoras (ANA, ANCINE, ANTAQ, ANTT). MARTINS, Humberto Falcão. Reforma do

estado e coordenação governamental: as trajetórias das políticas de gestão pública na Era FHC. In: ABRUCIO, Fernando Luiz & LOUREIRO, Maria Rita (org.). O Estado Numa Era de Reformas: Os Anos FHC - Parte 1. Brasília: MP, SEGES, 2002, p. 250.

212 Nas palavras do autor, a implementação das primeiras agências ocorreu a partir de outubro de

1997 e o modelo observado para a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL e a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL foi reproduzido para as demais agências. MELO,

Marcus Andre. Política regulatória: uma revisão da literatura. BIB, Rio de Janeiro, 2º semestre de 2000, p. 8.

quarentena dos dirigentes, previsão para a realização de consultas e audiências públicas, relação com órgãos de defesa da concorrência. O desenho institucional das agências é, então, o resultado da soma de tais diferentes arranjos próprios de cada agência. Essa disparidade entre as agências, aliada ao descontentamento com a competência dada às agências para celebrar contratos de outorgas, levou o Governo Lula a publicar, em 2003, duas consultas públicas sobre anteprojetos de lei que dispunham sobre, respectivamente, a gestão, a organização e o controle social das agências reguladoras, e sobre a restituição aos respectivos ministérios das atribuições relativas às outorgas e licitações para a exploração dos serviços de utilidade pública (relacionados às agências da área de infra- estrutura ANEEL, ANATEL, ANP, ANTT e ANTAQ).

As propostas foram elaboradas com base no relatório de um grupo de trabalho interministerial213 criado por determinação da Presidência da República em março de 2003. A versão final do relatório, publicado em setembro de 2003, foi discutida no âmbito do Comitê Executivo da Câmara de Políticas de Infra-Estrutura e da Câmara de Política Econômica, e se detém em aspectos conceituais, relacionados ao pano de fundo da atuação das agências reguladoras no mercado brasileiro, e em questões institucionais, com destaque por o mandato fixo dos dirigentes. O documento traça também o diagnóstico da relação entre as agências reguladoras e os ministérios supervisores e órgãos de defesa da concorrência, bem como sobre o seu grau de controle social.214 No que diz

213 O grupo de trabalho interministerial teve como objetivos: (i) analisar o arranjo institucional regulatório no âmbito federal; (ii) avaliar o papel das Agências Reguladoras; e (iii) propor medidas corretivas do modelo adotado. BRASIL. Análise e avaliação do papel das agências reguladoras no

atual arranjo institucional brasileiro: Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial. Brasília: Casa

Civil, 2003, 43 p. mimeo.

214 O Relatório tem um caráter eminentemente avaliativo do modelo das agências reguladoras. Isso é evidenciado ao longo de todo o documento, em especial na parte 5 – Conclusões e Recomendações, onde são apontadas as principais medidas para a correção de rumos da regulação federal brasileira. Para outras importantes referências sobre avaliação da função desempenhada pelas agências reguladoras brasileiras, cf. ANAIS do Seminário “Avaliação e

Desafios da Regulação no Brasil”. Disponível em:

http://estadoregulador.planejamento.gov.br/palestras/Anais_Seminario_Regulacao.pdf; CÂMARA dos

Deputados. Agências reguladoras: avaliação e perspectivas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2003. 153 p; CAMPOS, Anna Maria; AVILA, Jorge Paula Costa; SILVA JUNIOR, Dércio Santiago da. Avaliação de agências reguladoras: uma agenda de desafios para a sociedade brasileira.

Revista de Administração Pública, v. 34, n. 5, p. 29-46, Rio de Janeiro, set.-out. 2000; INSTITUTO

de Defesa do Consumidor (IDEC). Avaliação de agências e órgãos reguladores. São Paulo: IDEC, 2004; PIRES, José Claudio Linhares; GOLDSTEIN, Andrea. Agências reguladoras brasileiras: avaliação e desafios. Revista do BNDES, v. 8, n. 16, p. 3-42, Rio de Janeiro, dez. 2001; SALGADO, Lucia Helena. Agências regulatórias na experiência brasileira: um panorama do atual

respeito à relação com os ministérios, o relatório aponta que uma das principais distorções do papel das Agências detectadas foi o exercício de competências de governo pelas Agências Reguladoras, como a absorção da atividade de formulação de políticas públicas e do poder de outorgar e conceder serviços públicos.215 As propostas foram objeto de severas críticas de setores da

sociedade que argumentaram basicamente que o governo objetivaria, na verdade, a criação de mecanismos de tutela sobre as agências reguladoras.216 O debate público na imprensa girou em torno da necessidade de garantia e de autonomia e independência para as agências reguladoras, ponto em que os dois pólos da contenda estavam de acordo.

Em 2004, o Governo então envia ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.337.217 A proposta tem aspectos que certamente vão, se aprovados, alterar significativamente tanto a natureza quanto o modus operandi dessas entidades. Esse PL une em um único texto o conteúdo das duas propostas colocadas em consulta pública. Segundo a Exposição de Motivos do PL, assinada pelo então Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, o PL pretende estabelecer um conjunto homogêneo e estável de regras para orientar a gestão e a atuação das Agências Reguladoras, constituindo-se, de certa maneira, numa “Lei Geral” das Agências Reguladoras. Para tanto, a proposta legislativa objetiva corrigir as diferenças entre as agências, que, segundo o governo, não se justificam, apesar das evidentes especificidades tratadas em suas leis de criação. Além disso, o PL trata de propor medidas que permitam tornar mais transparente, eficiente, socialmente controlado e legítimo o exercício da função reguladora por essas entidades.218

desenho institucional. Texto para discussão n. 941. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2003.

215 BRASIL, 2003, op. cit., p. 24.

216 ABAR. Associação Brasileira de Agências de Regulação. A organização e o controle social das

agências reguladoras: crítica aos anteprojetos de lei. Porto Alegre: ABAR, 2004. mimeo.

217 BRASIL. Projeto de lei n. 3.337/2004, que dispõe sobre a gestão, a organização e o controle social das Agências Reguladoras. Brasília: Câmara dos Deputados, 2004.

218 Exposição de Motivos nº 12 da Casa Civil da Presidência da República, de 12 de abril de 2004. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 20/06/2007.

No que diz respeito à relação entre os ministérios e as agências, o PL explicita que as atividades de planejamento e formulação de políticas setoriais, e de regulação e fiscalização, devem ser respectivamente atribuídas a estas e aqueles. O PL trata, ainda, do poder de outorgas, trazendo de volta aos ministérios a competência para outorgar e conceder serviços públicos. A novidade em relação ao texto colocado em consulta pública é que no caso da Lei 9.427/96 (que institui a ANEEL e trata das concessões do setor elétrico) o conflito já havia sido resolvido como o encaminhamento da Medida Provisória 144, de 11 de dezembro de 2003, já convertida na Lei 10.848, de 15 de março de 2004, não sendo, por isso, contempladas no PL.

O governo Lula reconhece que o modelo de atuação das agências reguladoras é o que permite os melhores resultados para o exercício da função regulatória, mas pondera que tal modelo deve ainda ser aperfeiçoado, sofrendo a correção de disfunções e lacunas decorrentes do ineditismo dessas entidades no ordenamento da Administração Pública Federal. A questão fundamental é que as agências são criadas, na verdade, num vazio prévio de definições legais e institucionais. É como se as agências tivessem de suprir tudo o que estava faltando.219 Ou ainda, para o governo, é fundamental criar mecanismos legais e institucionais (...) definindo com serenidade o papel das agências, preenchendo vácuos e lacunas institucionais.220

No PL 3.337 foi ainda concedido destaque especial a questão do controle e prestação de contas. A proposta trouxe como solução para o deficit de legitimidade e o risco da captura dos reguladores a extensão do contrato de gestão e desempenho e da ouvidoria a todas as agências, além da aproximação entre as agências e o Congresso Nacional. A relação das agências com o Congresso se daria por meio da elaboração de um relatório anual de atividades a

219 ROUSSEFF, Dilma. Agências reguladoras: avaliação de performance e perspectivas. Câmara dos Deputados. Brasília: Coordenação de Publicações, 2003, p. 17.

220 BRASIL, 2003, op. cit., p. 28. O Relatório considera ainda que uma das principais distorções do

papel das Agências detectadas foi o exercício de competências de governo pelas Agências Reguladoras, como a absorção da atividade de formulação de políticas públicas e do poder de outorgar e conceder serviços públicos. O Grupo de Trabalho Interministerial criado por

determinação da Presidência da República em março de 2003 teve como objetivos: (i) analisar o arranjo institucional regulatório no âmbito federal; (ii) avaliar o papel das Agências Reguladoras; e (iii) propor medidas corretivas do modelo adotado.

ser encaminhado ao ministério supervisor, Senado Federal e Câmara dos Deputados, e Tribunal de Contas da União, além e apresentado em reunião conjunta das comissões temáticas das duas casas legislativas. Segundo o governo, o PL intenta, no campo do controle e prestação de contas, ampliar

a legitimidade do exercício da função regulatória pelas Agências Reguladoras, de sorte a evitar que elas, pelo excessivo grau de insulamento, possam tornar-se facilmente capturáveis, ou que se distanciem do objetivo maior de atender ao interesse público e dos consumidores e usuários.221