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CAPÍTULO 5 – REGULAÇÃO E AGÊNCIAS REGULADORAS NOS ESTADOS UNIDOS DA

5.1 Regulação e teoria econômica da regulação

A teoria da regulação econômica referencia-se, basicamente, em duas outras teorias, a teoria do “interesse público” e a teoria da captura.226 A primeira seria constituída pelo legado de uma geração anterior de economistas para uma outra então contemporânea geração de advogados. Ela sustenta que a regulação é criada em resposta a uma demanda do público por correção de práticas de mercado ineficientes ou não eqüitativas.227 Por outro lado, a teoria da captura seria espantosamente compartilhada por correntes tão heterogêneas quanto uma mistura que engloba desde liberais do Estado do Bem-Estar Social, a ativistas políticos, marxistas e economistas do livre mercado. Essa teoria reconhece a atividade regulatória do Estado como uma resposta às demandas de grupos de interesse se digladiando para maximizar os benefícios de seus próprios membros.228

A teoria do interesse público refuta dois pressupostos que orientaram a intervenção estatal na economia via regulação até a década de 1960. Primeiro, as falhas de mercado, quando este é deixado à sua própria sorte, e, segundo, a idéia de que a regulação estatal é efetiva e não gera custos. Pesquisas teóricas e empíricas comprovariam que a regulação não esteve presente nos setores da economia norte-americana onde há externalidades, ineficiências ou estruturas monopolistas de mercado. As agências reguladoras teriam um desempenho frustrante, que não poderia ser explicado por fraquezas pontuais e, como tais, passíveis de remediação, relacionadas a seus funcionários

226 POSNER, Richard. A. Teorias da Regulação Econômica. In: MATTOS, Paulo (coord.).

Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Ed. 34, 2004. O artigo

de Posner, publicado originalmente em 1974, é um dos mais representativos dos estudos sobre intermediação de interesses no processo regulatório, e já é considerado um clássico para este campo teórico. Realiza uma crítica sobre as principais teorias relacionadas ao interesse público, destacando a teoria econômica da regulação, que ele reputa como superior às demais. Um conjunto de “teorias de grupo de interesse” e suas diversas versões, como a teoria do interesse público e teoria da captura, são abordadas. Posner refuta as versões da teoria do interesse público e a do grupo de interesses, elaboradas por cientistas políticos, e critica a teoria do grupo de interesses formulada por economistas no que concerne ao seu insipiente desenvolvimento analítico e insuficiência de estudos empíricos.

227 POSNER, op. cit., p. 50. 228 POSNER, op. cit., p. 50.

e procedimentos. Os motivos para tal desempenho estariam nas incoerências dos objetivos básicos das agências e na natureza do seu processo. Há diversas evidências de situações nas quais a regulação contraria o interesse público. Para Posner, na verdade as conseqüências indesejadas da regulação são, freqüentemente, desejadas por grupos influentes na elaboração da legislação que estabelece o sistema regulatório.229 Ainda, não haveria evidências de má administração das agências, mas antes de sua eficiência. O problema estaria no estabelecimento pelo Poder Legislativo dos objetivos das agências, os quais se poderiam considerar ineficientes e injustos. Os objetivos para os quais são criadas pelo Legislativo seriam inviáveis, a exemplo da regulação dos preços. Assim, solicita-se às agências que façam o impossível e não é surpreendente que elas falhem e que, na tentativa de serem bem-sucedidas, distorçam o funcionamento eficiente dos mercados regulados.230 A suposta inaptidão burocrática, decorrente de diferenças salariais entre os funcionários das agências e os do setor privado, também poderia ser questionada. Isso porque o ganho em capital humano na agência poderá render ao funcionário melhores salários no setor privado no futuro. A motivação do funcionário na agência também não é um motivo consistente, pois ela seria semelhante à encontrada nas empresas. Ao mesmo tempo, a direção da agência é motivada a prestar contas ao Legislativo e ao Executivo, com vistas à sua manutenção no cargo, e não se pode ignorar o alto custo que implica a supervisão das atividades do órgão regulador. Assim, até aquele momento não havia sido formulada qualquer teoria convincente acerca das razões para se pressupor que as agências sejam menos eficientes que outras organizações.231

Um problema que poderia ser apontado é a excessiva confiança em pressupostos comportamentais baseados no individualismo metodológico. A teoria do interesse público deveria, então, explicar como as ações individuais somadas se transformam em ações legislativas que traduzam o interesse público. Apenas considerações morais deveriam levar indivíduos a votar pelo interesse público. De outra forma, haveria um problema no fato de o interesse público ser

229 POSNER, op. cit., p. 52. 230 POSNER, op. cit., p. 54. 231 POSNER, op. cit., p. 53.

concebido “de cima para baixo” por líderes políticos, ao contrário da idéia de que estes representam o eleitorado.

Existem diferentes versões de teorias econômicas da regulação. Uma primeira poderia ser classificada como formulada por marxistas e ativistas políticos: Ralph Nader seria um expoente dessa versão. Nela haveria um silogismo segundo o qual os grandes negócios capitalistas controlam as instituições em geral, inclusive as agências reguladoras. O contra-argumento apontado é que as agências muitas vezes atendem aos interesses de pequenas empresas, grupos profissionais e sindicatos de trabalhadores. No âmbito da ciência política, os trabalhos The process of government, de Bentley (1908), e The government process: political interests and public opinion, de Truman (1951), são identificados como representativos. Tais trabalhos enfocam a importância dos grupos de interesse nos processos legislativo e administrativo de formulação de políticas públicas. Apesar de reconhecer as evidências recolhidas por esta corrente, Posner a considera desprovida de teoria, pelo fato de não conseguir explicar por que determinados interesses são efetivamente representados no processo político e outros não, ou, em outras palavras, quais são as condições nas quais os grupos de interesse são bem-sucedidos ou fracassam na obtenção de uma legislação favorável aos seus objetivos. Poderiam ser formulados três grandes questionamentos a tal teoria da captura. Primeiro, nem sempre existiria motivo para a captura, na medida em que a atuação de muitas agências não se pautaria pela virtuosidade e a probidade. Segundo, haveria grupos de interesse distintos dentro de um mesmo setor econômico e a teoria não conseguia explicar qual destes grupos teria êxito na captura. Terceiro, haveria evidências de que as agências beneficiam, muitas vezes, os interesses dos consumidores em detrimento daqueles do setor regulado.

Por fim, a principal formulação da teoria da captura seria a teoria econômica da regulação, que tem em Stigler seu precursor e maior expoente. O “revolucionário” artigo de Stigler, publicado originalmente no The Bell Journal of Economics and Management Sciences, em 1971, adota os pressupostos da teoria econômica para explicar como se desenvolve a política regulatória e sua relação com o mercado. Posner admite que essa teoria poderia ser tomada por “uma

versão refinada” da teoria formulada pelos cientistas políticos, mas reconhece que essa teoria é mais precisa e bem acabada que aquela. Esse refinamento se daria por ela 1) rejeitar o pressuposto dos objetivos virtuosos das agências; 2) prever a captura de outros grupos de interesse; e 3) substituir a metáfora da captura pela da oferta e da demanda. Tudo isso a despeito da idéia de que grupos de interesse são beneficiados pelas agências.

A proposição central da teoria econômica da regulação é que a regulação econômica é uma expressão do poder coercitivo do governo na esfera econômica e pode ser usada para conceder benefícios valiosos a determinados indivíduos ou grupos. Dessa forma, ela pode ser vista com um produto cuja alocação é governada por leis da oferta e procura.232 As curvas de oferta e procura poderiam ser identificadas, segundo o autor, através da teoria dos cartéis. A teoria dos cartéis esclarece aspectos dos benefícios e dos custos da regulação. Os benefícios serão tanto maiores quanto mais inelástica for a demanda pelo produto regulado e mais difícil for a entrada no setor. Enquanto os custos principais são tanto os relativos à negociação para se chegar a um acordo sobre os preços e o volume da produção, quanto os de se impor o cartel aos não- participantes ou àqueles que lhe desobedeceram. De forma correlata, os custos serão tanto menores quanto menor número houver de beneficiários da regulação e quanto maior for a homogeneidade de seus interesses.

Os padrões da cartelização podem ser diferentes dos padrões da regulação: existe menor probabilidade de que mercados altamente concentrados obtenham regulação favorável do que mercados pouco concentrados.233 Isso

poderia ser explicado, primeiro, pelo fato de que a cartelização é inviável em mercados pouco concentrados, nos quais se observa uma demanda pela regulação como forma de aumentar os lucros, e, segundo, porque a obtenção de uma regulação favorável requer a capacidade de intervenção no processo político.

232 POSNER, op. cit., p. 60. 233 POSNER, op. cit., p. 62.

A dimensão política da regulação tem pelo menos duas implicações importantes para a teoria dos cartéis no processo de regulação. Por um lado, a notável assimetria entre membros do mercado pode ser traduzida em formas de regulação que afetam os membros de forma distinta. Por outro lado, a oferta do mercado da regulação determina a intervenção no processo político, ou seja, as características dos sistemas políticos informam como a demanda por regulação deve ser conduzida. Assim, um sistema político de tipo “empresarial” venderá legislação favorável aos mercados que mais a valorizarem; um sistema político “coercitivo” ofereceria legislação favorável a grupos capazes de ameaçar ou retaliar a sociedade, caso não atendidos; um sistema político “democrático” produz legislação mediante o voto dos representantes eleitos pelo povo, daí a demanda por regulação assumir a forma do apoio às campanhas eleitorais. Assim, um grande número de membros de um mercado, cuja cooperação para se criar e manter um cartel seria difícil, pode encorajar a regulação.

Na literatura há dois tipos importantes de evidências empíricas para sustentar a teoria da regulação econômica. Por um lado, encontra-se um substancial conjunto de estudos de caso que sustentam a tese de que a regulação econômica é melhor explicada como um produto fornecido a grupos de interesse do que como uma expressão do interesse social em eficiência e justiça.234 Por outro, destacam-se as evidências empíricas sobre procedimentos

do processo regulatório. A teoria econômica da regulação espera que o sistema regulatório funcione de maneira eficiente, para atingir seus objetivos, ou seja, este processo é desenhado de forma a garantir os objetivos definidos pela teoria econômica da regulação. Teríamos pelo menos dois aspectos relevantes. Primeiro, a delegação do poder regulatório do Legislativo para as agências reguladoras não se daria em função das alegadas especialização e independência das agências ao controle político de forma a favorecer o interesse público. De acordo com Posner, o Legislativo delega funções tanto aos tribunais quanto às agências, mas aqueles têm historicamente se mostrado capazes de julgar questões especializadas da regulação econômica, bem como apresentam comportamentos mais insulados em relação aos grupos de interesse do que as agências reguladoras. Em segundo lugar, em relação à influência de grupos de

234 POSNER, op. cit., p. 67.

interesse sobre as estruturas e os procedimentos das agências, estudos de caso sustentam que a regulação é estruturada para beneficiar coalizões de empresas reguladas e também grupos de consumidores politicamente efetivos.

Em que pesem deficiências relacionadas às evidências empíricas da literatura da teoria econômica da regulação,235 Posner adota uma posição

claramente favorável à aplicação da teoria econômica ao estudo do comportamento dos atores envolvidos no processo regulatório, e defende que o jogo regulatório funciona como um mercado, baseado em oferta e demanda por regulação. Considera que a teoria econômica da regulação é um avanço com relação às demais teorias, por ser capaz de explicar por que a regulação surge em setores de difícil cartelização. Entretanto, o autor a considera amorfa, por ser incapaz de gerar uma predição testável e inequívoca sobre em quais mercados específicos se encontrará a regulação. Assim, ela não explicaria por que tanto mercados extremamente atomísticos quanto mercados muito concentrados obtêm regulação, ou melhor, a teoria consegue explicar qualquer uma das situações, mas não o paradoxo entre elas. Como conclusão geral, para Posner não se pode dizer que qualquer uma das teorias possui, no momento, suporte empírico significativo para a análise do processo regulatório, e que nenhuma teoria foi refinada até o ponto em que ela poderia gerar hipóteses suficientemente precisas para serem verificadas empiricamente.236 O corolário da sua concepção é que o

comportamento humano pode ser compreendido como uma resposta de seres racionais individualistas ao meio ambiente, [e] deve ter ampla aplicação no processo político.237

Um dos principais teóricos da regulação econômica, George J. Stigler, baseou seu modelo nos custos de informação e organização. Sua análise sobre a demanda e a oferta por regulação chega a uma conclusão claramente tributária do trabalho de Olson (The logic of collective action, de 1965): os produtores sempre serão beneficiados pela regulação estatal oferecida pelas agências reguladoras, pois grupos menores têm menores custos de organização e tendem a ser favorecidos na disputa com grupos maiores e de maior custo.

235 Cf. POSNER, op. cit., p. 70-3. 236 POSNER, op. cit., p. 74. 237 POSNER, op. cit., p. 74.

Para Stigler, portanto, a regulação é adquirida pela indústria, além de concebida e operada fundamentalmente em seu benefício.238 Na mesma linha, Nunes chega a

afirmar que a regulação é uma mercadoria monopolista de Estado fazendo com que o aparato regulatório se torne um mercado, onde seja possível “comprar” e “vender” regulação.239

Por seu turno, Peltzman ressalta que não só a indústria pode capturar a autoridade regulatória. Por vezes o governo atenderá não somente às pressões dos produtores, pois há tendência de maximização da utilidade política total dos reguladores na alocação dos benefícios entre os grupos interessados. Ou, conforme o autor, o regulador objetiva fazer cada indivíduo (desde que tenha algum peso político marginal) o mais feliz possível.240 Assim, Peltzman demonstra que os teóricos de Chicago ter-se-iam afastado da visão segundo a qual a regulação existiria apenas para beneficiar os produtores, para encará-la como fruto de uma política de coalizões a fim de beneficiar diferentes grupos de interesse envolvidos no jogo regulatório.241 Nessa linha, as políticas regulatórias são apontadas por Rebello242 como políticas de soma positiva. Isto significa dizer que a expectativa é que todos os setores afetados sejam ganhadores pelo bem público gerado, mesmo que as soluções não sejam unânimes, ou que se escolha a segunda melhor alternativa, no caso de não haver ampla maioria política.

Podem-se sumarizar as mais importantes contribuições da teoria econômica da regulação, da forma como segue: 1) os grupos compactos e bem- organizados obtêm mais benefícios da regulação estatal do que grupos maiores e difusos. Dessa forma, as atividades de regulação estatal tendem a privilegiar os produtores, porque esses em geral são mais bem organizados. Para Peltzman, entretanto, a coalizão dominante deve também incluir algumas categorias de

238 STIGLER, George J. A teoria da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo. Regulação

econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Ed. 34, 2004, p. 23.

239 NUNES, Edson. O quarto poder: gênese, contexto, perspectiva e controle das agências reguladoras. Paper submetido ao II Seminário Internacional sobre Agências Reguladoras de Serviços Públicos. Brasília: Instituto Hélio Beltrão, 25 de Setembro de 2001, p. 2. mimeo.

240 PELTZMAN, S. A teoria econômica da regulação depois de uma década de desregulação. In: MATTOS, Paulo. Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Ed. 34, 2004, p. 90

241 MATTOS, 2004, op.cit., p. 16.

242 REBELLO, Lêda Maria de Vargas. Políticas regulatórias no setor saúde. Rev. Univ. Rural, Sér.

consumidores;243 2) a política regulatória em geral busca maximizar a distribuição

política de recursos entre os membros de uma coalizão. Assim, com o passar do tempo a tendência é a cristalização dessa distribuição, em que pesem as alterações nas condições de demanda ou de custos. É possível, ainda, que haja a implantação de mecanismos de subsídios cruzados. Nesse caso, ocorrerá o subsídio de preços a serem pagos por consumidores com custos de fornecimento mais elevados pelos recursos dos preços pagos por outros consumidores; 3) os reguladores são sensíveis a perdas de bem-estar provocadas pela atividade regulatória, pois esta gera distribuição de riqueza e, conseqüentemente, benefícios políticos para os reguladores. Em decorrência, evitam-se ações regulatórias capazes de reduzir a riqueza disponível para distribuição, pois, caeteris paribus, elas promoveriam a redução de ganhos políticos provenientes da regulação.