• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 00 (um ante capítulo)

1.2 O ERRO DA VISUALIDADE E CAMINHO DO ENGENHO

Entre a larga faixa de produção seiscentista, interesso-me especificamente pelas obras normalmente denominadas de poesia- visual, poesia de invenção, poemas engenhosos ou poemas de difícil engenho que, se não são produções exclusivas do Seiscentos (já que houveram conhecidos exemplos helênicos dos séculos 3 e 2 AC, como Símias de Rodes e Dosíadas, como também exemplos do séculos IX e IV com Rabano Mauro, Publio Porfirio, entre outros), tiveram na segunda metade do período indicado acima uma produção bastante extensa que ultrapassou o mero fazer isolado para encontrar um espaço relevante em tratados de poética que descreviam e prescreviam esse tipo de obra, como é o caso do Arte Poética Española (1592-1759) do jesuíta Diego Garcia Rengifo sob pseudônimo de Juan Dias Rengifo, ou em

outros especificadamente voltados para esse tipo de produção, como o segundo volume do Primus Calamus de Juan Caramuel intitulado Metametricam (1663), e, ao mesmo tempo, sendo os poemas indicados como parte das atividades de decifração para os alunos dos jesuítas nas regras 12 e 15 concernentes ao professor de retórica da Ratio Studiorum de 1599 (1970). Ou seja, apesar de serem obras um tanto ignoradas ainda nos estudos literários atuais, se tratava de um tipo de composição que teve a divulgação e alcance que a Ratio Studiorum representa.

As obras pelas quais me interesso são uma série de tipos de poemas que abarcam desde espécimes mais medidos, como centões, acrósticos, anagramas, aos espécimes mais complexos como emblemas, labirintos (cúbicos, de letras, de versos inteiros), enigmas, sonetos circulares, hieróglifos, entre outros15. Estes poemas estão bem

antologizados por Ana Hatherly em seu livro A Experiência do prodígio: bases teóricas e antologia de textos-visuais portugueses dos séculos XVII e XVII (1983) e analisados em A Casa das musas: uma releutura crítica da tradição (1995), concernente sobretudo à tradição portuguesa. Pode-se mencionar ainda o livro de Rafael de Cózar Poesia e imagem: formas difíciles de ingenio literário (1991), porém, voltado para a tradição hispânica16.

O título de ambos os livros, de Hatherly (1983) e de Cózar (1991), colocam em evidência o viés pelo qual os autores tendem a ler esse tipo de produção letrada. Um como "textos-visuais" e o outro por "poesia e imagem", ou, predominantemente, como coloca Hatherly:

15 Trata-se de uma nomenclatura bastante imprecisa, até mesmo na época de sua

produção, com habituais confusões entre um ou outro tipo (PÉREZ PASCUAL, 1996a). Existem casos em que complexificar certo tipo de procedimento – digamos um acróstico – acarreta esbarrar em outro tipo (como os labirintos). Também existem alguns casos em que os diferentes tipos começam a se mesclar; um anagrama começa a se cruzar com um acróstico e começa a ficar similar a um labirinto de letras, como é o caso do exemplar da Figura 40,

Labirinto, acrostico, y cronologico, en los despososios de los excelentissimos señores, Don Diego de Mendoza Cordereal, y Doña Teresa de Eovreon..., de

1718 (Hatherly, 1983, [sem número de página]), ou até mesmo o Vandera

dedicada a Don Alvaro de Azpeytia, y Sevane, el dia en que recibiò el grado de Doctor en Bolona, dado como exemplo de labirinto de letras por Rengifo (1759,

p. 183).

16 Mesmo se pretendendo perspectivas relativamente nacionais, ambos os

autores lançam mão de poetas que ou pertencem a outra nacionalidade ou transitaram entre composições em português e castelhano, muitas vezes devido à situação da União Ibérica aludida anteriormente.

"fusão ou sobreposição de ikon e logos"(1995, p. 12). Ambos apontam justamente para este caráter imagético das obras como base de sua análise e como laço unificador da produção seiscentista e vanguardista, com a tese de que haveria uma linha de continuidade entre poemas visuais gregos (de Simmias de Rhodes, Theocritus, etc.) e a produção de vanguarda visual do século XX, ou seja, uma espécie de continuidade – uma tradição paralela, mas sempre presente – da poesia imagética ao longo da história. Como coloca diretamente Hatherly:

[existe] um continuum que estabelecia uma ligação entre o antigo e o moderno, que não era confrontação, mas antes uma espécie de reconhecimento, de uma identificação de laços de família. O continuum que eu descobri era o

continuum do acto criador como processo, de que

é preciso tomar-se consciência a fim de se jogar eficazmente (HATHERLY, 1995, p. 12).

Ambos os autores estão obviamente interessados em estudar, fundamentar e, sobretudo, validar suas próprias obras como poetas visuais (além de pesquisadores, eles são poetas que exploram as possibilidades visuais da poesia)17. O predomínio do visual como base legitimadora da arte dos respectivos autores parte de uma matriz em que a poesia-visual de vanguarda necessitava ganhar espaço e se fundamentar como poesia ou arte diante de um público artisticamente conservador. O ato então de fundamentar historicamente, fora o valor de aprendizagem para os próprios artistas em termos técnicos, carrega o subtexto de que "a arte X tem valia porque já foi feita e era considerada arte; logo, se eu faço, também é necessário que vocês a considerem como tal". Trata-se de uma desculpa conservadora para uma arte atual, ou de uma arte atual que necessita se fundamentar diante de uma posição conservadora de arte e, de certa forma, mostrar inversa e anacronicamente o "avanço" que já se tinha com a arte antiga, como a de "agora", mas que foi esquecido ou rechaçado por uma crítica negativa. Com efeito, mantém-se uma posição teórico-historicista, ainda presa a padrões do século XIX, diante de uma arte que se quer – de vanguarda – justamente fora desses padrões de pensamento.

17 Esse viés visual de vanguarda e suas diretrizes ainda regem muitos dos

estudos de poesia visual, nos quais os poemas seiscentistas ou antigos são julgados equivocadamente como uma espécie de pré-vanguarda.

Além dos problemas e limitações em tentar validar uma linhagem histórica mais ou menos direta (em muitos casos sem provas materiais de que os autores dos poemas ditos visuais teriam tido contato com as obras uns dos outros18) está o problema da própria visualidade

como elemento fundamental. O problema de ter o visual como base dos poemas seiscentistas é que se estabelece uma divisão entre poemas ditos "normais" e os "visuais" em que os elementos de um não possibilitam clarificar o outro e vice-versa. Acabam por cair na ideia de uma tradição paralela e, assim, ergue-se uma distinção a priori – no sentido de que ela preexiste à análise – entre um soneto de Francisco de Quevedo como "Cerrar podrá mis ojos la postrera" e um labirinto cúbico como o que exploramos no início deste texto19. Nas obras de Hatherly e Cózar, os

poemas começam e terminam pelo elemento visual, como se a visualidade seiscentista tivesse seu fim em si mesmo. Daí a compreensão de que estes fossem jogos meramente lúdicos, subversão do dizer pela invenção, formas de explorar supostas funções "poéticas" da língua, como se os poemas-visuais estivessem tentando chamar atenção para a visualidade do texto em oposição à invisibilidade do texto escrito diante dele como significado "linear". O subtexto dessas análises é uma referência direta a uma teoria estruturalista e semiótica da literatura e aos gostos de composição dos próprios autores dentro de uma visão mais ou menos ligada ao concretismo. O problema é que caracterizar o elemento visual como base de si mesmo é centrar a análise sobre um elemento superficial, por ser um elemento primariamente sensório, o que implica em deixar de lado o que está em seu modo de operar e de presumir uma série de elementos como sendo exclusivos dos poemas ditos "visuais".

O que quero apontar é que não se compreende bem esses objetos ao colocar o visual como base para compreensão, pois não se trata de uma base, mas sim um efeito de algo anterior e que

18 Tanto em Hatherly quanto em Cózar, a falta de um estudo mais aprofundado

da tradição poética e retórica do seiscentos acaba por gerar um caráter quase "espiritual" em que o "continuum" de poesia-visual "apareceria" de tempos em tempos na sociedade, muito ao modo de um hegelianismo simplista, no qual se projeta um estado atual da poesia visual sobre um passado, como se ele fosse uma prefiguração das vanguardas.

19 As constâncias ou uniões entre o visual e o não-visual são apenas intentadas

pelos autores por via de elementos abstratos e pouco precisos como "espírito de época", "mundo contraditório" ou "forma vazia" sem precisar o que estas são como elementos formais nas obras.

engendra essa visualidade. Chega-se à visualidade por outra causa e esta é o engenho dentro de um fazer retórico. Parece-me que Hatherly e Cózar se equivocam ao não compreenderem um elemento base do sistema retórico seiscentista a que toda produção visual em questão está submetida, isto é, que o visual é ornato e que o "ornato leva a um delectatio e portanto serve a causa e logo o aptum central"(LAUSBERG, 1998, p. 243, §538). Ele é sempre um elemento dentro do todo. O delectatio nunca é por si, ele sempre é um delectare et movere, ou seja, há sempre uma finalidade ou causa a que o visual está submetido e é produzid em função de. Sua configuração, sua construção é sempre regida por uma causa maior ou anterior a ele – o ornato visual –, que progride. Ele sempre deve provocar um movere e, nos casos aqui analisados, ele não só intenta um movere emocional ou de tomada de posição, mas de ação material para uma ação total no mundo. Tais fatores não são de forma alguma características exclusivas da produção visual, mas são, como já abordei, subentendidas em todo fazer letrado seiscentista – visual ou não –, pois são todos sempre retóricos. Ou seja, se analisarmos a produção visual e a não-visual seiscentista pelo viés do seu sistema de produção técnico-retórico, não há distinção no modo de operar entre os poemas visuais e não visuais porque subscrevem os mesmos conceitos e preceitos.

Não se trata obviamente de negar a importância do elemento visual – ou de nenhum ornato –, mas de conhecer seu funcionamento no sistema composicional seiscentista, de notar que ele por si só não explica a base operatória dos poemas seiscentistas e nem é condição necessária – no sentido de uma anterioridade – para eles. É o caso dos anagramas, como este que mostra um texto sobre o Apostolo São Pedro e, depois, outro texto que se diz ―em metáfora de uma queda‖, apresentado por Hatherly (1995, p. 18):

Imagem 07: anagrama aritmético de Alonso de Alcalá y Herrera. O processo consiste em contar a ocorrência de cada letra no primeiro texto e utilizar a mesma quantidade de cada letra para compor o segundo texto. Além de executar isso, o anagrama presente também é uma metáfora para os eventos da vida do apóstolo Pedro, ou seja, a retomada é dos caracteres (como anagrama) e também do assunto (como metáfora). A questão é que a visualidade tem muito pouco a ver com a construção e funcionamento desse texto, que poderia ser apresentado sob um formato diferente sem, no entanto, perder tanto seu caráter de anagrama, quanto seu caráter de metáfora, em suma, sua engenhosidade. Há também obras engenhosas que são dispostas visualmente como outras obras ditas "normais" de sua época, ou seja, em que a

visualidade não é um fator determinante de significado no texto. São os casos de acrósticos, centões, poemas de cabo roto, e, para dois exemplos mais específicos justamente mencionados no livro de Hathelry (1995), temos o caso da coleção de novelas lipogramáticas (texto que omite uma ou várias letras) Varios effetos de amor en cinco novelas exemplares (1641) do hispano-português Alonso de Alcalá y Herrera. Do mesmo autor, há ainda os poemas do breve Novo modo curioso tratado, e artificio de escrever; assim ao divino, como ao humano; com hua Vogal sómente, excluindo quatro Vogaes; o que muitos tiverão por impossivel (1679), que, como o título afirma, consiste em poemas em português e espanhol que usam somente uma vogal na composição de cada um deles:

AO MESMO ASSUMPTO DA Virgem Santissima do Rosário. A das Almas castas, Barca; Da Graça a Sacra Atalanta; Alta da Paz Ara; Planta; Palmar; Mar das graças; Arca; Jà as Armas santa abarca; Jà para as Batalhas chama; Jà Magna Palas a Fama A aclama; ja balas dâ; Para pagar clama jà; Galharda as fazanhas ama.

(ALCALÁ Y HERRERA, 1679, p. 6)

O caso inverso são os textos visuais que não operam como os seiscentistas, por meio de engenho. Um exemplo, que pode ter influenciado o uso dos elementos visuais na cultura ibérica, é o Bismillah, uma fórmula árabe para a frase bismi-llāhi r-raḥmāni r- raḥīm, significando: ―Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso‖. Primeiro verso do Alcorão, e de quase todas as suras que seguem, esses textos são escritos de forma estilizada de modo a aparentarem animais, frutas, prédios, barcos e outros, que estão antologizados por Cózar (1991).

Imagem 08: Bismillah em forma de tigre.

Temos então textos seiscentistas engenhosos não-visuais, que conviviam durante sua época ao lado de textos ditos visuais, e temos textos visuais de outros momentos históricos que não usam de engenho ou de modos de operar comuns às produções seiscentistas e que são, entretanto, agora colocados ao lado dos exemplares visuais seiscentistas. É o caso do poema Psiu, crítico do AI3 da ditadura militar, de Augusto de Campos (1999a). Ele tem um aspecto visual central, entretanto não compartilha do mesmo modo de operar dos poemas seiscentistas engenhosos.

Imagem 09: Psiu de Augusto de Campos.

O problema em se ater à visualidade como elemento fundante, é o equívoco de achar que todo texto com elemento visual tem-no como base de sua operação, o que permite metodologicamente ligar poemas engenhosos com poemas que não o são. Assim, surgem inúmeras comparações que tentam apontar uma linhagem entre os textos seiscentistas engenhosos e poemas visuais contemporâneos de propostas bastante diversas, numa espécie de "tudo que usa minimante um elemento visual é igual e opera da mesma forma". Este é o equívoco da tese de Hatherly e Cózar.

Acredito que mais adequado, como conceito norteador para compreender os poemas seiscentistas, sejam as noções de engenho e artefato, pois enquanto a noção de poesia-visual se atém a um caráter sensório-perceptivo do modo como os poemas são apresentados visualmente, a noção de difícil engenho pretende compreender-los pelo seu modo de operar com procedimentos retóricos e poéticos comuns a produção seiscentista20.

20 Este elemento de engenho não é estranho às análises de Hatherly e Cózar,

entretanto, ambos falham em não notar nele a base do tipo de obra que avaliam, provavelmente por suas preocupações com o fator visual. Hatherly parece explicitar em alguns momentos um elemento de fazer engenhoso quando trata de associar a "poesia-visual" seiscentista ao experimentalismo do Po-Ex, propondo que ambos são atos criativos em que o criador se propõe um

Pode-se argumentar que o fundamento visual é apenas "um" modo de olhar os poemas seiscentistas e que como qualquer escolha de categoria ela implica similaridades e divergências na formação de um conjunto. A escolha por outro conceito base não é nem melhor nem pior. Entretanto, argumento que, ao dar um enfoque no aspecto visual, torna- se fácil ligar a produção de poemas ditos "visuais" seiscentistas com outros poemas não-seiscentistas (de vanguarda p.ex.). Sendo assim, ao mesmo tempo, surge uma incongruência/distinção entre os exemplares da própria produção seiscentista, inclusive entre aqueles do mesmo autor, que funcionam de forma semelhante às produções visuais, mas não carregam esse traço imagético como necessário (novamente, o caso dos anagramas, ecos, lipogramas e afins). Ou seja, colocar a base no visual é compreender mal o próprio modo de operar dos poemas seiscentas, é ignorar ou desconhecer a técnica base utilizada para produção seiscentista e impor sobre esta um princípio atual anacrônico (válido como leitura, mas que não deve ser confundido com uma autocompreensão seiscentista).

Portanto, o visual da produção seiscentista é sempre engenhoso, sempre carrega alguma maquinação ou artimanha, como os poemas não visuais da mesma época. Não há visual não- engenhoso na produção seiscentista, diferentemente do que poderemos encontrar em certas obras vanguardistas (como poderiamos considera certas colagens ou só a espacialização textual). O termo engenho funciona como base tanto para poemas-visuais quanto não-visuais seiscentistas. Não só isso, é possível ainda compreender o visual como consequência de uma complexificação do engenho21. Palíndromos multiplicados e complexificados começam a se cruzar com labirintos ou

programa a seguir e, consequentemente o leva a cabo. Todavia, ela continua a denominá-los de poemas-visuais. Tanto Hatherly quanto Cózar levam esse elemento em consideração na primeira parte do seus respectivos livros ao intentar relacionar o modo de ler os poemas com leituras de tradição hermética ou cabalística.

21 Algo interessante a se perguntar seria: por que a complexidade extrema de

engenho leva à ou necessita de uma expansão material para dar conta desse procedimento? Ou: por que a complexidade de engenho está frequentemente relacionada com uma visualidade da obra? Essas perguntas não dizem respeito apenas aos poemas seiscentistas, mas podemos colocá-las também com relação a narrativas contemporâneas, como foi estudado por Cláudia Grijó Vilarouca em sua tese Narrativas Espacializadas Contemporâneas (2013), concernente ao elemento espacial de obras como La Vie mode d'emploi de Georges Perec ou Il

acrósticos, como é o caso do poema Vandera dedicada a Don Alvaro de Azpeytia, y Sevane, el dia en que recibiò el grado de Doctor en Bolona (Rengifo, 1759, p. 183):

Imagem 10: Vandera dedicada a Don Alvaro de Azpeytia, y Sevane, el dia en

que recibiò el grado de Doctor en Bolona.

Segundo Rengifo, o poema labirinto tematiza o jovem que, mais notável entre os outros que conseguem o mesmo grau de doutor, se converte em águia "símbolo da agudeza de engenho"(RENGIFO, 1759, p.183). Os três quintetos, no início, dão a indicação do engenho:

En esta ilustre Vandera Vandéase, como vès Y el que vandearle sabe, Eternizò su memoria Con estraña ligereza; Si en ella mil veces entra, Aquel, que en la edad primera, EN AVE De la cabeça à los pies, SEVANE. Mil veces hala, que alabe, Al principio de su gloria, De los pies à la cabeça, Porque mil veces encuentra Volò hasta la octava Esphera. Al derecho y al revès. A Sevane, buelta en Ave.

Trata-se de uma brincadeira engenhosa com o nome Sevane em forma do palíndromo "En ave Sevane" repetido inúmeras vezes através das 11 linhas em acrósticos (lido a partir do início), mesósticos (pelo meio) e telésticos (a partir do fim), lidos tanto verticalmente (em maiúsculas) quanto diagonalmente (nesse caso, em maiúsculas e em

tamanho maior), assim formando um labirinto-bandeira (a visualidade) em que "mil veces encuentra/ A Sevane, buelta en Ave". Em resumo, a sobreposição dos engenhos – anagrama, acróstico, mesóstico, teléstico – que se utilizados individualmente não necessariamente acarretariam uma visualidade forte, multiplicados e articulados juntos, produzem um labirinto, ou seja, uma visualidade construída através de engenhos, uma emergência dos engenhos.

O visual na produção seiscentista, não importa o quão extremo possa ser, é parte do engenho ou artifício de construção do poema. O valor dele está em poder dar conta de proporcionar um outro modo de compreender a obra que não se restringe ao linguístico-semântico. Ésse é o caso que podemos observar no poema de Pedro Pablo Pomar, publicado em 1689, intitulado Exclamacion a la muerte de la Reyna N.S. Doña Maria Luisa de Borbon, que Santa Gloria Aya (BIBLIOTECA NACIONAL DE ESPAÑA, 2008, p. 73):

Imagem 11: Exclamacion a la muerte de la Reyna N.S. Doña Maria Luisa de

Esse poema é, na realidade, um soneto em que certas letras foram removidas do verso e interpostas a cada dois versos que as compartilham. O leitor deve construir as palavras – juntar a sílaba interposta aos versos – , mexendo ou o papel ou seu próprio corpo, à medida que avança na leitura, até chegar no "n – A" que termina e une todos os versos. As sílabas interpostas entre os tercetos formam MARIA LVISA DE BORBON. Em geral, a parte escrita fala acerca da grandeza de Maria Luisa, lamenta a sua morte e o inevitável fim de todos, regido pelas leis do universo:

Gima el Ayre al Dolor Llore en tal Pena Sienta al vèr perecer Flor tan tenprana Pronuncie el Fuego en lenguas la Tyrana