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CAPÍTULO 00 (um ante capítulo)

1.1 RETÓRICA, POÉTICA E PRODUÇÃO INSTITUCIONAL

poderia ser melhor caracterizada como letrada, isto é, composta por homens de letras no sentido amplo, ou seja, aqueles que dominam um conjunto técnico e referencial para produção escrita, geralmente ocupando algum cargo entre o estado e o clero. É uma produção que estava longe das noções de belas-artes ou estética do século XVIII e das noções de gênio ou livre expressão que começam a surgir no fim desse período. A produção letrada do Seiscentos é uma produção institucionalizada tanto pelo binômio estado-igreja, textualmente presente no início das obras através de uma dedicatória a algum patrono ilustre e o imprimatur do Santo Ofício com permissões para publicação, quanto pelo binômio retórica-poética, na forma de um sistema técnico que reitera certos padrões e autoridades composicionais. Ou seja, são produções que, segundo João Adolfo Hansen:

Não conhecem a individuação expressiva do romantismo, pois operam com tipos, caracteres, ações e paixões precodificados de uma jurisprudência de imitação das autoridades dos vários gêneros, principalmente os latinos, Marcial, Pérsio, Lucano, Juvenal, Petrônio, Sêneca, que foram somados, no século XVII, aos autores imitados no XVI, Cícero, Horácio, Ovídio, Virgílio (HANSEN, 2008, p. 179).

Nesse sentido a institucionalização é um sistema tanto de prescrições retórico-poéticas – em geral de base aristotélica pautadas sobre um corpus de autores literários latinos, ao mesmo tempo que mantêm um forte diálogo com seus contemporâneos seiscentistas –,

ao modo de Wölfflin (1989b) existem teses que assumem o termo "barroco" como sinônimo de algum conjunto de categorias vagas permeadas pelos adjetivos como: confuso, caótico, fragmentário, excessivo, exuberante, decadente, etc. Deste modo, caracterizam como "barroco", por mera aplicação superficial dessas categorias, a objetos como filmes pop, o Time Square em Nova Iorque, jogos de computadores, cortes de cabelo e musculaturas de fisiculturistas; chegando mesmo a confundir ou identificar a noção de barroco com os fenômenos dito "pós-modernos" (como se pode observar nos trabalhos de Christine Buci-Glucksmann, Timothy Murray e Omar Calabrese).

quanto pressupostos teológico-políticos partilhados por autores e público a partir dos quais o letrado pode compor; e o público, apreender o discurso (HANSEN, 2008). Não há segregação entre os fatores social- pragmático e teológico-político e as prescrições do sistema retórico- poético, seja na formalização estrutural das obras, seja nos modos de representar aquele de quem se fala, de onde se fala e para quem se fala. Há uma adequação do modo textual ao local e situação de elocução. Assim, como explica Hansen:

Os estilos das representações formalizam posições hierárquicas a partir das quais os efeitos se tornam adequados aos temas tratados e circunstâncias contemporâneas do seu consumo, podendo-se afirmar que o decoro retórico-poético que as regula também é decoro ético-político que ordena as posições hierárquicas representadas e suas recepções (HANSEN, 2008, p. 182).

O sistema institucional pode ser considerado uma prefiguração normatizada do que pode o letrado, não como uma restrição absoluta, mas uma potencialidade do fazer em que o construto engendrado estará em plena associação com seu contexto, tanto materialmente quanto socialmente, em que o êxito está em dominar e articular bem com o sistema de regras, referências e a situação do discurso, torcendo-as, permutando-as e combinando-as ao modo possível, com o intuito de ser inventivo, de lograr a invenção. Para isso é importante compreender que instituição retórica como técnica não significa univocidade, mas uma multiplicidade de meios, métodos notórios ou de uso escolar (ao estilo de manuais de exercícios), e autores gregos, romanos ou contemporâneos, abrangendo o Anónimo da Rhetorica ad Herennium, Cicero, Quintiliano, Cipriano Suárez, Francisco Leitão Ferreira, Alonso López Pinciano, entre outros tantos. Trata-se de um corpus heterogêneo que compreende disputas e polêmicas. Desta forma não há uma autoridade absoluta, mas proliferação de auctoritas, cujos juízos sobre discursos empíricos determinam o que há de ser emulado e reiterado dentro de um sistema em constante mudança. Trata-se de pensar a escrita de uma forma plenamente técnica e mundana, próxima aos fazeres e ofícios, de modo que esta, seja compreendida como uma técnica para elaborar artefatos textuais. A partir daí, o elemento valorativo está no domínio da técnica e na capacidade de articular as prescrições e elementos dentro do contexto. O "ser engenhoso", consiste

em fazer bem, em ser inventivo de modo a construir algo inusitado a partir daquele sistema. Como produção técnica, o fazer retórico compreende no conceito de emulação e de engenhosidade a superação da produção já existente através do mesmo sistema, trata-se de brincar com as regras e referentes de modo inventivo ou inusitado (porém, ainda dentro do sistema). E este modo de fazer pressupõe que a recepção também seja institucionalizada, como coloca Hansen:

os juízos da recepção também são normativos ou reprodutivos de regras: obedecem a padrões institucionais de ordenação e consumo das representações, refazendo, na leitura e na audição, os procedimentos aplicados à sua inventio (HANSEN, 2008, p. 211).

Logo, a institucionalização seiscentista denota um sistema em que ambos os eixos – produção e apreensão – estão submetidos às mesmas regras ou sistema técnico. Isso significa que: "O público culto formado por esses padrões aplicava duplo critério à recepção: lia o efeito, esperando as novidades agudas, mas também lia a técnica aplicada para produzi-las" (HANSEN, 2002a, p. 62). Ou seja, a recepção também implica conhecer, aplicar e julgar os modos e meios técnicos de operação retórico-poéticos. O público lê o engenho, lê o modo de funcionar da obra. Fato que está presente na própria noção de retórica apresentada, na obra de Aristóteles, não como técnica para persuadir ou aprender a persuadir, mas como a habilidade de perceber os modos possíveis de persuasão. Ou seja, trata-se de uma técnica tanto para produzir quanto para perceber e mapear aquilo que há e o que é possível (ARISTOTLE, 2007). Nesse sentido, a recepção retórica não é tanto um ato de receber efeitos e sensações passivamente, mas é, sobretudo, uma ação ativa que lança mão das mesmas regras e procedimentos que a produção, sendo talvez melhor caracterizada como uma apreensão. E é o que podemos ver no Labirinto Cúbico de Anastácio Ayres de Penhafiel, havendo uma necessidade de apreender o modo de operar para poder "ler" ou "receber" o poema. Há uma espécie de engenharia reversa ou conhecimento das funcionalidades dos procedimentos técnicos de composição em que:

No corpo efetuado se lê ou vê também a representação do processo produtor do efeito, ou seja, a presença de um mecanismo óptico que recicla as tópicas do ut pictura poesis horaciano e

que faz o destinatário discreto lembrar-se do elenco de ações e da seleção feita pelo juízo do autor da representação quando calculou as distâncias adequadas para a observação da imagem, o número de vezes que deve ser vista e a maior ou menor clareza correspondente ao estilo aplicado. O mesmo mecanismo se acha nas letras como cálculo dos efeitos. As anamorfoses da pintura, por exemplo, correspondem às alegorias enigmáticas da poesia e da prosa (HANSEN, 2008, p. 206).

E nesse sentido, não há uma segregação autor-leitor, trata-se meramente de ocupar uma posição em um evento, em que ora eu crio, ora eu decifro, e no qual ambos envolvem a mesma potência engenhosa do humano. Não há nesse sentido uma negatividade do regramento técnico (como seria visto e criticado por autores iluministas e românticos). Ele se converte em potência como uma base para criar e apreender. Ademais, esse sistema não compreende a preponderância de um autor ou leitor, já que tanto o ato de produzir quanto o de apreender se encontram no mesmo patamar da tentativa de ser engenhoso. Isso quer dizer que há a diluição da noção de sujeito-objeto por uma relacionalidade do ato de compor e o de decifrar. Podemos então compreender o fazer poético seiscentista como um procedimento institucionalizado, em que a institucionalização – teológico-monárquica e retórico-poética – coordena o dizer, agir e perceber humanos, codificando-os materialmente nas obras literárias. E esse coordenar do ser humano é o que podemos chamar de uma artificialização do humano que permeia todos os estratos da sociedade seiscentista.

Se estamos em uma sociedade em que a artificialização é o modo pleno de ser e agir então pode-se compreender que o ato de construção seiscentista não é o de mostrar ou de exibir um conceito como "verdade" ou "sinceridade", mas de construir um artifício ou artefato que dramatiza esse conceito:

Em todos os casos, as paixões nunca são expressivas ou psicológicas, mas retóricas, decorrendo de uma racionalidade formalizada numa técnica objetiva e assimetricamente partilhada de produzir efeitos. Não se trata nunca de exprimir conceitos, mas de teatralizá-los (HANSEN, 2008, p. 206-207).

Temos então que toda obra é construto, é artefato complexo e regrado que, uma vez compreendido seu engenho – modo de funcionar ou operar – , necessita do leitor uma co-ação em que ele performatiza a obra tornando-a viva através do ato. O "mostrar" da obra seiscentista é um co-agir dentro dos parâmetros retórico-poéticos empregados.

É essa base técnica – de produção e apreensão – que permite um deslocamento da obra de seu meio original. A técnica garante um fator reiterável mundano para produção letrada, ou seja, para construir e apreciar obras letradas não se necessitava de uma genialidade ou superioridade extra-mundana, mas sim o domínio de um corpus de procedimentos e elementos – autores canônicos, lugares comuns, etc. – a serem re-utilizados, muito ao modo de um ofício material qualquer. É esse elemento técnico também que permite uma convergência de produções de localidades distintas, desde que produzidas dentro do mesmo sistema, como já foi aludido, entre a colônia brasileira, Portugal e a Espanha e suas colônias. Assim, pensando a colônia brasileira, Hansen afirma:

Esquematicamente, a representação colonial pode ser descrita como resultado de processos técnicos ―lingüísticos, retórico-poéticos, bibliográficos― e doutrinários ou teológico-políticos de integração e subordinação de diversos e diferentes códigos culturais, europeus, orientais, africanos e indígenas, adaptados às circunstâncias locais e deformados como valores-de-uso específicos das adaptações. Pressupondo-se a sincronia do Brasil e das colônias africanas e asiáticas de Portugal e a circulação de modelos retórico-poéticos da Espanha e suas colônias americanas, mas também de Roma e Nápoles, da Savóia, da Bavária, da Áustria, da França e da Europa central, no século XVII, a internacionalização dos esquemas da racionalidade de Corte das monarquias e principados católicos produzida principalmente pelas ordens religiosas, mas também pelo contrabando, circulação, cópia e deformações locais de textos manuscritos, impressos, gravuras, livros de empresas e emblemas etc., faz com que os letrados e os artesãos do Estado do Brasil e do Maranhão e Grão Pará conheçam a mesma referência retórico-teológico-política de base

quando transformam poeticamente as matérias formais e informais dessas regiões. O que se evidencia, por exemplo, quando se comparam poemas satíricos de autores contemporâneos da

auctoritas Gregório de Matos, como Caviedes, no

Peru, e Sor Juana, no México, que não chegaram a ter conhecimento uns dos outros (HANSEN, 2008, p. 193).

Ou seja, a arte como conjunto técnico – e, portanto, passível de transmissão e reiteração – permite uma movimentação maior de seus modos e métodos de fazer. Tal pode ser notado comparando certos padrões de composição compartilhados por vários autores de localidades bastante distintas. Um exemplo seria o léxico e comparações comuns de poemas amorosos de origem petrarquista – palavras como: céu, sol, alma, luz, divino, puro, arder, como também construções que comparam os lábios da amada a cravos, os dentes a pérolas e assim por diante – presente em Luís de Camões, Luis de Góngora, Francisco de Quevedo, Lope de Vega, D. Francisco Manuel de Melo, Gregório de Matos, Manuel Botelho de Oliveira e tantos outros13. Não significa que os autores teriam contato com qualquer espírito ou unicidade transcendental nem mesmo que teriam necessariamente conhecido uns aos outros, mas, sim, que partilham dos mesmos códigos de produção material.

Porém, a técnica retórica não deve ser pensada como uma normalização estanque absoluta. Ela é sim, lembrando Aristóteles, uma potencialidade tanto para perceber quanto para fazer, e nesse sentido ela é relacional. As construções letradas codificam – preveem/compreendem – a sua recepção dentro de um sistema. Os gêneros e estilos específicos, longe de tipos atemporais, são: "protocolos que classificam e hierarquizam as matérias tratadas segundo usos particulares"(HANSEN, 2008, p. 183), tendo presente materialmente a recepção específica de cada gênero e o contexto de sua produção e recepção, ou seja, os gêneros localizam a situação e hierarquia do discurso, prevenindo que, por exemplo, "uma desqualificação epidítica formulada em circunstância polêmica seja tomada como informação verdadeira"(HANSEN, 2008, p. 183). Sendo assim, a retórica

13 Mais evidente ainda como a presença de composições em português e

castelhano de tantos letrados, como Gregório de Matos, Francisco Manuel de Melo, Violante do Céu, Alonso de Alcalá y Herrera, entre outros.

compreende que o discurso seja sempre recebido e julgado a partir de seu local de elocução.

Em uma época em que se proliferaram justas poéticas, academias literárias, reuniões em conventos e toda sorte de festividades em que o fazer letrado era parte comum, há uma artifícialização situacional do dizer que é assim compreendida pelos espectadores, como uma dramatização sempre dentro de um contexto, ou seja, jamais como realidade "direta" ou "sincera", mas sim artificializada. Logo, o fazer letrado era uma dramatização performática, regido por ocasião.

Dentro da retórica, a obra é um artefato de valor relacional em que as partes são construídas como uma totalidade em função de um fim. O conceito de aptum ou decoro encerra justamente essa ligação das partes que compõem o todo do discurso ou que estão conectadas a ele de alguma forma, o que vem a incluir tanto elementos internos, como a construção verbal, a matéria, a causa, a disposição das ideias, etc., quanto elementos externos como o público, o tempo, o local, etc. (LAUSBERG, 1998, §258, §1055). Heinrich Lausberg (1998, §1159) coloca quatro aptum para a obra de arte. Esta teria um aptum com relação à ars (ou arte como conjunto técnico, tradição e modo de fazer), com relação ao artifex (ou artífice), com relação ao actio, (i.e. com relação à sua execução e o público desta), e um aptum com relação ao entorno ou a realidade (remetendo às propostas miméticas de Poética de Aristóteles). A obra sempre teria um aptum social-pragmático com relação ao seu ambiente. Mais do que pensar as partes de modo independente, trata-se de pensá-las como um todo de relações interdependentes (o local influi na escolha de léxico, a instrução do público influi no tempo, etc.). E aí existe a noção da construção de um artefato em que todas as partes – internas e externas – estão plenamente relacionadas e devem ser construídas, apreendidas e julgadas nessa complexidade. Há uma noção de interdependência – relacionalidade – de todas as partes da ação discursiva. Não se trata de "harmonia" no sentido abstrato do termo, mas de prescrições pragmáticas para construção. Por exemplo, trata-se de saber que: o que é engenhoso na situação X será vulgar na situação Y; que um texto a ser lido em público necessitará de redundância e repetições ao modo oral; que em um texto judicioso é necessário o léxico Z; que existem métodos para prevenir tédio, ou que, em alguns momentos, são permitidos procedimentos que serão execrados se utilizados em outros, etc.

É importante marcar a retórica como um sistema de valor fortemente relacional em que a obra é regida por decorum e ocasião, em que o construto também será produzido e apreendido com estes fatores

em mente, isto é, o valor que é atribuído à obra não é absoluto, mas depende de fatores institucionais e situacionais de sua performance. Isso é compreendido tanto em obras que hoje temos por "boas" quanto por "ruins", pois a produção seiscentista era retórica e produzia com os conceitos retóricos em mente, diferente, por exemplo, de um poema romântico que é compreendido por seu executor e receptor como a expressão de um sentimento verdadeiro, que deriva valor da sinceridade ou autenticidade do que é dito (valores num sistema que foca sobre expressão de um Eu)14. A autocompreensão seiscentista está inscrita e compreendida no ato de fazer através das prescrições retóricas e é sempre subentendida na produção letrada (poemas, sermões, teatro, etc.).

Em um exemplo, a composição de um romance ou uma décima espinela carrega marcas textuais ligadas à execução oral, como a redundância e um léxico mais simples. Trata-se de um "como se" escrito para uma festa ou celebração, feito para ser recitado em público. Sendo assim, era geralmente composto em redondilhas, com repetições de palavras ou versos – lançando mão de lugares e frases comuns ao público – e sintaxe e léxico simplificados para que o poema fosse recebido e compreendido na situação pública da leitura oral, propensa a ruídos, em que o público poderia ouvir melhor ou pior uma parte, e não teria chances de retornar trechos, nem de estudar melhor uma passagem específica. Em contrapartida, a composição de sonetos, com sintaxe e léxico elaborados, geralmente lança mão de hipérbatos ou sínquises, ou procedimentos de disseminação e recolha de termos, paralelismos, quiasmos e outros elementos retóricos que necessitam de atenção para serem apreendidos pelo público, pois se apresentam, principalmente, como objetos para serem lidos (HANSEN, 2004).

Outro exemplo é caso dos Sermões do Padre Antônio Vieira. Alcir Pécora (2005), em seu ensaio Para ler Vieira: as 3 pontas das analogias nos sermões, explica que Vieira, como todo pregador de seu tempo, ao compor seus sermões, deveria, entre outras coisas, levar em consideração três elementos analógicos básicos os quais se ignorados na recepção do sermão, acarretarão certa perda de sentido para o leitor, ou pelo menos uma descontextualização:

A técnica básica a que me refiro é a de estabelecimento de analogias entre três linhas

14 Tal é a proposta, por exemplo, de William Wordsworth no prefácio de sua Lyrical Ballads, With Other Poems (1800).

semânticas necessariamente envolvidas no sermão: primeira, a das comemorações do ano eclesiástico ou litúrgico (tempo santo); segunda, a das passagens escriturais do Evangelho do dia, definidas, por sua vez, pelo calendário litúrgico; terceira, a das circunstâncias presentes na enunciação do sermão, entendidas como circunstâncias do tempo comum ou histórico do sermão, que, segundo a ortodoxia católica, não nega, nem está em contradição com o tempo santo (PÉCORA, 2005, pg. 30).

São inicialmente elementos não "materiais", como poderia ser o metro do verso ou seu léxico, mas ainda assim são pressupostos na técnica situacional de composição e compreensão dos sermões (como modo de funcionar destes) e que serão a base para as construções materiais – metáforas, analogias, parábolas, etc. – do sermão.

São esses elementos retóricos que obedecem certa lógica da produção técnica para que o artefato construído – o poema ou, no caso, o sermão – fosse adequadamente recebido. Não se trata de saber como o poema foi feito ou se ele foi realmente composto oralmente ou escrito, mas de identificar um padrão de composição em que um romance, se escrito, foi elaborado para mimetizar a oralidade e um soneto, se oral, foi composto para mimetizar a escrita. Ou seja, um romance escrito textualiza a situação da oralidade, ele textualiza a composição e a recepção (HANSEN, 2004).

A institucionalização de modos e motes significa também que para compreender certos versos é necessário o conhecimento do contexto no sentido ideológico – no sentido da ocasião. É o caso deste quarteto composto por Quevedo em sua juventude:

Aqui yace Mosén Diego, A santo Antón tan vecino Que huyendo de su cochino Vino a parar en su fuego. (QUEVEDO, 1992, p. 47)

Se hoje esse poema nos parece alusivo, no Seiscentos, era possível entendê-lo até mesmo sem o auxílio da didascália (essa acaba por marcar posteriormente um grau de oralidade e situação da elocução de forma textual), adicionada por um editor – "A un Cristano nuevo junto al altar de san Antón" – como uma sátira contra os "cristãos

novos". É necessário o auxílio de um editor e pesquisador como James O. Crosby (QUEVEDO, 1992) para esclarecer alguns pormenores desse