• Nenhum resultado encontrado

2 CONCEITUAÇÕES, NATUREZA E FINS DA AVALIAÇÃO: do campo das políticas públicas ao educacional

2.2 O Estado Avaliador e as políticas educacionais

A partir da década de oitenta, a avaliação assume centralidade no contexto de governos neoconservadores. Muitos estudiosos que empreendem pesquisas nas áreas de políticas, gestão e educação passaram a usar a expressão Estado Avaliador, na condição de

6 Conforme esclarece Heraldo Vianna no livro Fundamentos de um Programa de Avaliação Educacional ( 2005,

p.149) os testes padronizados foram amplamente usados nos EUA.A expressão standards significa padrões.

crítica às concepções e usos da avaliação no campo educacional. Dentre estes faz-se referência nesta pesquisa Afonso em virtude dos estudos empreendidos sobre a avaliação nas reformas educacionais implementadas nos EUA, na Inglaterra, na Espanha e em Portugal.

No Brasil, entre os renomados autores que usam a nomenclatura “Estado Avaliador”, faz-se referência especialmente, aos autores José Dias Sobrinhos e Dilvo Ristoff, que desenvolvem projetos e pesquisas sobre avaliação institucional.

Afonso (2002) esclarece que a linha evolutiva das teorias de avaliação fundamentadas em bases epistemológicas antipositivistas e pluralistas retoma, contudo sob a hegemonia dos governos neoconservadores e neoliberais, a mesma dimensão positivista, então evidenciada pela ênfase em indicadores mensuráveis e no produto, em prejuízo da avaliação do processo.Esta é uma característica do Estado-Avaliador.

A leitura das diversas concepções de avaliação citadas anteriormente, prioritariamente das concepções, natureza e fins da avaliação expressas pelos Organismos Internacionais, tais como UNICEF e ONU, evidenciam bem a centralidade da avaliação nas políticas governamentais, sobretudo, a racionalidade quanto às novas funções do Estado no tocante à avaliação.

Na crítica de Afonso (2002, p.49), a expressão Estado Avaliador,

quer significar, em sentido amplo, que o Estado vem adoptando um ethos

competitivo, neodarwinista, passando a admitir a lógica do mercado, através da importação para o domínio público de modelos de gestão privada, com ênfase nos resultados ou produtos dos sistemas educativos.

Corrobora neste sentido José Dias Sobrinho ao afirmar que na “ visão dominantemente economicista dos Estados Contemporâneos, tanto em países ricos da Europa, como nos países pobres da América Latina, as instituições de educação superior devem agora ser instrumentos da mundialização econômica, ajustar-se aos sistemas macroeconômicos neoliberais e realizar com mais eficácia sua relação com a indústria e com a transferência de conhecimentos.”.(DIAS SOBRINHO, 2002, p.20). Nessa perspectiva torna-se desafiante a reflexão sobre o conceito de Estado, diante de múltiplas possibilidades conceituais e de contraditas Teorias de Estado, o que complexifica ainda mais a análise dos processos de elaboração e implementação das políticas educacionais, em que se encontram as políticas de avaliação. Muitas delas demandam na perspectiva de implementação de uma cultura gestionária ou gerencialista do setor público novas formas de controle e responsabilização.

Por efeito, a criação de indicadores de desempenho ou performances está condicionada à definição clara de objetivos da avaliação. Entende-se que os indicadores são categorias de análise construídas para facilitar a recolha de informações sobre os componentes do processo e do sistema educativo. Seu grau de legitimidade vincula-se estritamente aos objetivos. Por outro lado, a indefinição de fins e objetivos que se presta à avaliação condiciona a sua validade.

Pode-se dizer que a construção de indicadores deve ser exeqüível (operacionalizável) de forma a viabilizar a coleta de informações úteis para apoiar os processos decisórios no âmbito das políticas e ou da gestão. Assim, a construção de um sistema de indicadores busca fornecer informações e referência sobre os diversos componentes de um sistema educativo, mas também busca fornecer informações sobre o como esses componentes se interrelacionam no sistema. É preciso também verificar a dinâmica entre os componentes e destes com o todo (Afonso, 2002). Assim, os indicadores são utilizados também para apoiar os sistemas de responsabilização (accountability).

Afonso (2002, p.50) critica o uso da avaliação nas ideologias neoliberais.Para ele a avaliação foi usada como:

meio de racionalização e como instrumento para a diminuição dos compromissos e da responsabilidade do Estado.Neste sentido a avaliação passou a servir como instrumento de desregulação social e foi uma forma de introduzir a lógica de mercado na esfera do Estado e da educação pública.Aliás, a tensão inerente à avaliação como mecanismo de regulação e, simultaneamente, como mecanismo de desregulação, foi uma das expressões mais características das políticas reformadoras da chamada nova direita.

Isto revela a complexidade do debate sobre as teorias de Estado, que nas palavras de Afonso (2002), até mesmo as teorias focadas na autonomia relativa do Estado tendem ao anacronismo em virtude do processo de decomposição do conceito de Estado- providência (concebido como a forma política do Estado capitalista democrático) e do trabalho de inculcação simbólica que afirma a inevitabilidade da globalização neoliberal 8. Na sua concepção é preciso encontrar teorias que “permitam explicitar a redefinição do papel do Estado e a sua relocalização tendo em conta as novas e múltiplas condicionantes emergentes da atual reestruturação do capitalismo a nível global.” (Afonso, 2000, p.20).

Nas proposições de Santos (1998, p59) “sob a mesma designação de Estado está a emergir uma nova organização política mais vasta que o Estado, de que o Estado é o articulador e que integra um conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações em que se

combinam e interpenetram elementos estatais e não estatais, nacionais e globais”. Tal fato sinaliza a existência de uma nova organização política e configura o surgimento das categorias quase-mercados. Os quase-mercados podem ser concebidos como “uma espécie de ex libris do caráter híbrido público/privado, Estado/mercado, inerente às políticas adoptadas na fase de expansão neoliberal ” (AFONSO, 2000, p22).

Nessa abordagem, a avaliação serve a diferentes fins, como na polarização regulação e na des-regulação. Ao mesmo tempo que isenta e desregulamenta o Estado da responsabilidade diante do desempenho dos seus prepostos e dos serviços públicos, objetiva também, noutra perspectiva centralizar o controle, ou seja, regulamenta na ótica das reformas educacionais aferindo meramente resultados.

Na sua ótica de Afonso (2002) o Estado “transfere responsabilidades e funções para novos atores sociais e induz a emergência de novas representações e concepções em torno do bem-comum e do espaço público”.(Afonso, 2000, p 21) .

Nesse sentido, observa-se como características das políticas nos campos econômico, social e educacional a promoção de “mecanismos de mercado no interior do espaço estrutural do Estado, liberalizando e promovendo pressões competitivas entre serviços, transformando os utentes em clientes, privatizando, adoptando instrumentos e princípios de gestão baseados na racionalidade instrumental, subordinando os direitos sociais às da eficácia e da eficiência etc.”

Intensifica-se, então, a criação de diferentes mecanismos de regulação e controle. A avaliação institucional pode estar situada neste cenário, a considerar o uso que dela se faz quando desenvolvida na perspectiva exclusiva de avaliação de resultados e de estímulo à competitividade institucional.

A crise de legitimação do Estado propicia descentrar a demanda relativa aos direitos a uma pluralidade de novos atores coletivos não-estatais, que se transmutam em parceiros assumindo parcela de responsabilidade na consecução de objetivos públicos antes de exclusiva atuação estatal. Por esta razão as parcerias constituem-se no eixo fundamental na elaboração e implementação de políticas educacionais sem, contudo diminuir o poder de regulação do Estado em novos moldes.

Como já mencionado, é a partir dos anos oitenta que se confere maior visibilidade às formas e modelos de responsabilização convergentes aos princípios e valores das políticas econômicas neoconservadoras e neoliberais emergentes no contexto histórico de países como Estados Unidos da América e Inglaterra (Afonso, 2002).

A avaliação de sistemas de ensino associa-se à responsabilização pelos resultados escolares e pelos usos de testes estandardizados. Dentre os impasses subjacentes aos modelos de responsabilização destaca-se a tendência de implementar técnicas de gestão que priorizem a produção de resultados.Também nas décadas de oitenta e noventa são emergentes as ideologias da qualidade total no campo empresarial que seguem a tendência de transposição linear para o campo educacional.

Os modelos adotados de avaliação em diferentes sistemas educativos constituem-se, em sua grande maioria, em formas híbridas que conjugam os modelos ditos típicos ( ideais/conceituais) de avaliação anteriormente mencionados.

Para alguns autores o conceito de responsabilização é neutro, não revela de per si um juízo de valor: nem é boa e nem má por si só. Em outra perspectiva, há autores que explicitam os simulacros a que estão sujeitos os modelos de responsabilização, e que a educação democrática não pode ser sucumbida pela coercitividade dos conceitos de eficiência e pela prestação de contas na lógica do mercado. Assim, nesse sentido “ o conceito de responsabilização ( ou de prestação de contas) é um constructo social”(AFONSO,2002, p.44). Há diferentes modelos de prestação de contas que servem também às diferentes conjunturas.

Afonso esclarece que a expressão accountability pode indicar às vezes apenas a existência de um sistema de divulgação púbica da informação sobre as escolas e os seus resultados sem implicar necessariamente qualquer imputação de responsabilidades, ou exigir atos de justificação pedagógica ou administrativa. Portanto, a expressão accountability não implica obrigatoriamente efetiva imputação de responsabilidades seguidas de formas de justificação.

Grosso modo podem ser identificados, conforme menciona Deborah Willis (1992), três modelos de responsabilização: o modelo de responsabilização profissional (professional accountability), o modelo gestionário-burocrático de responsabilização (management accountability) e o modelo de responsabilização fundamentado na lógica do mercado ( market accountability).

No modelo de responsabilização profissional, que busca fundamento na epistemologia genética e filosofia na humanista, as formas de avaliação almejam atender aspectos de maior complexidade cognitiva, social e cultural. Valoriza-se nesse modelo o fato de o desenvolvimento cognitivo se processar gradualmente através de uma ação interativa com o contexto e, por sua vez, o professor é reconhecido como o elemento fundamental na promoção de uma aprendizagem que se constrói na inter-relação dos aspectos afetivos, cognitivios e psicomotores.

Já o modelo de responsabilização baseado na lógica do mercado, conforme Afonso (2002, p.45)

tem como um dos seus pressupostos ideológicos o que vários autores têm designado por individualismo possessivo.Em termos genéricos, assume-se que os indivíduos são proprietários não só dos seus bens materiais mas também das suas próprias capacidades,devendo ser livres para as pôr em prática numa sociedade composta por outros indivíduos iguais e igualmente livres.

Nesse modelo prefere-se as formas de avaliação quantitativas, como por exemplo as utilizadas em testes estandardizados, que buscam propiciar a medição e a comparação dos resultados obtidos. A divulgação dos resultados ou produtos escolares é condição fundamental.

O modelo gestionário-burocrático atribui grande relevância às estruturas hierárquicas.Nele também são enfatizadas as formas quantitativistas de avaliação; no entanto, não se faz obrigatória a difusão dos resultados. Para Afonso (2002), é característica desse modelo a justificação desses resultados recair sempre nos gestores sendo ou não feita a divulgação e publicitação dos resultados.

Afonso critica fortemente os modelos gestionário-burocráticos e de responsabilização baseados na lógica do mercado. Para ele esses modelos trazem como um dos fatores de risco a implementação de técnicas de gestão que visem apenas à produção de resultados priorizando-se desta forma os meios em detrimento dos fins da educação. Neste aspecto, a qualidade total, denominada como uma “ideologia organizativa [...] pode conter, dados os seus pressupostos, uma forte tendência para esse enviesamento. A eventual pretensão, por parte dos órgãos de gestão, em atingir uma qualidade total pode conduzir, em determinadas condições, a um controlo severo da organização escolar que anule os espaços de relativa autonomia decorrentes da sua especificidade organizacional” (AFONSO, 2002, p.47).

Corrobora nessa proposição Dias Sobrinho (2000, p.13) ao afirmar que a qualidade total carrega um “forte peso ideológico que não se coaduna com o pluralismo, a autonomia e o espírito crítico da Universidade. O selo de ISO 9000 é reconhecimento de desempenhos conformados a padrões controláveis e estabelecidos. É rejeição da crítica e da transformação, dois princípios essenciais da educação”.

Os impasses no tocante à construção de modelos de responsabilização situam- se quanto à forma de recolha de informações e aos seus usos, o que pressupõe necessariamente a definição primeira de objetivos e fins da educação, especialmente na esfera pública.

Como já mencionado, discutir a avaliação, seus conceitos, sua especificidade, suas funções e sua validade implica também desnudar o caráter ideológico do seu pseudo neutralismo. Há que se identificar suas raízes, interfaces, conexões e critérios a fim de que sejam bem aproveitados seus resultados.

Nas palavras de Dias Sobrinho (2002, p.22) há duas perspectivas de avaliação que aparecem em permanente relação de tensão. “ Uma enfatiza a dimensão técnica e objetiva, se propõe isenta de valores e tem uma função controladora. A outra se assume como política e ética, portadora e afirmadora de valores públicos e democráticos e se vincula à universidade concebida como instituição comprometida com a sociedade ”.

Assim, podem ser observadas tendências gerais de mudanças da avaliação, mesmo considerando de um país para outro, as especificidades e diferentes formas de implementação. “Tampouco se pode dizer que as metas do ‘Estado Avaliador’ tenham sido amplamente cumpridas, em termos de elevação de qualidade, da relação eficaz e ajustada com o setor produtivo e, sobretudo, relativamente à diversificação de recursos que em boa parte pudesse substituir o financiamento público” (DIAS SOBRINHO, 2002, p.20).

A avaliação institucional adquire nesse cenário um caráter ético-político, pois não se trata apenas de implementar técnicas supostamente neutras de avaliação, mas é preciso reconhecer que a avaliação ocorre neste contexto de tensões e de conflitos tanto políticos quanto ideológicos.

Outline

Documentos relacionados