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O Projeto Floração e o Projeto de Intervenção Pedagógica (PIP)

O problema da repetência nas escolas tem sido um problema inerente ao sistema seriado. As tentativas de corrigi-lo, segundo Arroyo (2000), sempre foram pontuais e com resultados mínimos. As motivações são diversas, como melhorar o fluxo escolar, corrigir defasagem entre idade-série, reduzir custos.

A aceleração de alunos considerados defasados tem sido uma das propostas normalmente apresentadas para resolver o problema da repetência. Às vezes com a justificativa de que se pretende melhorar a qualidade da escola ou elevar o índice de aprovação (ARROYO, 2000). Esses objetivos tímidos têm gerado propostas superficiais, incapazes de solucionar de fato o problema.

Atualmente, na RME-BH, estão em desenvolvimento dois programas de aceleração. O primeiro foi organizado para alunos do 3º ciclo do ensino fundamental que, segundo a concepção predominante entre os gestores da Smed-BH, encontram-se em defasagem idade- série; o outro visa alunos, também do ensino fundamental, que, segundo a mesma concepção, encontram-se em dificuldade de aprenderem a Língua Portuguesa e a Matemática.

Os termos “defasagem idade-série” e “dificuldades de aprendizagem” são utilizados hoje entre gestores e, às vezes, por alguns docentes que desenvolvem os programas nas escolas com o objetivo de justificá-los, sem a menor criticidade. Observa-se que a centralidade é toda colocada nos conteúdos a serem ministrados em sala de aula e na prática do “professor explicador”, como se tais conteúdos e procedimento fossem algo dado, natural. O menino é visto apenas como o aluno que não foi capaz de aprender de acordo com o ritmo e com o tempo também considerado natural: o ritmo e o tempo do sistema seriado. O adolescente, sua realidade, a precariedade do seu viver, sua trajetória humana, sua origem social, seu gênero, sua etnia não têm relevância alguma, embora a maioria deles seja homens, pobres, negros.

O Projeto Floração, que inicialmente recebia o nome de Projeto de Aceleração da Aprendizagem, foi criado e introduzido na RME-BH no final de 200926 e se destinava aos alunos com idade entre 15 e 19 anos e que ainda frequentavam o Ensino Fundamental. Os alunos foram atraídos com a promessa de receberem, no final de 2010, o certificado de conclusão do Ensino Fundamental, independente da sua série de origem.

As turmas são organizadas com 20 a 30 alunos e, para cada turma, a Smed-BH contrata um professor pertencente ao quadro de docentes da RME-BH pelo sistema de extensão de jornada27. Um único professor é responsável por todas as disciplinas ministradas no projeto. O material didático é fornecido pela Fundação Roberto Marinho e consiste nos DVDs e livros do Novo Telecurso em formato de teleaulas.

Na maioria das escolas, o Projeto Floração funciona no noturno. Em 2009, as escolas tinham liberdade para funcionar também no diurno, mas seguiam rigidamente as teleaulas. A cada módulo, os alunos estudam duas disciplinas. Em geral, são exibidas duas teleaulas diárias e resolvidos seus exercícios. As aulas têm o seguinte formato: 1º momento: os alunos são orientados a fazer um memorial narrando o seu dia (com introdução, desenvolvimento e conclusão). Em seguida, o professor oferece uma explicação breve sobre os temas das teleaulas. 2º momento: exibição das teleaulas no Data Show e, depois, os alunos são orientados a fazer as atividades do livro. No final, quando há tempo, professor e alunos avaliam a aula do dia. Os professores que atuavam na escola pesquisada disseram que esporadicamente eram autorizados a fazerem adaptações e saírem do esquema determinado.

Quase todo material de uso diário fica sob o controle do professor, que o distribui no início de cada aula e o recolhe no final: livros, cadernos dos alunos, lápis e borracha; exceto apontadores e réguas.

As teleaulas são filmagens antigas, as palavras exibidas28 são escritas de acordo com as antigas regras ortográficas e nem sempre são corrigidas em sala de aula. Os mesmos problemas se repetem com os livros. Uma professora da escola pesquisada disse que já identificou problemas conceituais em um dos livros e fez a correção com os alunos. Ela alega, porém, que fica preocupada porque, como a sua formação é específica em Língua Portuguesa, não tem como identificar problemas conceituais das outras disciplinas e nem como corrigi-los durante as aulas.

O Projeto de Intervenção Pedagógica (PIP) é recente, teve início em 2009 e visa os alunos com dificuldades de aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática. A Smed-BH contrata o professor da disciplina, que já atua na RME-BH, em sistema de extensão de jornada para ministrar aulas de reforço, tal como faz com os docentes que ministram as aulas do Projeto Floração. Os alunos são indicados pelos professores das referidas disciplinas, com a participação da coordenação pedagógica da escola.

27 A extensão de jornada ou dobra é um expediente comum na RME-BH. A PBH contrata professores

concursados e lotados nas escolas, com um turno de trabalho, para estender ou no máximo dobrar sua jornada de trabalho. O contrato dura até um ano e pode ser prorrogado de acordo com a necessidade das escolas.

As turmas chegam a ter no máximo 12 alunos e têm duas aulas de uma hora e trinta minutos por semana para cada disciplina29. Em 2009, tinha esse formato, de acordo com o número de alunos e grupos de cada escola, mas a proposta da Smed é 1h/aula por dia, com 4 aulas por semana. Geralmente, nas terças e quintas-feiras no contraturno; ou seja, se o aluno estuda de manhã, ele frequenta o projeto à tarde.

Os professores que atuam no projeto não têm regência na sexta-feira, o tempo é destinado à formação docente. Quinzenalmente, eles cumprem o tempo na própria escola, planejando as aulas e corrigindo atividades dos alunos e, quinzenalmente, frequentam reuniões de planejamento coletivo com os demais docentes que atuam no projeto sob a coordenação de um profissional da Smed-BH. Os docentes deslocam-se para a sede da Smed- BH ou da Regional Administrativa responsável pela região onde ele atua.

Em dezembro de 2009 participamos de um evento que comemorava o primeiro ano letivo do Projeto. De acordo com a gerente da Coordenação Política e Pedagógica da Smed- BH, o projeto oferece resultados positivos, consegue reverter resultados negativos e por isso iria continuar em 2010. Ela apresentou alguns desafios do projeto. Primeiro: por aproximadamente 10% dos alunos da RME-BH se encontrarem em defasagem idade-série. A maior parte, de alunos matriculados no 2º ciclo, precisa ser contemplada com o projeto. A gerente disse que a principal causa das retenções entre esses alunos é a baixa frequência escolar. Em momento algum da sua fala, assim como ocorre no cotidiano das escolas, não se questionou e nem se questiona as razões que levam os pré-adolescentes e os adolescentes a serem infrequentes. Nenhuma análise sobre o viver desses sujeitos foi apresentada. Não se cogitou que esses garotos e garotas possam estar com baixa frequência porque a precariedade de suas vidas e de suas famílias exige deles primeiro sobreviver e, se houver tempo, ir à escola.

Outro desafio apresentado pela gerente era avançar com um projeto destinado aos alunos com dificuldades em Matemática, pois, até aquela data, o PIP se concentrou na Língua Portuguesa. Em Matemática, os resultados revelados pela avaliação externa indicam que a aprendizagem dos alunos da RME-BH está abaixo do satisfatório. A coordenadora do PIP disse que esse era um projeto que estava dando certo porque surgiu a partir da iniciativa das escolas da RME-BH, assumido pela Smed-BH. A fala da gerente aponta o PIP como um projeto com prazo para funcionar, ou seja, ele não será incorporado como um projeto definitivo.

Só em 2010, as escolas começaram a se mobilizar e voltaram a atenção para a intervenção no reforço do ensino de Matemática. As dificuldades para implementar o reforço, porém, foram grandes, porque havia carência do professor da disciplina na RME-BH, fato que parece se repetir também com a Língua Portuguesa, mas em menor escala. A prioridade de atendimento são as aulas regulares. Com isso, quando algum professor do ensino regular entra de licença e não se consegue um substituto na RME-BH, o professor que atua no PIP é convocado a assumir as aulas regulares e suspende o projeto.

Esse tipo de intervenção demonstra que também na Rede Municipal de Belo Horizonte, novos programas têm sido criados para sanar problemas que surgiram em função da permanência da lógica meritocrática e da cultura da seletividade, que continuam produzindo alunos considerados defasados. Arroyo (2000) afirma que esse tipo de solução não passa de um tipo de paliativo. Ou seja, uma solução muito aquém do problema. E “esta visão pobre tem sido a medida da defasagem” (ARROYO, (2000, p. 139). Isso acontece porque a escola tem se organizado em torno de uma função social que não contempla o pleno desenvolvimento dos adolescentes das camadas populares. Não há, na cultura escolar, preocupação com a luta dos “pobres e suas tentativas de um viver digno e justo” (ARROYO, 2011, p. 168). As soluções para as tais defasagens e dificuldades de aprendizagem são elaboradas para serem executadas em uma dimensão paralela, que não cabem na classe, no turno. Esses alunos são adolescentes empurrados para o extraturno. Enquanto isso, a lógica da escola seriada, do “ensino bancário” e do “professor explicador” é reforçada, se mantém intocada.