• Nenhum resultado encontrado

A pesquisa qualitativa requer do pesquisador, além do recorte teórico, o recorte empírico correspondente ao objeto da investigação. O trabalho a campo é essencial na pesquisa qualitativa. Segundo Maria Cecília de Souza Minayo (1996), a rigor, a pesquisa qualitativa não poderia ser pensada sem o trabalho a campo.

Por meio da observação participante e da entrevista, o pesquisador pode se inteirar socialmente com os sujeitos do seu estudo, confrontar seus pressupostos teóricos com a realidade concreta e construir um produto novo a respeito do seu objeto de estudo, inserido num processo amplo de elaboração de conhecimentos (MYNAYO, 1996).

Essa realidade concreta com a qual o pesquisador social se envolve, ao investigar seu objeto de estudo, faz parte do mundo social, que é impregnado de relações entre sujeitos que vivem em tempos humanos, condições e identidades de gênero, etnia e classe diferentes. A realidade estudada, portanto, é subjetiva, carregada de significados construídos por esses atores diferenciados no contexto de suas relações. A produção desse conhecimento demanda, então, que o pesquisador interprete esses significados, isso só poderá se realizar com a

participação dos indivíduos envolvidos com a realidade estudada, segundo Robert G. Burgess (1997).

Neste estudo, usamos os dois componentes fundamentais do trabalho a campo: a entrevista e a observação participante. Antes de entrar no campo propriamente dito, uma escola que atenderia às necessidades da pesquisa deveria ser selecionada. Esta deveria fazer parte da Rede Municipal de Educação, atender a estudantes do 3º Ciclo do Ensino Fundamental e ter implantado os diversos programas educacionais em vigor no município. O objetivo era investigar os fatores das trajetórias escolar e humana truncadas no contexto de uma escola que intervinha nessa realidade por meio dos programas educacionais elaborados pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte.

Para selecionar a escola, procuramos inicialmente o Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente (CTCA) e, posteriormente, a Gerência Regional de Educação (Gered) de uma das regiões mais populosas de Belo Horizonte. Das duas instâncias, colhemos dados que nos apontavam duas escolas; ambas apresentavam ainda vários casos de alunos que se caracterizavam por ter suas trajetórias escolar e humana truncadas. As duas instituições se demonstraram abertas ao estudo, porém, uma delas – a Escola Municipal Pagu42 – já havia sido investigada na pesquisa de Mestrado (CARDOSO, 2003). Diante disso, concluímos que seria mais apropriado desenvolver este estudo em outra instituição: a Escola Municipal Anna Guimarães.

Durante 13 meses, entre o final de março de 2009 e final de abril de 2010, observamos os vários sujeitos, seus relacionamentos e suas atividades escolares no turno da manhã; realizamos ainda algumas visitas e contatos com docentes e estudantes nos turnos da tarde e da noite. As observações foram direcionadas para os diversos espaços e tempos do cotidiano escolar, como a sala de aula, sala de direção, coordenação, sala de professores, biblioteca, sala de vídeo, laboratórios, pátio (durante o horário de aulas e de recreio), refeitório, ginásio esportivo, quadra esportiva, portão no horário de entrada e saída de alunos. Observamos ainda o funcionamento dos programas da Smed em execução na escola, tais como, Projeto de Intervenção Pedagógica, Projeto Floração e Projeto Escola Integrada.

No caso da Escola Integrada, as observações se realizaram no prédio da escola e em dois outros imóveis43 alugados para o desenvolvimento das atividades. Participamos de

42 Para manter o sigilo das fontes, foram usados nomes fictícios para as instituições e indivíduos participantes

dessa pesquisa.

43 Inicialmente, as atividades eram realizadas num antigo galpão relativamente próximo à escola e que já abrigou

uma mercearia. No início de 2010, um novo espaço foi alugado para o funcionamento da Escola Integrada: dois apartamentos com quintal aberto.

algumas reuniões de docentes, de pais e da coordenação da escola, inclusive com uma representante da Gered, que visitava a instituição semanalmente para monitorar o trabalho pedagógico e administrativo da escola. Algumas vezes optamos por ficar mais próximo a um ou outro participante. Assim, durante toda uma manhã, acompanhamos todo o trabalho realizado por um coordenador, em outra manhã, o trabalho da diretora, o mesmo ocorreu com a representante da Gered na escola. Segundo Burgess (1997), o pesquisador é o principal instrumento de pesquisa quando se faz uso da observação participante. Nesse sentido, com base nas orientações desse autor, buscamos ficar mais próximo possível das situações que facilitariam a colheita dos dados. Burgess (1997) afirma que,

a vantagem de ser um observador participante reside na oportunidade de estar disponível para colher dados ricos e pormenorizados, baseados na observação de contextos naturais. Além disso, o observador pode obter relatos de situações na própria linguagem dos participantes, o que lhe dará acesso aos conceitos que são usados na vida de todos os dias. O observador pode, por conseguinte, fazer a avaliação de uma situação social na base de relatos que foi obtendo a partir de informantes. (BURGESS, 1997, p. 86).

Nesse sentido, na medida em que observamos o cotidiano escolar, realizamos várias conversas informais procurando retirar dos participantes algum tipo de relato ou de explicação daquilo que estava acontecendo. Com o tempo, depois de adquirir a confiança dos sujeitos da escola, passou a ser comum entre alguns, eles nos procurarem para apontar e explicar algum fato que estava ocorrendo na escola. Obviamente, seguindo ainda as sugestões de Burgess (1997), essa prática exigiu de mim um questionamento constante com vista a tornar mais precisas essas informações.

Após um bom tempo de observações e conversas informais com os diversos sujeitos da escola, iniciei a gravação das entrevistas com vários participantes da pesquisa, tais como, professores, auxiliares de serviço, estagiários, agentes culturais, pais, estudantes do ensino regular, do Projeto Escola Integrada, do Projeto Floração e do Projeto de Intervenção Pedagógica. A propósito, observar e conversar antes, foram fundamentais para a preparação das entrevistas. Com isso, foi possível elaborar um roteiro precário que serviu para orientá- las. Esta opção de entrevista tem sido mais comum entre os pesquisadores sociais. Trata-se de “um estilo de entrevista informal, não estruturada ou semiestruturada, o qual utiliza uma série de temas e tópicos em torno dos quais se constituem as questões no decurso da conversa” (BURGESS, 1997, p. 112).

O trabalho a campo possibilitou-me, então, verificar e colher informações sobre vários aspectos do cotidiano da escola e dos programas educacionais relacionados à estrutura física, ao funcionamento do turno, ao trabalho pedagógico, à administração da escola e ao clima institucional.