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O sistema inquisitivo nas legislações laicas

O sistem a inquisitivo, estabelecido pelos canonistas, pouco a pouco dominava as legislações laicas da Europa continental, conver­ tendo-se em verdadeiro instrumento de dominação política.

Na Itália, os processos per demintiationem et p er inquisitionem desenvolveiam-se tamanhamente que, até hoje, em numerosas cidades da Itália, como Roma e Veneza, dentre outras, podem ser vistas, em algumas praças, esculturas com formato de cara de leão, com a boca aberta, “as bocas da verdade” (Boccas delia Verità) destinadas a re­ ceber as denúncias secretas dos alcaguetes e digiti duri Tal processo, iniciado por informes anônimos, ia caindo em desuso, e, já no século XVI, Farinácio ponderava: processus per viam secreti denuntiatores

improbatits est a ju r e ... Male faciunt judie es et notar ii recipientes istas notificationes.,.. (o processo iniciado por denuncias secretas é

reprovado pelo Direito,, agem mal os Juizes e notários que recebem tais comunicações).

Na Espanha, vigorou o Código chamado Libro de las Leyes, mais conhecido com o nome de Las Siete Partidas

Na Alemanha, o sistema inquisitivo foi consagrado em fins do século XV, por muitas leis, sendo a mais importante a Lei Imperial de 1503, mais conhecida como Constitutio Criminalis Carolina, Foi levado aos maiores extremos no Tribunal da Santa Punição (Vehmge-

richt), instituído para perseguir os delitos contra a religião, a paz

pública e a honra Eram secretos o lugar e a forma do processo., Não se conheciam o acusador, os Juizes e até mesmo a sentença (cf, Man- zini, Derecho, cit., p. 55),

Na França, o sistem a inquisitivo fora também adotado. Proibia- -se a defesa. O processo corria em segredo. Dizia-se que, “se o imputado era inocente, não precisava de Defensor, e, se culpado, era indigno de defesa” . O processo iniciava-se de ofício. A cusador e julgador eram uma só pessoa. Torturava-se o imputado para conse- guir-Ihe a confissão

Em 1670, no reinado de Luiz XIV, devido à iniciativa de Colbert, surgiu a grande Ordonnance sur la procédure criminelle — “a mais perfeita expressão técnica do sistema inquisitivo”.

O Processo Penal de que tratava a Ordonnance de Luiz XIV era eminentemente inquisitivo, Era escrito, secreto e não contraditório,

Compunha-se de três fases: a primeira, que era a fase das infor­ mações; a segunda, que era a da instrução preparatória; e a última, a

do julgamento. A fase das informações, como o próprio nome está a indicai, restringia-se às averiguações, à colheita de provas. Tais ave­ riguações eram realizadas secretamente

Dirigia esta fase um Magistrado, que se denominava lieutenant

criminei du bailliage. O acusador ou era o Procurem du m i ou o

próprio Juiz. Seguia-se a fase da instrução, que era dirigida pelo mes­ mo Magistrado, O interrogatório do acusado era realizado secreta­ mente e sempre precedido de juramento, O acusado, até então, des­ conhecia as provas contra si apuradas. Nesta fase da instrução, o Juiz, se o crime lhe parecesse pouco grave, fazia prosseguir o processo segundo as regras do Processo Civil Se grave fosse o crime, tinha lugar o processo extraordinário, isto é, a instrução tinha seguimento de acordo com os princípios do processo inquisitivo, Renovavam-se os depoimentos, precedidos de juramento, na ausência do acusado., Interrogava-se o réu, “a quem o Juiz impunha a obrigação de prestar juram ento”. Faziam-se as acareações. “La présence d’un défenseur

n’est admise que pour les affaires com pliquées..” Os resultados das investigações e da instrução formavam os cahiers du procés — os autos do processo. O julgamento era realizado ante um Tribunal for­ mado do lieutenant criminei e de seus assessores, O processo, lido na ausência do réu. Um relator, que podia ser o próprio lieutenant, ex­ punha ao Tribunal os resultados da instrução Antes de ser julgado, o acusado era novamente interrogado, sem a presença do Defensor. Caso só existissem presunções e indícios graves, completava-se a prova com a tortura, cuja finalidade era obter a melhor das provas: a con­ fissão.,,.

Enquanto o sistema inquisitivo dominava a Europa continental, com seus processos secretos e indispensáveis torturas, na Inglaterra, após o IV Concilio de Latrão, que aboliu os “Juízos de Deus”, consi­ derava-se o processo, diz Beling, um fair trial, e se entendia que se devia tratar o acusado como a um gentleman Ali, naquele clássico país do liberalismo, dominava a instituição do Júri, sendo que a per­ secução ficava a cargo de qualquer do povo.

Havia o grande Júri e o pequeno Júri Quando ocorria um crime, o acusador solicitava do justice o fp ea ce uma ordem de detenção, ou de citação do imputado Se reputasse a acusação fundada e séria, o

Magistrado emitia um warrant contra o acusado. Submetia-se o caso à apreciação do grande Júri, composto de vinte e três membros. O grande Júri ou Júri de acusação manifestava-se, tão somente, sobre a procedência da acusação A votação era tomada por maioria absoluta» Se o grande Júri declarasse procedente a acusação, era o imputado levado à presença do Juiz presidente do pequeno Júri, que lhe pergun­ tava se se considerava culpado ou inocente (guilty or not guilty). Confessado o crime, o Juiz impunha-lhe a pena. Negado, reunia-se o pequeno Júri, constituído de doze jurados. Note-se, ai, a influência do Juízo dc Deus: doze foram os apóstolos, batizados no dia de Pen- tecostes, pelo Divino Espírito Santo. A m atéria probatória era aí analisada, seguindo-se os debates. Concluídos, o Juiz fazia um resumo, e os jurados se reuniam para proferir o seu veredictum, “que había de darse por unanimidad” . Curiosamente, após a acusação, os jurados

“were confined without meat, drink, fire or candle, or conversation with others, until they were a g r e e d ” (eram isolados, sem comida,

bebida, fogo ou vela, nem podiam conversar com outras pessoas, enquanto estivessem reunidos) (J, H. Baker, An introduetion to English

legal History, third edition, London, Butterworths, 1996, p, 86.). E

arremata o referido autor: “The constraints of discomfort were prima-

rily intended to encourage unanimity (J. H. Baker, An introduetion,

c it, p. 87)

Enquanto a Inglaterra continuava a cultuar suas instituições libe­ rais, na Europa continental surgia, no século XVIII, um movimento de combate ao sistema inquisitivo. Montesquieu condenava as torturas, elogiava a Instituição do Ministério Público, uma vez que fazia desa­ parecer os delatores. Beccaria proclamava que o direito de punir nada mais era senão o direito de defesa da sociedade e que, por isso mesmo, devia ser exercido dentro dos limites da justiça e da utilidade, Voltai- re, por sua vez, censurou a Ordonnance de Luiz XIV. A lei, dizia, parece obrigar o Juiz a se conduzir perante o acusado mais como inimigo do que mesmo como Magistrado; Em Nápoles, aboliam-se as torturas, e, já por volta do ano 1774, exigia-se sentença motivada. Em Toscana proibiam-se as denúncias secretas e as torturas. Na França, um édito de 1788 proibia as torturas, exigia sentença motivada e con­ cedia ao acusado absolvido uma reparação moral consistente na pu-

falicação da sentença. Finalmente, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26-8-1789, aquelas ideias revolucionárias do Iluminismo foram acatadas.