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Princípio da iniciativa das partes 77 '

Segundo esse princípio, cabe à parte provocar a prestação juris- dicional. Tal princípio vem cristalizado no velho aforismo nerno judex

sine actore ou ne procedat judex ex officio: não há Juiz sem autor, ou:

o Juiz não pode proceder, não pode dar início ao processo, sem a provocação da parte.

Se a ação penal é o direito de invocar a tutela jurisdicional-penal

do Estado, não se concebe, por incongruente, que 0 próprio Estado-

-Juiz invoque a si mesmo a tutela em apreço, O Juiz estaria solici­ tando uma providência a si mesmo. Haveria, como muito bem' diz Carnelutti, jurisdição sem ação, como se tem no processo de tipo inquisitório. Seria atribuir ao Juiz, em lugar da parte, uma ação que se identifica com a jurisdição, ou, ao menos, que se transforma em jurisdição, o que é um verdadeiro monstro de lógica processual (L ee-

ciones sobre el proceso penal, trad. Santiago S. Melendo, v. 2, p. 14).

Desse modo, ocorrendo um crime de ação pública, cabe ao Es- tado-Administração, representado pelo Ministério Público, levar o fato ao conhecimento do Estado-Juiz e pedir-lhe a aplicação da sanctio

juris àquele que violou a lei penaL Se se trata de crime de alçada

privada, cabe ao ofendido ou a quem legalmente o represente idênti­ co direito. E, portanto, o próprio titular do direito à ação quem deve ou quem pode provocar a função jurisdicional. Nisto, pois, consiste o princípio da “iniciativa das partes”

Assim, nos termos do art, 24 do CPP, é o órgão do M inistério Público quem promove a ação penal (início do processo) nos crimes de ação pública, por meio daquela petição que se chama denúncia- Nos termos do art. 30 do mesmo estatuto, é o ofendido ou seu repre­ sentante legal quem a promove nos crimes de alçada privada Tal princípio no nosso Direito constitui regra, e nem por via oblíqua pode ser desnaturado H o que se dessume do art. 28 do CPP. Quando o Promotor requer o arquivamento de um inquérito, por entender, por exemplo, que o fato não constituí crime sequer em tese, o Juiz, não acolhendo suas ponderações, o máximo que poderá fazer é remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, Chefe do M inistério Públi­ co, para que diga a última palavra sobre o assunto O Juiz não pode obrigar o Promotor a oferecer denúncia; caso contrário, estaria, por via oblíqua, quebrando o princípio do ne procedat judex ex officio.

Até antes do advento da Carta Política de 1988, permitia-se ao Juiz o exercício da ação penal condenatória: quando se tratasse de contravenção ou de homicídio e lesões culposos, Hoje, dispondo o art. 129, I, da Constituição, ser privativo do M inistério Público o exercício da ação penal pública (e naqueles casos a ação penal é pú­ blica), desapareceu o denominado procedimento ex officio, cujo ato de iniciativa cabia à Autoridade Policial e ao Juiz. Observe-se, con­ tudo, ter ficado extinto o poder que se conferia ao Juiz de dar início

à ação penal condenatória naqueles casòs., Todavia, como o nosso

Processo Penal não é um Processo Acusatório ortodoxo, isto é, fiel aos seus princípios, o procedimento ex officio não se extinguiu de todo.... Tanto é verdade que o Juiz pode conceder habeas corpus de ofício (e o habeas corpus é uma verdadeira ação penal popular), de­ cretar, sem provocação de quem quer que seja, prisão preventiva (e a prisão preventiva é ação eautelar), requisitai inquérito, sei destinatá­ rio da representação e determinar a produção de provas, na dicção do art. 1 5 6 ,1 e II, do CPP,

26. “Ne eat judex ultra petita partium”

Iniciada a ação, quer no cível, quer no penal, fixam-se os con­ tornos da re s in judicio dedueta, de sorte que o Juiz deve pronunciar-

-se sobre aquilo que lhe foi pedido, que foi exposto na inicial pela parte. Daí “se segue que ao Juiz não se permite pronunciar-se, senão sobre o pedido e nos limites do pedido do autor e sobre as exceções e nos limites das exceções deduzidas pelo réu” . Quer dizer então que, do princípio do ne proceclat judex ex officio, ou, como dizem os ale­ mães, do princípio do Wo kein Anklãger ist, da ist auch kein Richter (onde não há acusador não há Juiz), decorre uma regra muito impor­ tante, de aplicação tanto no cível como no penal: ne eat judex ultra

petita pa rüu m , isto é, o Juiz não pode dar mais do que foi pedido, não

pode decidir sobre o que não foi solicitado.

Assim, se o órgão do Ministério Público, na denúncia, imputa ao réu um crime de furto, e, afinal, apura-se que ele cometeu outro crime completamente diverso (estupro, p, ex,), e não o de furto, não pode o Juiz proferir condenação pelo estupro, que não foi pedida, e muito menos quanto ao furto que não ocorreu Todavia, se o órgão do Mi­ nistério Público, na denúncia, descreve um crime de estupro (que efetivamente ocorreu), mas, ao nominar a infração, tal como exige o art. 41 do CPP, classifica-a como furto (CP, art 155), o Juiz, ao pro­ ferir sentença, poderá condenar o réu nas penas do art, 213 (estupro), sem necessidade de qualquer providência, como permitido pelo art. 383 do CPP, Diz-se até que, nesse caso, nem existe a mutatio libelli (modificação, alteração da peça acusatória), mas sim uma verdadeira

emendatio libelli (correção da peça acusatória), porquanto o -fato

continuou o mesmo, deu-se, apenas, definição jurídica diversa Aí, evidentemente, não há julgamento ultra petitum. O Juiz deu aos fatos, tão somente, a correta classificação, É o jura novit curia, livre dicção do direito objetivo, porque o Juiz conhece o Direito. O acusado de- fèndeu-se do fato que lhe foi imputado, E o Juiz, condenando-o por aquele fato, está simplesmente obedecendo ao princípio da correlação entre fato contestado e sentença,

Se, por acaso, o órgão do Ministério Público denuncia alguém como incurso nas penas do art. 155, caput, do CP, correspondendo a classificação ao narrado na peça vestibular da ação penal, e, no curso da instrução criminal, apura-se que o réu tinha a precedente posse ou detenção da res, cumpre ao Juiz tomar aquela providência apontada no

tadas nos §§ 22, 3a e 4- do citado artigo e proferir sentença, mesmo porque o réu se defendeu da imputação de um furto, e não de uma apropriação indébita. Não se atentando para a regra do ait. 384 e seus parágrafos, ante eventual condenação não haveria correlação entre o fato contestado e a sentença Observando-se a disposição, a apropriação indébita seria objeto de manifestação da Defesa e, na hipótese de con­ denação, haveria correlação entre a sentença e a acusação contestada.

Se o órgão do M inistério Público oferece denúncia em relação a X, imputando-lhe um crime de furto, e, na instrução criminal, apura- -se ter havido um verdadeiro roubo (na instrução é que se descobriu ter havido violência), nesse caso, cumpre ao Juiz observar o disposto no art. 384 e parágrafos do CPP, porquanto, na hipótese, em virtude daquela elementar encontrada nos autos, a pena será majorada. Não tomando a providência apontada no a r t 384 e parágrafos nas duas últimas hipóteses, haverá um julgamento ultra petitum Do contrário, não. A propósito, o ensinamento de Giovanni Leone: “O que efetiva­ mente vincula o Juiz, isto é, o que delimita o campo do seu poder de decisão, não é a demanda ou o requerimento de condenação e, sim, a determinação do fato submetido à indagação do Juiz” (Trattato, cit., p, 129). Realmente, o princípio do ne eat judex ultra petita partium, também conhecido como sententia debet esse conformis libello, vale, no Processo Penal, “para assinalar os limites da correlação entre fato controvertido e fato decidido” (cf, Leone,- Trattato, cit., p. 129), Quer dizer então que o nosso CPP não “repudiou a proibição de sentença condenatória ultra petitum ”, confor me assinalou o M inistro Fr ancisco Campos, na Exposição de Motivos que acompanha o CPP Manteve-a; e tanto é exato que adotou as providências apontadas no art 384 e seu respectivo parágrafo — hoje §§ I a e 2a (nesse sentido, Frederico Marques, Elementos, cit., p„ 192),

As hipóteses previstas nos arts. 383 e 384, caput, do CPP não são, em rigor, de condenação in pejus, mas, como diz Frederico Mar­ ques, de consagração do princípio do jura novit curia (Elementos, cit., p. 192), não tendo, assim, razão o Ministro Francisco Campos, ao salientar, na Exposição de Motivos que acompanha o CPP, que este repudia a proibição de sentença condenatória ultra petitum ou “con­ denação in pejus”. O que o Código repudiou foi a proibição do prin­

cípio da livre dicção do direito objetivo (jura novit cm ia) em toda e qualquer hipótese. Sim, antes do atual Código de Processo, como o Promotor não podia retificai a classificação feita na denúncia para impor ao réu sanção mais grave, então o Juiz era obrigado a julgar nulo o processo ou improcedente a ação penal, conforme o caso. E o Promotor deveria apresentar nova denúncia, se ainda não estivesse extinta a punibilidade pela prescrição ou outra qualquer causa A tu­ almente, vigendo o princípio da livre dicção do direito, dispõe o art. 383 que “ó Juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denún­ cia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”. E Frederico Marques explica: “A qualificação a ser dada aos fatos constitui juízo de valor que pertence, preponderantemente, ao órgão jurisdicional — narra mihi factiun dabo iibi ju s” (Elementos, c it, p. 192). Aliás, nesse caso, o réu não estaria sendo condenado por fato diverso, e sim pelo mesmo fato que lhe foi imputado Houve, apenas, equívoco na sua qualificação jurídico-penal, Mas, como já se disse, o Juiz conhe­ ce o Direito (jura novit curia)

Mesmo que se trate de procedimento dos crimes da competência do Júri, a atitude do Juiz continua a mesma: aplicará na fase da pro­ núncia a regra do art. 383 (como se infere do art. 418 do CPP) ou, se após a produção de provas observar a presença de um elemento ou circunstância não contida, implícita ou explicitamente, na denúncia ou queixa (esta quando for substitutiva da denúncia), observará o disposto no art 384 e parágrafos, consoante dispõe o § 3S do a rt 411, todos do CPP, com a sua nova redação.