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Os romanos, como já salientamos, distinguiam os delicta publi­

ca dos delicta privata e, por isso mesmo, havia o Processo Penal

Privado e o Processo Penal Público. No primeiro, o Estado assumia o papel de simples árbitro para solucionai o litígio entre as partes. O Magistrado limitava-se a examinar as provas apresentadas pelas par­ tes e decidia. No Público, o Estado atuava como sujeito de um poder

público de repressão; com o passar dos anos, o Processo Penal Priva­ do foi abandonado quase que totalmente.

O Processo Penal Público atravessou, em Roma, fases interes­ santes. No começo da M onarquia não havia nenhuma limitação ao poder de ju lg a r Bastava a notitici criminis para que o próprio M agis­ trado se pusesse em campo, a fim de proceder às necessárias investi­ gações. Essa fase preliminar chamava-se inquisiíio, Após as investi­ gações, o M agistrado impunha a pena. Prescindia-se da acusação. Nenhuma garantia era dada ao acusado. Não havia limites ao arbítrio dos Juizes, “y la defensa se ejerce en la medida que el magistrado tiene a bien concederia” (cf. Vélez Mariconde, Estúdios, cit., p„ 25). Era o processo denominado cognitio.

Para moder ar o arbítrio do Juiz, surgiu a provocado ad populum, com intenso colorido de apelação, concedida pela célebre “Lex Vale­

ria de Provocadone'\ O condenado tinha a faculdade de recorrer da

decisão para o povo reunido em comício, O Magistrado que proferira a condenação, embasado nas provas coligidas durante a inquisido, devia apresentar ao povo os elementos necessários para a nova decisão. Via-se, destarte, quase na posição de acusado, trazido à barra do Tri­ bunal popular para defender as próprias sentenças, não obstante as suas atribuições de presidente do com ício ( c f Flotêncio de Abreu,

Comentários ao Código de Processo Penal, v. 5, p. 164 e s.). Pouco

adiantava a provocado ad populum , pois somente os civis romanus podiam fazer uso de tal remédio

No último século da República, surgiu nova forma de procedi­ mento: a accusatio, Qualquer cidadão tinha o direito de acusar, exce­ to os Magistrados, as mulheres, os menores e as pessoas “que por seus antecedentes não oferecessem garantias de honorabiiidade”.

Iniciava-se o processo com a postulado dirigida pelo acusador ao quaesitor — quem decidia se o fato alegado constituía crime e se não havia nenhum obstáculo para que a dem anda fosse admitida, Aceita a postulado, dava-se a inscripdo, isto é, inscrevia-se a postu­

lado no registro do Tribunal, e, uma vez inscrita, já não podia o acu­

sador desistir e, ao mesmo tempo, nascia para ele o direito de proce­ dei às necessárias investigações para demonstrar em juízo a acusação. Devia, pois, o acusador acompanhar a causa desde a postulado até a

decisão final — “perseveraturum se incrimine usque ad sententiani”. Punia-se a tergiversação com multa, ficando ainda o tergiversador proibido de proceder a outras acusações Se na acusação apresentasse fatos falsos, incorreria no crime de calúnia e seria punido

A administração da justiça ficava a cargo de um Tribunal popular constituído de jitdices jurati, a princípio eleitos dentre os senadores

{patres conscripti) e, depois, dentre os cidadãos, observadas suas

condições “morais, sociais e econômicas” ,

Para a formação do consilium, os judices eram simplesmente designados pelas partes (editio),. Depois, prevaleceu a formação pelo sorteio (soríitio).

Quando havia vários acusadores contra o mesmo réu e pelo mes­ mo crime, tinha lugar a divinatio, isto é, decidia-se qual dos postu­ lantes deveria acusar.

Mais tarde, admitiu-se a possibilidade de a acusação ficar a car­ go de vários cidadãos

Ao tempo de Cícero, o acusador dispunha de três horas para de­ monstrar a procedência da acusação; igual prazo era conferido à defesa,

O Tribunal era presidido pelo quaesitor, que se limitava a manter a ordem e a lavrar a sentença, ditada pelos judices jurati, Havia ré­ plica e tréplica- A princípio, a votação era feita oralmente. Depois, passou a ser secreta Cada judex recebia .urna pequena tábua sobre a qual escrevia a letra A (absolvo), ou a letra C (condeno) ou, então, as letras N L — non liquet (abstenho-me)., A decisão era tomada por maioria absoluta. A respeito desse assunto, há certa dúvida: Faustin Hélie esclarece que havia necessidade de maioria absoluta; Mommsen entende que bastava uma simples maioria.

Se houvesse maioria de tábuas contendo as letras N L , dava-se a ampliatio: repetiam-se os debates e se procedia a nova votação- Em caso de empate, o acusado era absolvido.

Ao tempo do Império, a accusatio foi, pouco a pouco, cedendo lugar a outra forma de procedimento: a cognitio extra ordinem. Os poderes do Magistrado, diz Manzini, foram invadindo a esfera das atribuições já reservadas ao acusador privado, a tal extremo que, em determinada época, se reuniam no mesmo órgão do Estado (M agis­

trado) as funções que hoje competem ao M inistério Público e ao Juiz. De fato, ao tempo da accuscitio, o processo não podia ser iniciado sem acusação, Esta era, com efeito, uma condição e obstáculo para o exer­ cício do poder repressivo. Com o abastardam ento dos costumes, houve uma indiferença dos cidadãos, e muitos delitos ficaram impunes pela sua inércia

O que foi um sacrifício em benefício da República, uma honra disputada pelos mais ilustres cidadãos, converteu-se, então, em uma ruindade alimentada pelo ódio e pela avidez. As recompensas prome­ tidas aos delatores fizeram destes, como diz Hélie, “aves de rapina” que se lançavam sobre as pessoas que a fantasia sangrenta do amo lhes indicava, Um instrumento de justiça e uma garantia para a liberdade, como foi o direito de acusar, converteu-se em meio de despotismo e opressão Esse resultado tão pouco satisfatório explica as severas medidas que se adotaram contra os delatores e o decreto que, final­ mente, ditara Trajano: dispondo que o acusador fosse objeto das mesmas medidas cautelares que afetavam o acusado, isto é, que ambos fossem detidos até a conclusão do processo (Vélez Mariconde, Estú­

dios, cit., v, 1, p. 37).

Com o novo procedimento, procurou-se evitar aquela degenera- ção, Procedia-se a uma inquisição preliminar, e havia, à semelhança da nossa Polícia Judiciária, funcionários encarregados de fazer tais investigações preliminares. Eram os curiosi, os irenarchae, os nun-

tiatores, os stationarii, os digiti duri, Importa notar, especialmente,

que, depois, o M agistrado atuava ex officio, “sem atender nem à acusação nem à denúncia”,, procedimento esse que se tornou regra g e ra l

Acusador e julgador estavam consorciados numa só pessoa. O julgam ento não mais ficava afeto aos judice* jurati, mas a um Magis­

trado: o praefectus urbis ou o praefectus vigilum,

A apelação, neste novo procedimento, era dirigida ao Imperador,

appelatio ad principem . Depois o recurso de apelo passou a ser diri­

gido a M agistrados Superiores, “y el Emperador no conoce más que de la apelación interpuesta contra los fallos de los judices ilustres”,

O processo da cognitio extra ordinem faz introduzir, entre os romanos, a tortura, para a obtenção de confissões A princípio tortu­

rava-se o réu. Depois, não só o réu como também as testemunhas para que falassem a verdade .