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A Constituição de 1988 é bem clara: “Aos litigantes, em pioces- so judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegura­

dos o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art, 5~, LV)

E, como se não bastasse tanta clareza, acentuou: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5°, LIV). Claro que nesta expressão — due process o fla w — es­ tão todas as garantias processuais

Aliás, em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigo­ ra esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em rela­ ção a quem se propõe a ação penal, goza do direito “primário e abso­ luto” da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando assim possa ser condenado sem ser ouvido

Tal principio consubstancia-se na velha parêmia audiatur et a l­

tera pars — a parte contrária deve ser ouvida. Assim, a defesa não

pode sofrer restrições, mesmo porque o princípio supõe com pleta igualdade entre acusação e defesa. Uma e outra estão situadas no mesmo plano, em igualdade de condições, com os mesmos direitos, poderes e ônus, e, acima delas, o Órgão Jurisdicional, como órgão “superpartes” , para, afinal, depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar as provas, “dar a cada um o que é seu” ,

O nosso CPP consigna regras realçando essas garantias constitucio­ nais. Por exemplo, dispõe o art. 261 que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem Defensor” O art 263 dispõe que, se o acusado não tiver Defensor, o Juiz será obri­ gado a nomear-lhe um, ressalvando seu direito de, a todo o tempo, nomear outro de sua confiança ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação técnica. Aqui se vê, também, o cuidado do legislador para impedir a quebra do princípio: o acusado poderá defender-se a si mesmo, caso tenha habilitação técnica, Se o acusado quiser defender- -se a si mesmo, não poderá fazê-lo se não tiver habilitação técnica, vale dizer, se não for Advogado devidamente inscrito na OAB, E Massari explica que o Defensor técnico produz a garantia da contes­ tação e do contraditório E arremata: “non potendosi concepire vero contraddittorio senza una contrapposizione dei organi omogenei” (II

processo penale nella nuova legislazione italiana, livro I, p. 105). Na

verdade, não haveria contraditório se os órgãos contrapostos fossem heterogêneos. O A cusador tem habilitação técnica, e, assim, se o acusado não a tivesse, haveria uma luta desigual entre ambos, e o princípio do contraditório seria provavelmente burlado.

Ainda realçando o princípio do audiatur et altera pars, dispõe o Código que, chegando os autos conclusos ao Juiz, com a denúncia ou queixa, se não houver uma rejeição liminar, determinará seja o réu notificado para dar a sua resposta em 10 dias, defendendo-se da acu­ sação que se lhe faz. Se o réu estiver fora da comarca do Juiz proces- sante, será notificado por precatória, por rogatória, e, se em lugar incerto e não sabido, ainda assim será notificado por edital, mas no­ tificado,, E enquanto não for efetivamente notificado, o prazo para a resposta fica suspenso, A propósito o art. 363 do CPP

A citação é o ato de comunicação processual mais importante. Pode-se até dizer que a in ju s vocatio é verdadeira garantia constitu­ cional do direito à ampla defesa, Embora não esteja listada num dos incisos do art, 5- da CF, ela se encarta no § 2o desse mesmo dispositi­ vo. De acordo com a Lei n . 1L 7 19/2008, o réu será citado depois que o Juiz receber a denúncia, e como antes de recebê-la o réu deverá dar a sua resposta, evidente que o Juiz, não rejeitando a denúncia ou quei­ xa, ordenará a notificação do réu para se defender... recusando sua

defesa, receberá a peça acusatória e determinará a citação do réu para a audiência de instrução e julgamento, quando, então, será interrogado.

E bem verdade que, nos termos do art 366 do CPP, se, malgrado citado por edital, não atender ao chamado nem constituir Defensor, o processo e o prazo prescricional ficarão suspensos, sem prejuízo da produção antecipada das provas de natureza urgente. Mas não será julgado enquanto não aparecer para defender-se...

Por outro lado, o acusado deverá ser notificado para todos os atos do processo a que deva estar presente e intimado das decisões

A desobediência àquelas regras em que se consubstancia o prin­ cípio do contraditório acarreta a nulidade, como se constata pelo art.

564, III, c, etc do CPP

No processo de tipo inquisitivo, não existe o contraditório Em alguns Códigos da Europa continental vigora o sistema misto: parte inquisitiva e parte contraditória. A fase das investigações preliminares e a da instrução criminal são secretas, escritas e não contraditórias , A fase dos debates e julgamento é oral, püblica e contraditória.

Do princípio do contraditório decorrem duas regras importantes: a da igualdade processual e a da liberdade processual. Esta última consiste na faculdade que tem o acusado de nomear o advogado que bem quiser e entender; na faculdade que possui de apresentar provas que entender convinháveis, desde que permitidas em Direito, de for­ mular 011 não reperguntas às testemunhas etc.

Diz Asenjo que, onde se concedem mais privilégios à sociedade que ao indivíduo, ou vice-versa, não se pode esperar a justiça da sen­ tença, já porque isso mesmo é uma injustiça, já porque não se pode chegar à descoberta da verdade entre duas afirmações contraditórias, se a uma e a outra parte não se concede igual faculdade de apresentar provas que corroborem a própria afirmação.

Por isso, e decorrente do princípio do contraditório, é que vigo­ ra, no processo de tipo acusatório, a regra da igualdade processual, segundo a qual as partes — acusadora e acusada — encontram-se no mesmo plano, com iguais direitos

No processo de tipo inquisitório não existe tal igualdade, pois o acusado não passa de um “objeto de investigação”.

Nem mesmo no sistem a misto, uma vez que, na fase cia inves­ tigação policial e na fase da instrução, o processo se desenvolve com caracteres inquisitivos Apenas na fase de julgam ento é que aparece o contraditório, e, em conseqüência, surge também a regra da igual­ dade processual

Mesmo no processo de tipo acusatório, como o nosso, não falta quem deseje estender tal regra à fase pré-processual, fase das inves­ tigações policiais Entretanto, se isso ocorresse, a ação persecutória do Estado seria reduzida sensivelmente, e dificilmente vingariam as ações penais ,

Há uma citação em Jiménez Asenjo que vale a pena transcrever: “É difícil estabelecer igualdade absoluta de condições jurídicas entre

o indivíduo e o Estado 110 início do procedimento, pela desigualdade

real que em momento tão crítico existe entre um e outro. Desigualda­ de provocada pelo próprio criminoso Desde que surge em sua mente a ideia do crime, estuda cauteloso um conjunto de precauções para

subtrair-se à ação da justiça e coloca 0 Poder Público em posição

análoga à da vítima, a qual sofre o golpe de surpresa, indefesa e des­ prevenida. Para restabelecer, pois, a igualdade nas condições da luta,

já que se pretende que 0 procedimento criminal não deve ser senão

um duelo ‘nobremente’ sustentado por ambos os contendores, é pre­

ciso que 0 Estado tenha alguma vantagem nos primeiros momentos,

apenas para recolher os vestígios do crime e os indícios da culpabili­ dade do sèu autor” (Derecho, cit., p 104).

Não obstante a Magna C arta disponha no art. 5°, LV, que “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o certo é que a expressão “processo ad­ ministrativo” não se refere à fase do inquérito policial, e sim ao pro­ cesso instaurado pela Administração Pública para a apuração de ilí­ citos administrativos ou quando se tratar de procedimentos adminis­ trativos fiscais, mesmo porque, nesses casos, haverá a possibilidade da aplicação de uma sanção: punição administrativa, decretação de perdimento de bens, multas por infração de trânsito, por exemplo. Em face da possibilidade de inflição de uma “pena” , é natural deva haver

o contraditório e a ampia defesa, porquanto não seria justo a punição de alguém sem o direito de defesa.

Já em se tratando de inquérito policiai, não nos parece que a Constituição se tenha referido a ele, mesmo porque, de acordo com o nosso ordenamento, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado. Ademais o texto da Lei Maior fala em “litigantes”, e na fase da in­ vestigação preparatória não há litigante... É verdade que o indiciado pode ser privado da sua liberdade nos casos de flagrante, prisão tem­ porária ou preventiva, Mas para esses casos sempre se admitiu o emprego do remédio heroico do habeas corpus. Nesse sentido, e apenas nesse sentido, é que se pode dizer que a ampla defesa abrange o indiciado. O que não se concebe é a permissão do contraditório naquela fase informativa que antecede à instauração do processo cri­ minal, pois não há ali nenhuma acusação. Não havendo, não se pode invocar o princípio da par conditio — igualdade de armas Todos sabemos que não se admite decreto condenatório respaldado, exclu­ sivamente, nas provas apuradas na etapa pré-processual. A Autorida­ de Policial não acusa; investiga. E investigação contraditória é um não senso. Se assim é, parece-nos não ter sentido estender o instituto do contraditório ao inquérito, em que não há acusação,, Quanto à ampla defesa, tem o indiciado direito ao habeas corpus sempre que sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação na sua liberdade de locomoção. M algrado essas observações, o Estatuto da Advocacia confere ao Advogado o direito de examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante ou de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à Autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos.

A nosso ver, no momento da realização de perícias, dever-se-ia perm itir à Defesa, se o requeresse, o direito de formular quesitos, “uma vez que a perícia em qualquer fase do procedimento penal é sempre ato instrutório” , Além disso, muitas vezes é impossível a re­ novação do exame pericial na fase processual. Diga-se o mesmo quando se tratar de eventual prova ad perpetuam rei memoriam, como a tomada do depoimento de pessoa acometida de doença grave que previsivelmente a impeça de ser ouvida na fase instrutória, à maneira do que se dá com o art. 271 do CPP português. Entre nós, o art. 225

do CPP permite a tomada antecipadamente de testemunhos nas hipó­ teses ali previstas De regra, é aplicável na instrução, mas nada impe­ de possa e deva a Autoridade Policial deles fazei uso, A disposição do art, 14 do CPP deve ter outra redação, conferindo~se ao indiciado ou ofendido o direito de requerer diligência dês que necessária, de­ vendo a Autoridade Policial, na hipótese de indeferimento, fazê-lo em despacho fundamentado, dando-se recurso ao seu superior hierárqui­ co, O que passar daí será liberalidade injustificável.

Observe-se que no Direito brasileiro apenas no inquérito é que não existe a igualdade processual. Se houvesse tal regra 110 inquérito, a Polícia encontraria obstáculos maiores ainda na colheita de provas, por tazões que nos parecem óbvias,