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Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos

Até o advento da Constituição de 1988 não havia, em nosso país, nenhum a regra im peditiva de se produzir em juízo “prova obtida através de transgressões a normas de direito material” . Apenas o art. 233 do CPP. Agora, contudo, toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos não será admitida em juízo. É como soa o inc. LVI do art. 5Q da Constituição de outubro de 1988. Assim, uma busca e apreensão ao arrepio da lei, uma audição de conversa privada por interferência mecânica de telefone, microgiavadores dissimulados, uma intercep- tação telefônica, uma gravação de conversa, uma fotografia de pessoa ou pessoas em seu círculo íntimo, uma confissão obtida por meios condenáveis, como o famoso “pau de arara”, o “lie detector” e, enfim, toda e qualquer prova obtida ilicitamente, seja em afronta à Consti­ tuição, seja em desrespeito ao direito material ou processual, não será

admitida em juízo, Trata-se de uma demonstração de respeito não só à dignidade humana como também à seriedade da Justiça e ao orde­ namento jurídico.

O n. 2 do art. 5 do Pacto de São José da Costa Rica, ao qual o Brasil depositou sua Carta de Adesão, dispõe que “ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos e de­ gradantes, Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade da pessoa humana”. Ainda que não tivés­ semos no texto constitucional tais garantias, elas seriam válidas, à dicção do § 2- do seu art, 5Q É bem verdade que no direito compara­ do vamos encontrar duas posições diametralmente opostas: a da ad­ missibilidade e a da inadmissibilidade. Mesmo nas legislações que admitem a primeira posição, não há nenhuma inflexibilidade. É o que se dá, por exemplo, no Direito belga, em que “a inadmissibilidade da prova ilícita está condicionada ao sistema de nulidades previstas pela lei processual” , à semelhança do que ocorre, entre nós, no plenário do Júri, conforme dispõe o art. 478 do C PP Em Portugal, a inadfnis- sibilidade “está condicionada ao que dispuser a lei processual” . Em outras legislações, a inadmissibilidade tem sido proclamada, em maior ou menor intensidade. Nos Estados Unidos, a regra da inadm issibili­ dade das provas ilícitas nos Estados vem sendo obser vada desde 1961 e na Justiça Federal, desde 1914 (Alejandro D. Carrio, Garantias

constitucionales en el proceso p enal, Ed. Hammurabi, 1997, p. 155).

Nenhuma legislação, exceto a brasileira, proclama, de maneira absoluta e peremptória, a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos e das ilícitas por derivação Passamos à frente de todas as outras. O Código de Processo Penal italiano, no art. 191, dispõe: “le prove acquisite in violazione dei divieti stabiliti dalla legge non possono essere utilizzate” . Nosso diploma é mais preciso, Não só as provas ilegítimas como também as ilícitas e as ilícitas por derivação são inadmissíveis.

Entre o interesse estatal quanto à repressão e o respeito à digni­ dade humana e aquela série mínima de liberdades e garantias espraia­ das no nosso ordenamento jurídico, o legislador constituinte brasilei­ ro optou pela última solução. A eficácia da persecução penal precisa­ va encontrar um limite no respeito das garantias individuais.

Merece, aqui, transcrição o voto do eminente Dr. Gil Lavedra: “existen limites en la persecución penal.. La tutela de los deiechos dei individuo es un valor más importante para la sociedad que el cas­ tigo dei autor dei delito., El respeto a Ia dignidad dei hombre y a los derechos esenciales que derivan de esta calidad, constituyen el vérti­ ce fundamental sobre el que reposa la existencia misma de todo Es­ tado de derecho..., En la comparación de valores es preferible dejar sin castigo los delitos, que permitir que una garantia constitucional se tom e letra muerta o a merced de cualquier eventual pretexto” 0Doctrina penal, p. .345),

O legislador ordinário, além de trasladar para o diploma proces­ sual penal o princípio proibitivo das provas ilícitas, foi além, adotan­ do, inclusive, o princípio proibitivo das provas ilícitas por derivação, já adotado no Direito norte-americano e, também, pela nossa Suprema Corte, conforme decisões do Ministro Septílveda Pertence A propó­ sito, o art. 157 e seu § l ü, com sua nova roupagem: “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais" “São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras.,. ” ,

A CF, no art. 5S, XII, ao cuidai das conversas telefônicas, pro­ clama não poderem elas sei interceptadas, a não ser “por ordem ju ­

dicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.. Como se vê.

não se trata de preceito self executing, subordinado como está a uma lei ordinária que estabeleça as hipóteses e a forma em que será lícito ao luiz autorizar a interceptação.

E somente em 1996 é que foi promulgada a Lei n. 9 296, de 24 de julho, dispondo que as intcrccptaçõcs tclcfônicas dc qualquer natu­ reza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, serão possíveis dês que determinadas pelo luiz que estiver à frente do processo, conquanto estejam satisfeitas estas condições: a) quando houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infra­ ção penal; b) a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis; c) se a infração for punida com reclusão. Preenchidos esses requisitos, o Juiz, de ofício, ou a requerimento da Autoridade Policial, na fase do

inquérito, ou do Ministério Público, nas duas etapas da persecução (Inquérito e Instrução), em decisão fundamentada, pode determinar a interceptação, que ficará aos cuidados da Autoridade Policial,

Sem embargo dessa Lei, parece-nos que se deve respeitar o cri­ tério da proporcionalidade do direito tedesco, tão bem expresso na Súmula 50 das Mesas de Processo Penal da USP, segundo a qual “podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhi­ das, que beneficiem a defesa” . Na verdade, se a proibição da admissão das provas ilícitas está no capítulo destinado aos direitos fundamentais do homem, parece claro que o princípio visa a resguardar o réu Sen­ do assim, se a prova obtida por meio ilícito é favorável à Defesa, seria um não senso sua inadmissibilidade., É que nos pratos afilados da balança estão dois interesses em jogo: a liberdade e o direito de terceiro sacrificado, e entre os dois, obviamente, deve pesar o bem maior, no caso a liberdade, pelo menos como decorrência do princípio do favor libertatis.

De fato, comparando-se os valores “respeto a las garantias indi- viduales por un lado, y el interés de la sociedad en que los delitos sean investigados por otro, debe acordarse primacía a los primeros por tratarse de dictados de la Ley Suprema” (acórdão da Corte Supre­ ma Argentina, apud Alejandro D. C anio, Garantias, c i t , p. 154).

ProVa ilícita p o r derivação. A inadmissibilidade a que vimos de nos referir não se restringe apenas às provas obtidas ilicitamente, mas, inclusive, às ilícitas por derivação. Diz-se a prova ilícita por derivação quando, embora recolhida legalmente, a autoridade, para descobri-la, fez emprego de meios ilícitos., A proibição alcança não apenas as provas ilícitas propriamente ditas (busca domiciliar sem mandado, escuta telefônica sem autorização do Juiz, p ex ), como as “ilícitas por deilvação” — fiuiis o j lhe pui-souous tiee . Mediante tor­ tura (conduta ilícita), obtém -se informação da localização da res

furtiva, que é apreendida regularmente. Mediante escuta telefônica

(prova ilícita), obtém-se informação do lugar em que se encontra o entorpecente, que, a seguir, é apreendido com todas as formalidades legais... Assim, a obtenção ilícita daquela informação se projeta sobre a diligência de busca e apreensão, aparentemente legal, mareando-a, nela transfundindo o estigma da ilicitude penal

Aliás, a Suprema Corte vinha sufragando (por maioria de votos) a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou da doutrina denominada fruits o fth e pois ono us tree. No Habeas Corpus n 69.912/RS, o M inistro Sepúlveda Pertence, como Relator, observou: “Vedar que se possa trazer ao processo a própria ‘degravação’ das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, paia chegar a outras provas, que sem tais informações não colheria, evi­ dentemente, é estimular, e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina e conversas privadas. E finalizando: ou se leva às últimas conseqüências a garantia constitucional ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida”

(,Informativo STF n. 36, de 21-6-1996), No Habeas Corpus n. 7 3 3 5 1 /

SP, o STF, concedendo o writ, observou que “a prova ilícita contami­ nou as provas obtidas a partir dela. A apreensão dos 80 quilos de cocaína só foi possível em virtude de interceptação telefônica..” (In ­

form ativo STF n. 30, de 15-5-1996).

É preferível que o criminoso fique impune a permitir o desres­ peito à Lei Maior.

Agora, em face da Lei n. 11.690/2008, dando nova redação ao art. 157 do CPP e acrescentando-lhe parágrafos, ficou estabelecido que “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte indepen­ dente das primeiras” (§ l s), e explica o que seja fonte independente: “considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova” (§ 2fl).

30. Princípio da presunção de inocência

Este princípio nada mais representa que o coroam ento do due

process oflaw.. É um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de

toda sociedade livre, como bem o disse A, C astanheira Neves (Su­

mários de processo p en a l, Coim bra, 1967, p. 26) . A ssenta no reco­

sociedade, princípios que, aliados à soberania do povo e ao culto da liberdade, constituem os elementos essenciais da dem ocracia (An­ tônio Ferreira Gomes, A sociedade e o trabalho: dem ocracia, sin­ dicalism o, ju stiça e paz, in Direito e justiça, Coim bra, 1980, v. 1, n 1, p. 7).

Contudo a expressão presunção de inocência não deve ter o seu conteúdo semântico interpretado literalmente — caso contrário nin­ guém poderia ser processado — , mas no sentido em que foi conce­ bido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: nenhuma pena pode ser imposta ao réu antecipadamente. E a melhor doutrina acrescenta: a prisão antecipada se justifica como providên­ cia exclusivamente cautelar, vale dizer, para impedir que a instrução criminal seja perturbada ou, então, para assegurar a efetivação da pena.

Na verdade, há mais de duzentos anos, o art. 92 da Declaração dos Direitos do Homem, de 26-8-1789, proclamava: “Tout homme étant présumé in no cen tju sq u’a ce qu ’il ait été déclaré coupable;'s’iÍ est jugé indispensable de Tarrêter, toute rigueur qui ne serait néces- saire pour s ’assurer de sa personne, doit être sévèrement reprimée par la íoi” (Todo homem é considerado inocente, até o momento em que, reconhecido como culpado, se for indispensável sua prisão, todo rigor desnecessário, empregado para efetuá-la, deve ser severamente repri­ mido pela lei).

Tal princípio se espraiou pelo mundo civilizado, ditado pelo pensamento jurídico-Iiberal, e, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, o proclamou em seu art. 11:

“Everyone chaiged with a penal offense has the right to be presumed innocent until proved guilty according to law in a public trial at which he has ali the garantees necessary for his defense”.

No mesmo sentido o inc 2- do art. 6- da Convenção do Conselho da Europa:

“Everyone charged with a crim inal offence shall be presumed innocent until proved guilty according to law”.

Na Itália, o problema agitou, na época, a Assembleia Constituin­ te, mas venceu a corrente liberal, e, em conseqüência, foi aprovado o § 2- do art, 27 da Constituição italiana:

“L’imputato non è considerato colpevole sino alia con- danna definitiva”.

Nas suas Bases completas para orientar en Laünoamérica la

unificación legislativa en matéria procesal p enal, o emérito Professor

da Universidade de Córdoba, Clariá Olmedo, estabeleceu:

“Nadie puede ser reputado culpable mientras una sen­ tencia firme no lo declare como tal. Hasta ese pronuncia- miento firme, el imputado goza de un estado de inocência” Entre nós, pela primeira vez o princípio da presunção de inocência, tal como proclamado pela Declaração Universal, é consagrado em texto cons­ titucional A propósito, o inc LVH do art 5° da CF de outubro de 1988: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”

Evidente, pois, tal como afirmado por Clariá Olmedo, que, sen­ do o réu presumidamente inocente enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, “las medidas de coerción personal que con­ tra aquél se dicten sólo deben tener caracter cautelar y provisional, y estar limitadas a lo estritamente necesario” (Bases, p. 45)~

No mesmo sentido a lição de Vélez Mariconde:

“De este principio (piesunción de inocência) derivan, también, el fundamento, la finalidad y la naturaleza de la coerción personal de! imputado: si éstc cs inoccnte haslaque la sentencia firme lo declare culpable, claro está que su li- bertad sólo puede sei restringida a título de cautela, y no de pena antecipada a dicha decisión jurisdiccional, siempre y cuando se sospeche o presuma que es culpable y ello sea indispensable para asegurar la efectiva actuación de la ley penal y procesal” (Derecho procesal penal, Ed Córdoba, v. 1, p. 325).

Assim também Julio B J Maier:

“Una vez reconocido que el imputado es inocente hasta la sentencia firme de condena que hace nacer el poder san- cionatorio penal dei Estado, debe reconocerse también que la custodia preventiva y Ias medidas de coerción ejercidas contra el imputado, sólo pueden tener como objeto asegurar ou hacer posibles los fines dei proceso penal — averiguar la verdad y actuar la ley penal — y ser aplicadas en la medida de la más estricta necesidad; cualquier exceso que tienda a convertirla en una pena antecipada, transladando a ella los fines de prevención general y especial que caracterizan a ésta, atenta contra la inocência admitida dei imputado mientras el castigo no le sea impuesto por sentencia firme” (Cuestiones

fundamentales sobre la libertad dei imputado y su situaciún en el proceso penal, Buenos Aires, Ed, LEA, 1981, p 25),

Aí está o ponto nevrálgico da questão devidamente solucionado: enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente. Sendo este presumidamente inocente, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória apenas poderá ser admitida a título de cautela. Assim, por exemplo, condenado o réu, seja ele primário, seja ele reincidente, tenha ou não tenha bons antecedentes, se estiver se desfazendo de seus bens, numa evidente dem onstração d e q u e pretende fugir a eventual sanção, justifica-se sua prisão provisória Do contrário, não. Desse modo, a regra contida no art 594 do CPP não podia ser interpretada com tanta largueza, A Lei n 11. 719/2008, no seu a r t 3-, revogou expressamente essa draconiana disposição. A prisão provisória, qualquer que seja, só se justifica se for necessária E mais: necessária aos fins do processo. E como bem disse Julio Muiei, “eses fines se resumen en la correcta averiguación de la verdad y en la actuación de la ley penal” (Derecho procesal penal argentino; fundamentos, Buenos Aires, Ed Hammurabi, 1989, t. 1, v. B, p. 279), Do contrário, o réu estaria sofrendo uma pena antecipadamente, e isso violenta o princípio da presunção de inocência. Não havendo perigo de fuga do indiciado ou imputado e, por outro lado, se ele não estiver criando obstáculo à averiguação da verdade buscada pelo Juiz, a pii-

são provisória torna-se medida inconstitucional, Se se pretende dar' combate ao crime implacavelmente, superlotando as cadeias e decu- plicando seu número, é muito simples: basta riscar da Constituição o princípio da presunção de inocência e mandar às favas o princípio proibitivo das provas obtidas ilicitamente... Veja-se, e a propósito, a observação feita pelo Prof. Yale Kamisar in Alejandro D. Cairio, Ga­

rantias, cit., p. 157-61,

Na pirâmide jurídica de Kelsen, a Constituição ocupa o seu ápi­ ce Ela é a Lei Maior Assim, se uma lei ordinária afronta a Lei de onde provêm as demais leis, ela não pode ter eficácia.

Mas, conforme arguta observação do eminente Juiz Adauto Su- annes — observação feita, é verdade, alguns anos atrás — , há uma tendência que se nota com frequência em membros da M agistratura e contra a qual urge lutar, depois de diagnosticada. Muito embora a “Declaração Universal dos Direitos do Homem” diga que “toda pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente ate' que sua culpa venha a sei apurada no curso de processo público, durante o qual se lhe assegurem todas as garantias necessárias à defesa” (a rt 11), o comportamento do Juiz, por vezes, sugere exatamente o contrário: o

denunciado é culpado até que prove o contrário.. (cf. Ap. 358.815/4,

apud Ada P. Grinover, O processo constitucional em marcha, Max Limonad, p 251). Era o mesmo pensamento que vigorava nos séculos XIV, XV, XVI, XVII e XVIII, quando se dizia que o réu era um ob­ jeto de investigação e não um sujeito de direito, quando reinava o processo inquisitivo e com ele os interrogatórios sugestivos, a tortura para se conseguir a confissão, a presunção de culpa, Mas, desde o segundo quartel do século XVIII, século das luzes, ou íluminismo, com as obras de Beccaria, Rousseau, Diderot, D ’ Alembert, Voltaire, M ontesquieu, e a Declaração dos Direitos do Homem, proclamada em Paris, em 26-8-1789, tudo mudou. E o Marquês de Beccaria, pasmem, em 1764, data da sua pequena grande obra Dos delitos e das penas, denominada por Voltaire “O Código da Humanidade” , dizia: “O acu­ sado não deve ser preso senão na medida em que for necessário para o impedir de fugir ou de ocultai as provas do crim e” (Dos delitos e

das penas, trad. Paulo M. Oliveira, São Paulo, Atena, 1954, p 106).

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haver, em face da consagração do princípio da presunção de inocência, nenhuma antecipação da pena A prisão provisória só se* justifica se for necessária. E ela o será apenas em duas hipóteses: para preservar a instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal

Agora, erigida à categoria de dogma constitucional, aquela ten­ dência diagnosticada pelo eminente M agistrado obviamente teria de extinguir-se, como de fato se extinguiu, não só com a introdução do parágrafo único no art. 387 do CPP, como pela revogação do art. 594 do mesmo diploma, e não fosse tal providência proceder-se-ia a uma inversão da estrutura do ordenamento jurídico.

Se o réu não pode ser considerado culpado enquanto não transi­ tar em julgado a sentença condenatória, por que prendê-lo antes de confirmada a sentença pela superior instância? O nerônico art 594 do CPP não podia, a toda evidência, subsistir tal como estava, Tampouco o art, 59 da nova Lei Antitóxicos (Lei n. 11.343/2006) e o § 3a do art, 2- da Lei n. 8,072, de 25-7-1990, com a redação dada pela Lei n. 11.464/2007. Felizmente, essa nódoa foi eliminada Em caso de con­ denação, eventual prisão deverá ser fundamentada e, ainda que ocor­ ra, cumprido ou não o mandado de prisão, havendo recurso de apela­ ção, terá ele seu processamento normal,

A Constituição, que é a Lei Maior, proclama que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença conde­ natória. Se não é considerado culpado, por que exigir a sua prisão antecipadamente? A regra do art. 3 9 3 ,1, do CPP e aquela prevista no art. 594 do mesmo diploma tinham de amoldar-se à Carta Política, como realmente se amoldaram. Se se pensasse diferentemente, à ma­ neira daqueles Magistrados a que se referiu o eminente Juiz Adauto Suannes, estariam as leis ordinárias — o Código de Processo Penal e a Lei Antitóxicos — sobrepondo-se à própria Constituição, numa inversão de valores que afronta qualquer raciocínio lógico.

Infeie-rse do texto constitucional, com uma clareza de doer nos olhos, que o réu tem o direito público subjetivo de natureza constitu­ cional de apelar em liberdade. Entendimento diverso conferirá à Lei das Leis o mesmo destino das folhas m inadas e ressequidas das es­ tações outonais, Para que serviria, então, a Magna Carta? Nos perío­ dos de exceção, todos criticam a política autoritária e ficam, aos

quatro ventos, clamando por liberdade, por democracia Mas, quando cessa o período ditatorial, e o País se reencontra com a democracia e