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O técnico-científico, o sociopolítico e as intervenções

2.7. A construção da relação o técnico-científico e o sociopolítico

2.7.2. O técnico-científico, o sociopolítico e as intervenções

Bibliografia e referências a projetos implantados evidenciam os benefícios que pode trazer o estabelecimento de uma interação entre a atuação de engenheiros, gestores e demais profissionais e os atores sociais presentes na área de uma bacia hidrográfica que deve receber intervenções. São necessárias outras medidas além das puramente técnicas para a sustentabilidade das obras.

“... o problema de conferir maior segurança às populações no que se refere ao risco de inundações está muito longe de se limitar somente a um problema de engenharia civil, ou seja, construir estruturas hidráulicas adequadas” (PORTO, s.d.).

Também a ação de moradores e comerciantes pode tornar inoperantes os sistemas de drenagem cuidadosamente implantados. O „Estudo do comportamento dos resíduos sólidos veiculados pelos rios urbanos junto a vertedores de entrada de reservatórios de controle de cheia‟ (ARMELIN, 2011) trata de investigação sobre a obstrução causada por resíduos sólidos prendidos ao longo de soleiras laterais de reservatórios urbanos de detenção projetados sob uma abordagem puramente hidráulica para o armazenamento de água de chuva. A função dos reservatórios é justamente amortecer os picos de cheia e minimizar o efeito de inundações. No entanto, o grande acúmulo de resíduos sólidos no interior dessas estruturas faz com as águas da chuva não encontrem espaço suficiente para que os reservatórios as contenham, já que o espaço está ocupado por dejetos, resíduos sólidos e outros sedimentos. Este estudo sugere, como solução, sobretudo a construção de canais e outras soluções hidráulicas para o re-direcionamento dos resíduos em geral e do lixo em

particular. Ora, sabe-se que moradores, comerciantes e demais atores sociais presentes na área de uma bacia hidrográfica são, em geral, importantes responsáveis por esta situação.

Este é um dado importante para a identificação do sucesso de intervenções. No caso, a procura de solução hidráulica para uma intervenção „puramente hidráulica‟ (baseada no conhecimento científico em hidráulica e na técnica) pode não contribuir para minimizar o efeito de inundações ao não considerar as soluções trabalhadas e encontradas com o envolvimento daqueles dos responsáveis pelas causas das inundações. Ainda que estas soluções sejam bastante mais complexas que as soluções técnicas, elas não devem ser descartadas. Caso contrário, apenas a conseqüência será atacada, com sérios riscos de fracasso.

Essa discussão parte de uma reflexão sobre a insuficiência da abordagem puramente técnica ou revestida de tecnologia convencional, isolada da atenção ao social, à política pública, aos arranjos institucionais, ao econômico e o socioambiental, já apontada por Frerks et al (2012). Em uma análise sobre a drenagem urbana e a gestão das águas pluviais a partir da visão do que representa a sustentabilidade, Pompêo (2000) demonstra a necessidade de se pensar e atuar em drenagem urbana não mais exclusivamente no âmbito da „Técnica da Engenharia‟, mas em sua associação com o social, o econômico e o ambiental para a sua sustentabilidade. Como inundações são fenômenos recorrentes, é clara a inoperância de sistemas já instalados. O fenômeno hidrológico „natural‟ passa a ser um fenômeno de causas que fogem ao simplesmente natural. Assim, intervenções para amenizar as ocorrências de inundações por enchentes nos cursos de água devem considerar a articulação entre os sistemas naturais e hidrológicos e os sistemas sociais e econômicos, estes dominados por uma dinâmica social de construção de território. Interferir nos processos hidrológicos pode não resultar nos benefícios esperados. Aspectos técnicos e gerenciais, apoiados em arranjos que não levem à fragmentação institucional, e que não fragmentem o sociopolítico, contribuem para que a tecnologia implantada seja durável (aqui entendida como duradoura) e sustentável (aqui entendida como oferecendo um serviço que atenda às finalidades originais da obra).

São afirmações que sugerem um trabalho conjunto entre técnicos, engenheiros, projetistas, Poder Público, sociedade civil e empresarial, para que, além de medidas estruturais (medidas físicas da Engenharia que envolvem obras hidráulicas de controle do escoamento superficial, como os reservatórios de detenção ou retenção de águas pluviais, envolvendo altos

investimentos) sejam também implantadas as estruturais sustentáveis, que complementam o controle do escoamento superficial. São os canais, trincheiras e solos drenantes; as valas e os poços de infiltração; os telhados armazenadores e verdes; os pavimentos permeáveis e os parques lineares; a manutenção ou recuperação da sinuosidade dos cursos de água; os reservatórios de retenção ou detenção de águas pluviais construídos de acordo com as características de solo e espaço dos locais de sua implantação, entre outras abordadas em abundância de artigos científicos e artigos técnicos (ANDJELKOVIC, 2001; SILVA, 2006; SILVA et al, 2009; PINTO, 2011; ALGODOAL, 2012; LI, 2012; ABCP & FCTH, 2012; PENGEL, 2013; GREENING EPA, s. d.46) além das indicadas no Plano de Manejo de Águas Pluviais de São Paulo, o PMAPSP47. Outras medidas como o uso de estratégias48 em edificações que permitam o escoamento da água de alagamento sem causar danos, e o melhoramento dos sistemas de alarme, têm sido consideradas mais eficazes em sua contribuição para a redução do impacto das inundações em áreas urbanas (GUPTA, 2007). Também vem sendo recomendada a inclusão de medidas não-estruturais em planos para a drenagem em bacias hidrográficas. São medidas que devem acompanhar as obras „tecnicamente bem projetadas e construídas‟ para a implementação deformas mais eficazes e sustentáveis de atacar as complexidades presentes em bacias hidrográficas (PORTO s.d.). São medidas tal como a articulação institucional, o planejamento abrangente, a adoção e a aplicação de normas legais viáveis, a implementação de melhores técnicas de gestão, a melhor operação das infraestruturas existentes, a capacitação de recursos humanos a todos os níveis, a garantia de financiamento e a adoção de medidas para monitorar o uso e ocupação do solo, entre outras sugeridas por Porto (s.d.). Também a organização Greening EPA (s. d.) indica arranjos institucionais, com indicações de múltiplas boas práticas de gestão (BMPs) relacionadas à educação pública e ao envolvimento do público em desenvolvimento, implementação e monitoramento de programa de manejo de águas pluviais49.

Abundante bibliografia valoriza essas experiências. Uma delas é apresentada pelo Programa Switch (BUTTERWORTH, MCINTYRE & DA SILVA WELLS, 2011) ao afirmar que sem discussões entre todos os usuários da água, em conjunto com os responsáveis pela elaboração de políticas, leis, regulamentos, bem como pelos responsáveis pela construção, captação e

46Greening EPA apresenta uma relação de boas práticas em medidas estruturais sustentáveis para conter inundações: http://www.

Epa. Gov/oaintrnt/stormwater/best_practices. Htm#best_practices último acesso em dezembro 2013.

47http://aguaspluviais. Inf. Br/recomendacoes. Aspx?id=5&RecId=5 último acesso em setembro 2013.

48 „floodproofing‟

tratamento, não é possível gerenciar o ciclo hidrológico urbano de maneira apropriada. Quanto maior a cidade, maior o conjunto de instituições, grupos de interesse e associações de usuários que estão, de uma forma ou de outra, vinculados ao ciclo hidrológico urbano. Nenhum grupo de interesse relevante deve ser deixado de fora e essa colaboração deve ser cuidadosamente planejada para que uma abordagem mais integrada realmente tenha êxito. Isso não deve ser confundido com a organização de uma ou duas reuniões onde a informação é distribuída e respostas são coletadas. O envolvimento de grupos de interesse é mais que isso. Seu objetivo é persuadir todos os atores relevantes que trabalham nas questões relativas às água urbana a caminharem na mesma direção, alinhados com princípios comuns. Para esse fim, as preocupações de todos os grupos de interesse precisam ser abordadas, e as capacidades e recursos que eles possuem devem ser utilizados na busca de melhores soluções para os diferentes problemas em questão. Esta participação não substitui, mas complementa a governança do sistema hídrico urbano. O verdadeiro poder da tomada de decisões – e assim a responsabilidade – para oferecer bons serviços hidráulicos ainda cai sobre as entidades públicas e mesmo as privadas que têm o encargo oficial de gerir a água. Um processo participativo eficaz, por sua vez, vai garantir que decisões cruciais sejam tomadas em consenso com todos os grupos de interesse, e que estes desenvolvam, em troca, um senso de responsabilidade e disposição para apoiar as entidades oficiais, dentro das limitações de suas próprias capacidades.

A literatura que aborda a „resiliência‟ como meio para atender ao interesse público sugere a interação entre todos como meio para se chegar à drenagem sustentável.