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2.1. A cidade, os rios e as planícies inundáveis

2.1.1. Origens

A expansão urbana na cidade de São Paulo está intimamente ligada à história de seus mais importantes rios, o Tietê, o Pinheiros e o Tamanduateí, cujo núcleo central já esteve caracterizado como um mosaico de colinas, terraços fluviais e planícies de inundação (AB‟SÁBER, 2007, p.13). O rio Tietê, que corta a cidade de leste a oeste, é um rio peculiar. Nasce na Serra do Mar, a 1120 metros de altitude e, apesar de estar a apenas 22 quilômetros do litoral, os contrafortes da Serra do Mar obrigam-no a caminhar em sentido inverso, rumo ao interior, percorrendo 1100 quilômetros até despejar-se no Rio Paraná.

Atividades humanas no entorno do Tietê datam de antes da chegada dos colonos portugueses, no século XVI. Aí já habitavam indígenas que faziam uso das águas para banho, cozinha e pesca, ocupação que se intensificou com a colonização. Foi quando o uso das planícies de inundação se multiplicou para os mais variados fins como a lavagem de roupas, a dessedentação de mulas e burros e, mesmo, a recreação. Suas águas eram também usadas para o transporte de desbravadores e carga, assim como para o afastamento de resíduos, restos da atividade humana que aí se desenvolveu.

Na segunda metade do século XVI, cresceu a importância do rio para a fundação da Vila de São Paulo, para os aldeamentos indígenas e demais núcleos de povoamento que foram se expandindo à sua volta, ampliando-se, também, a navegação, inclusive rumo a outros estados. Em 1788, às suas margens floresceram os primeiros cafezais em terras do Município, contribuindo para a consolidação do que veio a ser o principal produto brasileiro de exportação durante o auge do seu ciclo (1800 – 1930): o café (PRADO JR, 1970; NÓBREGA, 1978). Esses acontecimentos vêm comprovar os impactos da ocupação do rio sobre o processo de desenvolvimento econômico e urbano da cidade de São Paulo. Paulatinamente, foram instalando-se às suas margens indústrias e armazéns e, para o transporte mais eficiente de seus produtos, os baixos terraços e as planícies alagáveis do Tietê passaram a servir aos trilhos das estradas de ferro, em substituição ao transporte em burros e mulas. As estradas de ferro foram, sobretudo, essenciais para o transporte da produção

agrícola do interior para a capital e daí para o principal porto, em Santos, por onde escoava sua exportação (PRADO JR, 1970; AB‟SÁBER, 2007; NOBRE, 2010; ZANIRATO, 2011). Tal como o Tietê, seu afluente o rio Tamanduateí compõe hoje uma importante sub-bacia do Alto Tietê. Com uma área total aproximada de 323 km2, expande-se por zonas centrais da cidade de São Paulo e de municípios vizinhos, fluindo por extensas planícies. Também despertava o interesse de historiadores e pesquisadores por seu entrelaçamento com a própria história da formação e crescimento da cidade de São Paulo. Até mesmo visitantes estrangeiros se encantavam com a tranquilidade de suas águas e sua beleza, tal como descrito por Saint- Hilaire em 1819: “um rio serpenteando através das pastagens úmidas em uma planície sem acidentes que apresenta uma encantadora alternativa de pastagens rasteiras e de capões de mato pouco elevados....” (CAMARGO, 2006). As fotografias de Militão Augusto de Azevedo ilustram aspectos do Tamanduateí por volta de 1862, retratando a presença de burros e mulas que se serviam de suas águas ao lado de lavadeiras e pedestres que por lá transitavam (ASSUNÇÃO, 2006).

O rio Pinheiros é também um dos principais afluentes do rio Tietê. Sua bacia cobre uma área de 270 km2, com uma vazão média anual em sua foz estimada em 10 m3/s (CAVALCANTI, 2012). Situado não tão próximo do centro da vida urbana da cidade, suas planícies de inundação estavam mais protegidas de ocupação fixa e com maior potencial para o lazer. O curso de suas águas fluía em meandros permeáveis, com alta capacidade de absorção da precipitação e de seus afluentes.

Assim chamado desde o século XVI, dada a densa mata de araucária ou „pinheiros do Brasil‟ em seu entorno, o rio Pinheiros já era, naquela época, foco de aldeamentos indígenas. Sua nascente era abastecida pela confluência dos rios Grande e Guarapiranga e seu curso fluía em meandros sinuosos entre largas planícies de inundação até sua foz no rio Tietê. Suas margens foram paulatinamente sendo ocupadas e o próprio rio deu apoio à importante via de navegação, o Tietê, para desbravadores paulistas que se internavam pelo sertão.

As várzeas desses três rios, ou suas planícies fluviais ou de inundação, formavam os espaços naturais de amortecimento das cheias provocadas pela precipitação de chuvas. Com a colonização e o adensamento da ocupação, o mosaico de colinas descrito por Ab‟Sáber

(2007) passa a receber os núcleos de habitação e fixação urbana. A própria cidade, então Vila, havia sido fundada em uma colina, tendo de um lado o Tamanduateí e de outro o Ribeirão Anhangabaú.

Assentado em colinas, o núcleo central da cidade percebia ao seu redor as cheias dos rios mais próximos. As do Tamanduateí ocorriam regularmente durante o verão desde a fundação da cidade no século XVI. Dada a expansão da ocupação, relatos do início do século XIX confirmam que a cidade ficava isolada pelas cheias dos rios próximos, trazendo preocupação por parte do Poder Público devido ao risco do alastramento da sujeira e de epidemias. Assim é que, em 1823, surge por parte do governo um alerta para a urgência do encanamento do rio Tamanduateí. A principal alegação eram os problemas e doenças que suas águas vinham causando para a vida na cidade, confirmados em correspondência ao Senado da Câmara. A resposta, no ano seguinte, veio quase em forma de manifesto em prol da preservação da natureza. Evocava as origens do rio sinuoso e em harmonia com seu entorno, integrado à vida na cidade, já que em suas várzeas se passeava com pés enxutos (CAMARGO, 2006).

Se hoje as vias férreas e rodoviárias são obstruídas por alagamentos, já em 1919 a estrada de ferro São Paulo Railway, que fazia o percurso de São Paulo a Santos, foi interrompida pelas águas do rio Tamanduateí por dois quilômetros de trilhos. A ferrovia, que passou a operar em 1867, avançava sobre a várzea do rio, em paralelo a seu leito, até o centro da cidade, para depois prosseguir até seu destino final. Procurando evitar a topografia acidentada e zonas edificadas, o traçado da ferrovia buscou a várzea do Tamanduateí, uma longa planura com ocupação rarefeita (JORGE, 2011). A Engenharia é chamada a intervir.