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Políticas educacionais para a formação em Engenharia Civil

2.5 A evolução do ensino de Engenharia no Brasil

2.5.9 Políticas educacionais para a formação em Engenharia Civil

Nesta seção são examinadas duas políticas que propõem adaptações à malha de disciplinas oferecidas para a formação do engenheiro civil: as “Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Engenharia” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2002;

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002) e “Civil Engineering Body of Knowledge

for the 21st Century: Preparing the Civil Engineer for the Future” (ASCE, 2008).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Engenharias se originam na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), instituída em 1996 (MATOS e RUDOLF, 2006). Em seu Artigo 52, a LDB chama as instituições de ensino superior a transformar-se em provedoras de produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional. Dispõe, em seu Artigo 53, sobre a autonomia universitária que inclui “fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes” (BRASIL, 1996). Estes dois artigos conduzem a pensar a base científica sem desvinculá-la da discussão das questões que exigem solução urgente („temas e problemas mais relevantes‟) em seu próprio ambiente cultural. Reforça esta diretriz ao conferir a autonomia necessária à flexibilização para a sua institucionalização em todos os cursos, incluídos aí os que levam à diplomação do Engenheiro Civil. A proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Engenharia (DCNs), inicialmente aprovada em dezembro de 2001 em parecer emitido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), delineia os princípios que guiam a formação e as habilidades a serem adquiridas pelo Engenheiro.

Essa consideração visa apoiar o Engenheiro para fazer frente aos desafios dos avanços tecnológicos que demandam o uso intensivo de conhecimentos científicos, e para o desenvolvimento do país num mundo globalizado. As DCNs são explícitas quanto à insuficiência proposta pela acumulação de conteúdo, sugerindo maiores opções de áreas de conhecimento e, entre outros esforços, o da transdiciplinaridade. O parecer do CNE é claro quanto à

„preocupação com a valorização do ser humano e preservação do meio ambiente, integração social e política do profissional, possibilidade de articulação direta com a pós-graduação e forte vinculação entre teoria e prática.... e num programa de estudos coerentemente integrado‟ (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002)

Este exige o conjunto de experiências de aprendizado, um processo participativo em que o estudante constrói o seu próprio conhecimento e experiência com orientação e participação do professor, e facilita a compreensão totalizante do conhecimento pelo estudante (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2002; CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002).

São princípios que abrem espaço para a introdução dos temas relativos ao sociopolítico e o exercício de sua prática. Em seu Art. 3º, as DCNs propõem que

O Curso de Graduação em Engenharia tem como perfil do formando egresso/profissional o engenheiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a absorver e desenvolver novas tecnologias, estimulando a sua atuação crítica e criativa na identificação e resolução de problemas, considerando seus aspectos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais, com visão ética e humanística, em atendimento às demandas da sociedade (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2002).

Assim,

o novo engenheiro deve ser capaz de propor soluções que sejam não apenas tecnicamente corretas; ele deve ter a ambição de considerar os problemas em sua totalidade, em sua inserção numa cadeia de causas e efeitos de múltiplas dimensões. Não se adequar a esse cenário procurando formar profissionais com tal perfil significa atraso no processo de desenvolvimento. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2002).

Para a obtenção desse perfil, as DCNs propõem três núcleos de conteúdo. O núcleo básico, que representa 30% da carga horária mínima, deve abranger as disciplinas:

 Metodologia Científica e Tecnológica  Comunicação e Expressão

 Eletricidade Aplicada  Expressão Gráfica

 Química  Fenômenos de Transporte

 Ciência e Tecnologia dos Materiais  Mecânica dos Sólidos

 Administração  Economia

 Matemática  Ciências do Ambiente

 Física  Humanidades, Ciências Sociais e

Cidadania  Informática

O núcleo de conteúdos profissionalizantes, aproximadamente 15% da carga horária mínima, deve incluir as disciplinas técnico-científicas, normalmente encontradas no curso de graduação em Engenharia Civil, acrescidas de Ergonomia e Segurança do Trabalho; Estratégia e Organização; Gerência de Produção; Gestão Ambiental; Gestão Econômica; Gestão de Tecnologia; Hidráulica, Hidrologia Aplicada e Saneamento Básico.

O núcleo de conteúdos específicos deve oferecer as disciplinas de extensão e aprofundamento dos conteúdos do núcleo de conteúdos profissionalizantes, bem como de outros conteúdos, a serem propostos pelas instituições de ensino. Referem-se a conhecimentos científicos, tecnológicos e instrumentais necessários para a definição das modalidades de Engenharia, que devem garantir o desenvolvimento das competências e habilidades estabelecidas pelas DCNs. A política formulada pela American Society of Civil Engineers (ASCE, 2008) – preparando o engenheiro para o futuro – admite que são necessárias mudanças na formação do Engenheiro Civil e para dar respostas ao momento atual do processo de globalização pelo qual passam as economias de todos os países; do enfrentamento de problemas relativos à sustentabilidade do planeta; do desenvolvimento de novas tecnologias, e da necessidade de enfrentar a complexidade inerente a identificar, definir e resolver problemas, garantindo segurança, saúde e o bem-estar público da sociedade. Propõe que o Engenheiro Civil seja reconhecido como liderança na garantia de um mundo sustentável e para a qualidade de vida, estando consciente de sua responsabilidade social de proteger a segurança pública, a saúde e o bem-estar. Entende por „segurança pública‟ a proteção de cidadãos da vulnerabilidade a que está sujeito o meio urbano, como a proteção contra inundações, alagamentos e deslizamentos, tão comuns em situação de enchentes.

CONTEÚDO A SER ALCANÇADO NÍVEIS DE REALIZAÇÃO 1 2 3 4 5 6 Conheci- mento Compre- ensão

Aplicação Análise Síntese Avaliação

Disciplinas de Base 1. Matemática B B B 2. Ciências Naturais B B B 3. Humanidades B B B 4. Ciências Sociais B B B Técnico

5. Ciências dos Materiais B B B

6. Mecânica B B B B

7. Experimentos B B B B M/30

8. Reconhecimento e solução de problemas B B B M/30

9. Desenho B B B B B E

10. Sustentabilidade B B B E

11. Tópicos atuais e perspectivas históricas B B B E

12. Risco e insegurança B B B E

13. Gestão de projetos B B B E

14. Abrangências das áreas da Engenharia Civil B B B B

15. Especialização técnica B M/30 M/30 M/30 M/30 E

Profissional

16. Comunicação B B B B E

17. Política pública B B E

18. Administração pública e de empresas B B E

19. Globalização B B B E

20. Liderança B B B E

21. Trabalho em equipe B B B E

22. Atitudes B B E

23. Aprendizagem para a vida B B B B E E

24. Responsabilidade profissional e ética B B B B E E

B: Porção do corpo de conhecimento completada pelo Diploma de Bacharel

M/30: Porção do corpo de conhecimento completada pelo Diploma de Master ou equivalente (30 créditos em nível de pós- graduação e/ou prática profissional em área da Engenharia Civil).

E: Porção do corpo de conhecimento completada pela experiência prática e titulação do Engenheiro Quadro 6 - Política da ASCE - proposta para a Formação do Engenheiro Civil

Fonte: ASCE (2008)

Em resumo, a sugestão para a malha curricular e os requisitos para a titulação do Engenheiro Civil segundo a política da ASCE pode ser apresentada como

B + M/30 & E

ou seja, um Bacharelado completado pelo Mestrado ou 30 créditos semestrais, agregados de Experiência prática.

Assim, esta proposta para a formação nos níveis fundamental, técnico e profissional inclui, como essenciais para a titulação e o ingresso do engenheiro no mundo do trabalho, não só a formação básica como também a experiência prévia ou precoce, a formação em nível de Mestrado ou o estudo de disciplinas correspondentes a 30 créditos semestrais em nível de pós- graduação. Sugere a promoção de um corpo de conhecimentos, de habilidades e atitudes em profundidade e abordagens necessárias para que um indivíduo ingresse na prática da Engenharia Civil em nível profissional no Século XXI.

Depois de formado, prevê ainda que o engenheiro tenha atualização permanente como um acréscimo constante à sua formação. Sugere que a formação, nesses termos, seja a base para a transformação da maneira como a Engenharia Civil é praticada. Propõe que as instituições de educação superior, as organizações do Governo e outras organizações afins e os empregadores de engenheiros civis promovam a importância da educação pós-graduada como requisito para a prática profissional da Engenharia Civil.

Em sua proposta, usa a taxonomia de Bloom para os níveis de conteúdo a serem alcançados (BLOOM, 1956): o conhecimento a ser adquirido, a compreensão deste conhecimento e sua aplicação, a aquisição da capacidade de análise, de síntese e de avaliação. Importantes revisões desta taxonomia, feitas por outros autores, incluem outras variáveis como o saber / conhecer o que? e o saber / conhecer como? No entanto, aqui é focalizada a taxonomia original de Bloom como um primeiro olhar ao quadro disciplinar proposto pela política da ASCE para a formação do Engenheiro Civil. A informação contida no Quadro 6 chama a atenção para a importância dada às Humanidades e às Ciências Sociais durante o ciclo fundamental do ensino.

Por Humanidades, tal como proposta para a malha curricular de Engenharia Civil, entende as disciplinas que estudam os aspectos humanos do mundo, incluindo a Filosofia, a História, a Literatura, Artes Visuais e Cênicas, Linguagem e Religião. Essas disciplinas acadêmicas

usam métodos críticos ou especulativos para estudar a condição humana. O objetivo é que o estudante desenvolva afinidade e apreciação pela importância de desenvolver soluções para a Engenharia em consonância com o mundo à sua volta. Não necessariamente um estudante se aprofundará em todas essas disciplinas, mas deve ser capaz de reconhecer e identificar informação relevante de mais de uma área das Humanidades e poder explicar os conceitos em pelo menos uma delas. Trata-se de entender como esse conhecimento pode dar apoio e impactar suas decisões em Engenharia.

As Ciências Sociais, para a malha curricular de Engenharia Civil, englobam Economia, Ciência Política, Sociologia e Psicologia, e alguns estudos de História. Entender o método científico e o uso de abordagens qualitativas ou quantitativas, com coleta de dados, ferramentas como a estatística, a interpretação e a análise, ajudam o estudante de Engenharia Civil a perceber a importância das Ciências Sociais e como podem ajudar na sua formação. Como a atuação do engenheiro civil se insere no mundo à sua volta através de serviços prestados à sociedade, as Ciências Sociais o apoiam na compreensão dos fenômenos da organização social, cultural, política e institucional. Com isso, são feitas as conexões, desde o curso de graduação em Engenharia Civil, entre a técnica que passa a dominar e sua educação em Ciências Sociais. A importância reside no fato de que a maioria dos projetos envolve diferentes graus de interação entre a Engenharia e os conhecimentos de Ciências Sociais, aí incluídos aspectos de economia e os aspectos políticos.

Segundo esta política, os engenheiros precisam reconhecer e incorporar essas considerações no desenvolvimento, na entrega de serviços e obras e na avaliação de soluções dos problemas de Engenharia, que assim terá impacto sobre os sistemas socioculturais no atendimento do interesse público. Por outro lado, compreenderão as oportunidades que se abrem para a realização de sua profissão.

A recomendação de uma formação básica em Ciências Sociais e Humanidades prepara o engenheiro para compreender as motivações e interesses dos atores sociais presentes em áreas onde deverá atuar profissionalmente.