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4 IDEOLOGIA NO CINEMA

4.1 O TRIUNFO DA VONTADE

O longa alemão “O Triunfo da Vontade”, dirigido por Leni Riefenstahl em 1934 e lançado em 1935 sob o governo do Terceiro Reich, acompanha o líder do partido nazista, Adolf Hitler, no 6º Congresso do Partido Nazista em Nuremberg, Alemanha, e, por mais que retrate acontecimentos anteriores ao início da guerra, serve como objeto de análise por seu caráter propagandístico e de alto reconhecimento técnico na cinematografia internacional. Mesmo não retratando o Holocausto judeu, contribui para a análise ao trazer grandes discursos nazistas da época que viria a definir toda a conjuntura da Segunda Guerra Mundial: A grandiosa tomada de poder de Hitler após sua ascensão ao governo e a grande aceitação pública que recebia ao redor de todo o Estado (ROVAI, 2005). Estes fatores, em conjunto, são amplamente debatidos por Hannah Arendt ao criar a teoria da Banalidade do Mal, o que faz necessária a análise para entendimento do clássico documentário nazista.

Ainda, como documento histórico, o filme não pode ser analisado como verdade plena de um acontecimento histórico, uma vez que a realização cinematográfica, mesmo em questão de documentários, implica em seleções, montagens, generalizações, condensações, ocultações quando não em invenções ou mesmo falsificações (NOVA, 1996).

Figura 12 - Águia prussiana e suástica nazista no pôster do filme “O Triunfo da Vontade”.

Fonte: GLOBAL Secutiry. Disponível: <http://www.globalsecurity.org/military/world/europe/de-will.htm> Acesso: 07 set. 2016.

Como forma documental, o filme traz sua importância ao servir como testemunho da sociedade que o produziu, tornando-se uma fonte documental para a ciência histórica por excelência, estando sensível aos condicionamentos sociais de sua época, pois, uma vez que a sociedade exerce influência sobre a produção cinematográfica, a recíproca torna-se também verdadeira (NOVA, 1996).

No cinema internacional, ressalta-se que a Alemanha, após o início de 1930, promoveu uma forte e contínua evolução que seguiria até a ascensão de Adolf Hitler ao poder, sendo, já na época, conhecida por seus grandes clássicos que chamavam a atenção do mundo pelo seu estilo único e suas técnicas revolucionárias. Nesta era conhecida como “expressionismo alemão”, surgiram clássicos atemporais como “O Gabinete do Dr. Caligari” (1920, Robert Wiene), “Nosferatu” (1922, F.W. Murnau), “Metropolis” (1927, Fritz Lang) e “M, O Vampiro de Dusseldorf” (1931, Fritz Lang) (PEREIRA, 2012, p. 50-55). Antecedendo o documentário “O Triunfo da Vontade”, Pereira (2012, p. 55) afirma que:

A alta concentração dos meios de produção cinematográfica em poucas mãos e a existência de um sistema de controle estatal sobre a mesma facilitou aos nazistas a incorporação imediata do cinema como arma estratégica de propaganda.

Com o aparato totalitário nazista sob o cinema alemão e o lançamento do controverso e aclamado “O Triunfo da Vontade”, destaca-se a grande responsável pelo estrondoso sucesso e reconhecimento técnico do filme, Helena Berta Amalie “Leni” Riefenstahl, nascida em 1902, e que utilizou no projeto inéditas formas de filmagem e montagem para construir o visual gigantesco e brilhante acerca do Partido Nazista e de Adolf Hitler como seu líder, lançando suas imagens a novos e elevados níveis. Como partida, o longa tecerá mais de 20 minutos de imagens acompanhando Hitler e toda sua grandeza, destacando-o como um homem do povo, adorado e ovacionado por onde passa com sua imensa comitiva, tendo só então seu primeiro discurso exibido, durante a abertura do IV Congresso (O TRIUNFO..., 1934, 22:40).

Em demonstração clara do impacto da grandeza de “O Triunfo da Vontade”, Frank Capra, um dos maiores cineastas ítalo-americano, em 1942 no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, declarou:

Aquilo me assustou demais. Minha primeira reação foi pensar que estávamos todos mortos e que não havia possibilidade de vencermos a guerra [...] Quando assisti, pensei: “Como podemos nos igualar a esta enorme máquina e esta estrondosa vontade pela vitória? Renda-se ou estás morto, era esta a mensagem clara que o filme queria passar. Fiquei lá, sentado como um homem infeliz. Este é o maior filme de propaganda já feito (MCBRIDE, 2011, p. 466).

Já disposto tanto o aparato estatal quanto a grandiosidade artística cinematográfica alemã, leva-se em consideração que o documentário analisado foi importante para, durante o governo do Terceiro Reich, transpor as barreiras dos discursos políticos, como no caso o VI Congresso do Partido Nacional Socialista em Nuremberg no ano de 1934. Nesta transposição, os discursos e a grandiosidade dos eventos não eram mais apenas ouvidos e assistidas pelos simpatizantes partidários, mas sim toda uma nação como visto no longa “O Triunfo da Vontade”, que trará claras mensagens para a população: Liderança, lealdade, unidade, força e germanismo (PEREIRA, 2012, p. 264).

Figura 13 – A grandiosidade nazista em “O Triunfo da Vontade”.

Fonte: FRAMEPOOL. Disponível: <http://footage.framepool.com/en/shot/204054043-sa-uniform-luitpold- arena-sturmabteilung-triumf-des-willens> Acesso: 07 set. 2016.

Outra questão importante levantada por Hannah Arendt em “Eichmann em Jerusalém” é a cumplicidade entre os membros do Partido Nazista, onde, por mais que testemunha após testemunha tenha relatado fatos horrendos e verdadeiros, os mesmos tinham pouca ligação, ou até mesmo nenhuma, com os atos do acusado. Entende-se que a acusação evitava uma questão primordial no caso: “A cumplicidade quase ubíqua, que se estendera muito além das alas do Partido” (ARENDT, 2015, p. 29). Já no longa “O Triunfo da Vontade”, encontra-se a questão da cumplicidade nazista no discurso de Joseph Goebbels, onde o Ministro da Propaganda

afirmará que possuir poder através das armas pode ser bom, mas é melhor e mais gratificante conquistar os corações das pessoas (O TRIUNFO..., 1934, 31:07).

Para Arendt (2015, p. 44-45), Eichmann não entrou para o Partido por convicção e nunca se deixou convencer por ele, já que, sempre que perguntadas suas razões, repetia clichês batidos sobre o Tratado de Versalhes e o desemprego que assolava a Alemanha, discurso este presente também no longa analisado, em destaque no discurso de Konstantin Hierl, um dos grandes diretores do Partido Nazista, ao afirmar que “Nós aguardamos sua ordem, Führer” (O TRIUNFO..., 1934, 34:07), discurso este que terminará com grandiosos sons de marcha sobreposto s por imagens que irão mostrar para o espectador diversos aspectos da grandiosidade nazista, como bandeiras, monumentos e símbolos. Em seguia, Adolf Hitler é recebido em um palanque em frente a um mar de cidadãos alemães, onde o mesmo é introduzido com a afirmação de que “52 mil trabalhadores esperam sua ordem, Meu Führer” (O TRIUNFO..., 1934, 34:45). Perante Hitler, os soldados apresentam-se de todas as partes da Alemanha, mostrando a vasta influência nazista dominando todo o território: Friesland, Bavária, Kaiserstuhl, Pomerânia, Konigsberg, Selisia, entre outros.

Com a apresentação dos soldados vindos de diferentes regiões da Alemanha, o espectador é apresentado ao discurso já bastante conhecido nazista, que dirá: “- Estamos aqui a postos. Estamos prontos para levar a Alemanha a uma nova era. Um povo, um Führer, um Reich, uma Alemanha (....). Nós estamos construindo estradas de cidade a cidade, de região a região. Nós estamos fazendo novos campos para os trabalhadores rurais. ” Assim, demonstrava- se para a população o apelo nazista como salvação de todos os seus males, além das imagens que retratavam um povo unido para a salvação do país e que apostava e acreditava em quaisquer discursos ali redigidos pelos líderes do partido, em especial Adolf Hitler.

Destarte, o núcleo da Banalidade do Mal de Hannah Arendt encontra-se no momento onde a autora percebe que “quanto mais se ouvia Eichmann, mais óbvio ficava que sua incapacidade de falar estava intimamente relacionada com sua incapacidade de pensar, ou seja, de pensar do ponto de vista de outra pessoa” (ARENDT, 2015, p. 62).

Em questão da manipulação fortemente incentivada pelo Partido Nazista, importante passo para a falta de reflexão humana e, consequentemente, a ocorrência da Banalidade do Mal, Arendt (2015, p. 65) afirma que “a prática de auto-engano tinha se tornado tão comum, quase mesmo um requisito moral para a sobrevivência”, em especial o discurso que mais havia surtido efeito: A batalha pelo destino do povo alemão como conotação para a Segunda Guerra Mundial. Para o sucesso de tal slogan ser garantido, alguns aspectos foram abordados, entre eles a idealização de que a guerra não era uma guerra, pois havia sido iniciada pelo destino e não pela

Alemanha, e também o caráter mortal da mesma, onde apenas dois futuros poderiam ser esperados: Aniquilar os inimigos ou ser aniquilado (ARENDT, 2015, p. 65).

A força ideológica de Hitler era tamanha que poderia soar exagerada, porém os discursos acalorados em Nuremberg conectam-se diretamente às afirmações de Hannah Arendt, em especial no trecho onde foca a necessidade de obediência e espera por ordens, onde um soldado, não identificado no documentário, diferente dos grandes líderes nazistas, discursa para Hitler e afirma “Meu Führer, assim como servimos obedientemente nos tempos passados, esperamos apenas suas ordens no futuro” e, em seguida, virando-se para a multidão que assistia, diz que “Nós, camaradas, não sabemos de mais nada a não ser executar as ordens de nosso Führer e provar que somos fiéis” (O TRIUNFO..., 1934, 1:09:00), demonstrando a maior demonstração de força e competência dentro do regime nazista: Seguir ordens.

Quanto a objetividade do Partido e de seus membros, em especial analisando o comportamento e discurso de Eichmann durante seu julgamento, Arendt relata os discursos onde os campos de concentração eram retratados sempre em termos de “administração” e dos campos de extermínio como uma questão apenas “econômica” (ARENDT, 2015, p. 83), como visto no documentário “O Triunfo da Vontade”, onde os discursos deixam claros os princípios nazistas para a população, princípios estes pautados na determinação e na lealdade, onde os alemães deveriam pensar somente nas pessoas, na Alemanha, no Reich, na nação alemã e no povo alemão todos os dias e todas as horas do dia, como ditado por Hitler em seu discurso (O TRIUNFO..., 1934, 1:01:00). Além do pensamento estar sempre levado a um bem maior da nação, levando a burocratização como algo natural e necessário, o Partido Nazista, sob o discurso de Hitler, deixa clara também sua necessidade em uma população totalmente obediente e que ame a paz, mas que seja valente acima de tudo (O TRIUNFO..., 1934, 48:07).

A obediência e reverência dos membros e simpatizantes do Partido Nazista por Adolf Hitler era tamanha que, durante o julgamento de Nuremberg, nenhum acusado ousou pôr a culpa no líder do regime (ARENT, 2015, p. 86) e, em concordância com o material analisado no documentário, realça-se que “em Jerusalém, confrontado com provas documentais de sua extraordinária lealdade a Hitler e à ordem do Führer, Eichmann tentou muitas vezes explicar que durante o Terceiro Reich as palavras do Führer tinham força de lei” (ARENDT, 2015, p. 165).

Também em seu discurso, Hitler branda que toda a população deve ser nacional socialista, mas só os melhores se tornarão membros do partido. Motivo este que se relaciona em completo com o caso Eichmann, onde Hannah Arendt (2015, p. 75) afirma que sua memória só funcionava a respeito de coisas que influenciaram diretamente a sua carreira, ou seja, a

importância dos membros do partido era ascender em suas posições diante o Partido. Porém, a questão da Solução Final do Problema Judeu, como destacado por Arendt, já não era mais segredo em 1941 entre os “altos círculos” do Partido, círculo este que Eichmann ainda não fazia parte, como nunca fez (ARENDT, 2015, p. 99).

Ainda, a questão da barbárie que viria a assolar a Alemanha durante as chacinas nos campos de concentração e sob os comandos diversos da polícia nazista, a GESTAPO, não poderia ser aplicada aos membros que participavam das atividades burocráticas. Como mostrado em “O Triunfo da Vontade” através de outro discurso de Adolf Hitler, “o trabalho para o país é a participação no partido, não existe outro emprego” (O TRIUNFO..., 1934, 37:32), ou seja, a participação na ideia de libertação da Alemanha pontava como ponto único nas decisões daqueles que haviam, como defendido por Hannah Arendt, abdicado de sua capacidade humana de autorreflexão.

Como exposto no documentário analisado, a essência dos desejos de Hitler e do Partido Nazista soariam, para seus membros e para toda a população alemã, como ordem religiosa (O TRIUNFO..., 1934, 1:41:30), e Eichmann não estaria fora desta afirmativa. Destarte, Hannah Arendt relembra que o acusado sempre teve grande preocupação em estar “coberto” por ordens, assim como demonstrado na primeira deportação assinada por ele em 1941, onde Hitler expressou seu “desejo” em tornar o Reich judenrein8. Interessante é também saber que, de acordo com a autora, este foi o único momento na vida profissional de Eichmann onde ele tomou uma iniciativa contrária as ordens, já que enviou os judeus selecionados para o gueto de Lódz, onde sabia que não havia sido feita nenhuma preparação para o extermínio, diferente dos locais inicialmente apontados pelos líderes nazistas como destino (ARENDT, 2015, p. 109).

Assim como no longa, o senso de sacrifício e a promessa em sempre lutar dos membros nazistas demonstrava a inexistente tentativa de justificarem suas ações pelo cunho ideológico, já que “o que afetava as cabeças desses homens que tinham se transformado em assassinos era simplesmente a ideia de estar envolvidos em algo grandioso, único” (ARENDT, 2015, p. 121). Destaca-se que o maior documentário de propaganda política nazista, “O Triunfo da Vontade”, não irá discorrer diretamente sobre a questão judaica ou até mesmo citar algo referente à comunidade judaica. Ao se dirigir a um inimigo, Hitler cita apenas a necessidade de vigia para rejeição daquele que for mau (O TRIUNFO..., 1934, 1:42:00) e que queira infiltra- se no Partido para nele implantar sementes ruins.

O discurso de Hitler mostrado no longa também associa sua imagem a um personagem misericordioso e que lutava bravamente contra o preconceito e a segregação de classes (O TRIUNFO..., 1934, 47:54), além de lutar por uma Alemanha unida e forte contra os males que assolavam seu povo sofrido. Destarte, Hannah Arendt (2015, p. 125), lembra que a palavra “assassino”, dentro da ideologia nazista, era substituída pela expressão “dar uma morte misericordiosa”.

Ainda, para a autora:

Quando o interrogador da polícia perguntou a Eichmann se a diretiva de evitar “sofrimento desnecessário” não era um pouco irônica, uma vez que o destino dessas pessoas era morte certa, ele nem mesmo entendeu a pergunta, tão fortemente enraizada em sua mente estava a ideia de que o pecado imperdoável não era matar pessoas, mas provocar sofrimento desnecessário (ARENDT, 2015, p. 125).

Figura 14 – Leni Riefenstahl e Adolf Hitler durante as gravações de “O Triunfo da Vontade”.

Fonte: HOLOCAUST Education & Archive Research Team. Disponível: <http://www.holocaustresearchproje ct.org/holoprelude/riefenstahl.html> Acesso: 08 set. 2016.

Por fim, entende-se que a teoria da Banalidade do Mal de Hannah Arendt e suas implicações podem ser vistas na formação da imagem nazista mostrada no longa “O Triunfo da Vontade”, porém ainda faltam argumentos concretos nazistas na questão judaica, não abordada durante os discursos mostrados no Congresso do NSDA – Partido Nacional Socialista dos

Trabalhadores Alemães. Destarte, o documentário serve para demonstrar a ímpeto nazista e no poder de seu discurso, sempre incrementado com a grandeza em volta de seu líder, Adolf Hitler. A combinação de enormidade, salvação e a figura de um líder adorado e carismático, desenhada com maestria pela cineasta Leni Riefenstahl ao utilizar planos abertos, inovadores e quase hipnotizantes fornecem argumentos que sustentam grande parte das afirmações de Hannah Arendt quanto os fatores iniciais e determinantes para a Banalidade do Mal. De acordo com a teoria da autora, os fatores anteriormente citados seriam responsáveis por tirar do povo alemão sua capacidade de discernimento frente ao aparato totalitário criado pelo Partido Nazista durante os anos do Terceiro Reich no poder e, principalmente, durante os males do Holocausto, que perpetua até os dias de hoje nas mentes da população mundial.

Portanto, para um panorama crítico dos ensinamentos da filósofa política Hannah Arendt, traz-se também a análise de outra grande produção cinematográfica que tenta retratar o nazismo e suas ações na Alemanha, destacando a forma com que o cinema mundial, em especial as grandes produções reconhecidas ao redor do globo e que muito auxiliou para a interpretação da população mundial sobre o governo nazista, trata os acontecimentos do holocausto. Em seguida, o reconhecido “A Lista de Schindler” de Steven Spielberg será tomado como base para a análise deste pensamento.