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O conceito de banalidade do mal de Hannah Arendt e modernidade de Zygmunt Bauman nos filmes sobre o Holocausto: um estudo a partir dos filmes "Triunfo da vontade" e "A lista de Schindler"

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DANIEL AUGUSTO PARO

O CONCEITO DE BANALIDADE DO MAL DE HANNAH ARENDT E MODERNIDADE DE ZYGMUNT BAUMAN NOS FILMES SOBRE O HOLOCAUSTO: UM ESTUDO A PARTIR DOS FILMES “TRIUNFO DA

VONTADE” E “A LISTA DE SCHINDLER”

Florianópolis 2016

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DANIEL AUGUSTO PARO

O CONCEITO DE BANALIDADE DO MAL DE HANNAH ARENDT E MODERNIDADE DE ZYGMUNT BAUMAN NOS FILMES SOBRE O HOLOCAUSTO: UM ESTUDO A PARTIR DOS FILMES “TRIUNFO DA

VONTADE” E “A LISTA DE SCHINDLER”

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Prof. Paulo Roberto Ferreira, Me

Florianópolis 2016

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AGRADECIMENTOS

É preciso compreender a extensão e o crescimento que acompanham uma graduação para perceber que não se trata de um grupo seleto de pessoas, mas sim uma grande gama de humanos que nos cruzam o caminho nesta etapa e nos acrescentam, ajudam e apoiam em sentidos acadêmicos e pessoais, muitas vezes os dois em conjunto. Portanto, entende-se que não é possível citar um a um as pessoas que plantaram sementes nestes quatro anos e, da forma mais justa e correta possível, gostaria de agradecer cada um que se aproximou, permaneceu ou se afastou neste tempo, pois todos continuarão para sempre em memórias especiais e muito cultivadas. Agradeço cada conversa, riso, debate, conselho, ajuda e a presença. Por fim, aproveito ainda para citar neste espaço pessoas e grupos que se tornam obrigatórios quando esta trajetória é posta em pensamento.

À Universidade do Sul de Santa Catarina, que proporcionou imensurável apoio nesta caminhada e foi ator notável na construção do pensamento crítico e no encantamento pelos estudos.

À cada professor que fez parte desta história e estará para sempre guardado nas mais inspiradoras memórias pelo aprendizado adquirido dia após dia, sempre com extrema sabedoria, vontade e amor pela profissão. O incansável esforço de cada um tornou esta experiência em algo único e de alto nível acadêmico, profissional e pessoal. Agradeço em especial ao meu orientador Paulo Roberto Ferreira pela disposição e pelas grandes reflexões através de enriquecedores debates a cada reunião acerca desta monografia, fornecendo um amadurecimento de ideias único.

À minha família, por priorizar desde sempre meus estudos e por sempre me amar, entender, apoiar e lutar ao meu lado cada adversidade da vida. É com imensa felicidade que chego a este momento, sabendo que posso orgulhá-los e retribuir parte de tudo que me foi dado.

Minha mãe Valdirene, ser único e intenso, com um amor pelo mundo que transborda e alcança todos que se aproximam. Um sorriso nos seus lábios é um afago em meu coração. Obrigado por tudo, desde o primeiro dia. Meu pai, Marco, pela compreensão e pela luta diária em suprir todas as necessidades minhas e de meu irmão, e pelo suor gasto para que meus estudos estivessem sempre em primeiro lugar, independentemente de qualquer obstáculo.

Ao meu irmão, Marco Antônio Paro Júnior, que me ensina dia após dia a simplicidade da vida, e como é bela e única tal simplicidade. Às minhas tias Nana, Mari, Roberta e Val, por formarem uma família tão unida e especial. Meus primos, por sempre manterem vivo em minha memória o gosto da infância e da alegria. Meus amigos que fizeram

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parte dos mais importantes momentos e sempre estiveram ao meu lado. Também aos meus companheiros acadêmicos que ajudaram a tornar esta experiência em algo sempre alegre e prazeroso.

Agradeço especialmente Júlio Cesar Ribeiro Mota Filho por me ensinar o prazer nos estudos, pelos incontáveis debates que tanto me fizeram mudar e evoluir. Por sempre me apoiar, ajudar e incentivar a ser a melhor versão de mim que posso ser. Sou eternamente grato a tudo que você é.

Aos meus avós, Neusa Maria Francisco, pela alegria em viver e pelo amor incondicional, Manoel Francisco, pelo coração tão gigante e aberto, Antônia Carrasco, pela fé inabalável e pelo amor tão forte e poderoso que transcende as barreiras da distância.

Ao meu avô Alcides Paro (in memoriam), por ter sido o maior entusiasta em meus estudos e por ter se feito sempre tão presente em nossas vidas. Será para sempre lembrado e amado por todos, e que este trabalho seja minha mais sincera e duradoura forma de agradecimento.

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“Faz parte da própria natureza das coisas humanas que cada ato cometido e registrado pela história da humanidade fique com a humanidade como uma potencialidade, muito depois de sua efetividade ter se tornado coisa do passado”.

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RESUMO

A presente pesquisa analisa o conceito de Banalidade do Mal de Hannah Arendt em conjunto com a Modernidade de Zygmunt Bauman aplicados em trabalhos cinematográficos ao redor do globo e da história. Além dos diferentes filmes abordados, dois recebem destaque para um maior aprofundamento da questão, sendo eles o reconhecido “A Lista de Schindler”, longa-metragem norte-americano e o polêmico “O Triunfo da Vontade”, documentário de propaganda nazista. Ao analisar as teorias dentro dos filmes abordados, percebe-se a importância em reconhecer as ideologias e interesses presentes por trás de cada grande lançamento do cinema que tenta recontar um evento histórico. Utilizando como exemplo a forma com que o Holocausto judeu é retratado dentro de grande parte do cinema internacional, consegue-se salientar os reais perigos informados por Hannah Arendt e Zygmunt Bauman em suas contribuições.

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ABSTRACT

This paper analyzes Hannah Arendt’s Banality of Evil along with Zygmunt Bauman’s Modernity and apply them in recognized movies around the world and through history. Besides the different movies addressed, two of them will be deeper featured in the subject. They are the featured American movie “Schindler’s List” and the infamous nazi propaganda documentary “Triumph des Willens”. When the theories are put to test, it is remarkable the importance to recognize the ideologies and interests behind every great launch in cinema that tries to recount a historical event. Picking as an example the way that the jew Holocaust is treated in most of the movies, it becomes clear where lies the real threats and dangers that Hannah Arendt and Zygmunt Bauman told on their works.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Culpados pela guerra! ... 39

Figura 2 - O judeu como Satã. ... 40

Figura 3 – Pôster do filme “O Judeu Eterno” (1940)... 42

Figura 4 – A família tradicional nazista ... 43

Figura 5 – Quadro de segregação dos prisioneiros em Auschwitz, Polônia. ... 47

Figura 6 - Escovas de cabelo e dente das vítimas de Auschwitz. Polônia, 1945. ... 49

Figura 7 – Câmara de gás no campo principal de Auschwitz, em 1945. ... 50

Figura 8 – Pastilhas de Zyklon B em Majdanek, Polônia. ... 51

Figura 9 – Crianças sobreviventes de Auschwitz, 1945. ... 52

Figura 10 – Hannah Arendt na Universidade de Chicago. ... 55

Figura 11 – “Eichmann em Israel”, ilustração por Daniel Zender. ... 59

Figura 12 - Águia prussiana e suástica nazista no pôster do filme “O Triunfo da Vontade”. . 70

Figura 13 – A grandiosidade nazista em “O Triunfo da Vontade”. ... 72

Figura 14 – Leni Riefenstahl e Adolf Hitler durante as gravações de “O Triunfo da Vontade”. ... 76

Figura 15 – Pôster oficial do filme “A Lista de Schindler”. ... 79

Figura 16 – Do alto de sua varanda, Goeth brinca de tiro ao alvo com judeus no campo de concentração. ... 80

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 NAZISMO NA ALEMANHA NACIONAL SOCIALISTA ... 18

2.1 ORIGENS DO ANTISSEMITISMO ... 18

2.2 PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E O TRATADO DE VERSALHES ... 23

2.1 PENSAMENTO DE HITLER... 30

2.2 NAZISMO... 34

2.2.1 Fascismo ... 37

2.2.2 Ideologia, poder e propaganda ... 37

2.3 O NACIONAL SOCIALISMO DE HITLER ... 43

2.4 HOLOCAUSTO ... 46

3 VIDA E OBRA DE HANNAH ARENDT ... 53

3.1 EICHMANN EM JERUSALEM E A BANALIDADE DO MAL ... 57

3.2 ZYGMUNT BAUMAN E A MODERNIDADE ... 63

4 IDEOLOGIA NO CINEMA ... 68

4.1 O TRIUNFO DA VONTADE ... 70

4.2 A LISTA DE SCHINDLER ... 77

4.3 A BANALIDADE DO MAL, O HOLOCAUSTO E O CINEMA ... 83

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 90

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1 INTRODUÇÃO

A teoria da Banalidade do Mal de Hannah Arendt pode ser interpretada e projetada para diversos momentos da comunidade internacional onde o mal se faz presente, e é este fator que comprova a importância de sua análise na vida acadêmica. Sua súplica pela autorreflexão fomenta o desenvolver da presente pesquisa, que também demonstra a forma com que esta teoria pode ser encontrada em projetos cinematográficos dos mais diferentes cenários ao passar dos anos. Com uma abordagem secundária que irá enriquecer e sustentar os ensinamentos de Arendt, traz-se também o conceito de Modernidade criado por Zygmunt Bauman a fim de compreender de forma mais completa os acontecimentos do Holocausto e como estes acontecimentos são vistos e projetados no cinema.

A vida e trajetória do homem em sociedade é, desde sua origem, cercada pela presença constante do mal1, que nasce e se fortalece a cada conflito, perseguição, morte e destruição sem vinculação à específica conjuntura internacional ou nacional e também sem distinção de localização, sendo presente em todos os cantos do globo e em todos os momentos. Tem-se mal definido por “tudo o que se opõe ao bem, tudo o que prejudica, fere ou incomoda, infortúnio, desgraça, tormento, mágoa, sofrimento” (MICHAELIS, 2009) e, entre as inúmeras definições acadêmicas temos os conceitos de Thomas Hobbes, Kant e Hannah Arendt. Para Kant, na sua obra que discute o mal moral, todo homem tem propensão para o bem e também para o mal, logo este possui limitações a alcançar um comportamento compatível com a moral religiosa (PINHEIRO, 2009, p.141). Para Hobbes, “a maldade está intrínseca à natureza humana, pois este é dotado de parcialidade, orgulho e vingança com os demais”, (HOBBES, 1651, p.136) logo para Hobbes, é necessário a existência de um governo e de leis para conservar o indivíduo de sua autodestruição (HOBBES, 1651, p. 276). Ainda quanto a definições, Hannah Arendt aborda também o intitulado “mal banal”, que é fruto da burocratização e massificação da sociedade, o que leva a não-reflexão dos indivíduos e consequentemente a práticas da maldade (ARENDT, 2015, p. 165-166). Independendo da definição usada, barbáries, perseguições e genocídios são grandes responsáveis por tecer o medo nas linhas da história e trazerem o mal à vida do indivíduo e toda a população.

1 A ideia de mal apresentada baseia-se nas contribuições de Santo Agostinho ao afirmar que "o homem não foi

programado deterministicamente nem para o bem, nem para o mal" (COSTA, 2002, p. 345), ou seja, o homem sempre será imputado de sua própria responsabilidade quando agir mal. Ao determinar-se que o homem age mal ao ir contrário da ordem das coisas criadas por Deus, entende-se a origem do mal no nascimento da imagem de Deus. Por fim, "a violência no cristianismo é desviada da natureza humana e se torna algo antinatural e imoral" (BELLEI; BUZINARO, 2010, p. 85).

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A presença deste mal contra a vida humana em maior escala destaca-se desde os tempos antigos até os dias de hoje, como por exemplo, o ano 755 na Rebelião de An Lushuan, a Guerra Civil Chinesa (1927 a 1937; 1946 a 1949), as Investidas Mongóis (1207 a 1472), a Guerra dos Trinta Anos (1618 a 1648), as Guerras Napoleônicas (1804 a 1815), a Guerra Civil Russa (1917 a 1921), as duas grandes guerras mundiais do século XX e os conflitos no Oriente Médio nas últimas décadas. Entretanto, vale ressaltar que o mal entre os homens não se dá apenas em questões concernentes aos Estados, já que a controversa trajetória do mal e do medo tem em seu curso, ainda no século XIX, a crueldade da aniquilação indígena por colonos europeus durante a colonização da América, a escravidão, datada desde o Egito Antigo, a Inquisição, no extermínio dos considerados hereges na França do século XII e o trabalho forçado de africanos no imperialismo colonial.

A presença do mal na Segunda Grande Guerra Mundial foi gestada antes mesmo do desdobramento do conflito, sendo o ano de 1933 emblemático para o desenvolvimento da ideologia nazista e consequentemente o antissemitismo alemão, que levou ao genocídio de 5 milhões de judeus (HILBERG, 1985 apud HOBSBAWN, E. 1994, 57). É com a chegada de Adolf Hitler ao poder em uma Alemanha desmoralizada e destruída pós-Primeira Guerra Mundial que desponta uma das mais notáveis e inesquecíveis barbáries presenciadas pelo indivíduo em um mundo conectado e midiático. No conceito de Banalidade do Mal de Hannah Arendt, o totalitarismo do governo hitlerista e a burocratização de suas ações tiravam do indivíduo a capacidade de reflexão frente à hostilidade presente nas ações nazistas.

Entende-se por fim que com o Holocausto, mais uma vez o mal se tornou ator presente no cotidiano internacional, tocando pessoas de todas as idades, credos e regiões até os dias de hoje.

Assim como a presença do mal, a arte e suas diferentes formas de representá-la para a sociedade (em menor ou maior escala) também acompanha a história do indivíduo desde o início de sua vida em comunidade. Exemplos desta forma de entretenimento e compartilhamento de informação são já vistos nos teatros de tragédia grega (550 a.C.), uma dramatização que representava contextos sociais, assim como a própria literatura, iniciada com a invenção da imprensa na Renascença e o lançamento do primeiro livro impresso no século XV, florescendo a circulação de ideias, além do grandioso número de livros editados e lançados desde tal invenção, sendo esta acompanhada na sequência pela fotografia, fenômeno importante para o surgimento do cinema no fim do século XIX. Como pode-se notar, os meios de comunicação, entretenimento e mídia evoluíram com o tempo, aumentando consequentemente

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seu raio de influência e poder até os dias atuais com a era eletrônica, que engloba a força de todos os meios apresentados e facilita a interconexão imediata com todos os cantos do globo.

Com o surgimento e o ganho de força dos meios de entretenimento e comunicação no fim do século XIX e início do século XX, tais como o rádio, o telefone e o cinema, a informação foi mais facilmente compartilhada, engatilhando a globalização midiática e aproximando cidadãos aos acontecimentos mais chocantes da história atual, além de ter servido anteriormente para a propagação das ideologias da época (cinema nazista, norte-americano e soviético, como exemplo). Com estes meios a informação já chegava de forma mais rápida e acessível, durante a Segunda Guerra Mundial, nos lares de parte da população de todo o mundo e, descobertas as atrocidades cometidas contra judeus, comunistas, homossexuais, negros e ciganos ao fim da Guerra, o horror, o medo e a sensação pulsante e presente do mal na sociedade veio à tona de forma avassaladora.

O sofrimento individual, a dor e o desespero de cada vítima – em destaque os judeus – dos campos de concentração durante a “Solução Final” nazista são considerados chocantes e bárbaros, sentimentos estes intensificados com a crescente força dos meios de entretenimento e comunicação da época, causando grande comoção e extrema curiosidade no ser humano. Com o grande interesse das massas em conhecer, entender e acompanhar os acontecimentos na Europa ocupada, surgem no cinema inúmeras obras cinematográficas que retratavam esta realidade das mais diversas diretrizes possíveis, como romance (The Reader, Estados Unidos e Alemanha, 2008), drama (Deutchland bleiche Mutter, Alemanha, 1980), comédia (La vita è bella, Itália, 1997) e filme propriamente de guerra (Idi i smotri, União Soviética, 1985), produzidos e filmados em diferentes países ao redor do globo.

Destarte, levando-se em conta a riqueza de relatos sobre a Segunda Guerra Mundial presente na sétima arte, a investigação do presente objeto de estudo se apoia sobre esse material para analisar o conceito de Banalidade do Mal formalizado pela filósofa política Hannah Arendt. Por questões de delimitação do tema, a pesquisa é explorada através de duas obras cinematográficas emblemáticas em relação ao assunto, que recebem análise mais aprofundada enquanto outros trabalhos são citados e servem para conceber uma visão mais geral do tema. Estes são ‘’A Lista de Schindler’’ e ‘’Triunfo da Vontade’’, sendo o primeiro de grande acesso às massas e com conteúdo bastante difundido sobre o objeto de investigação, e o segundo feito como propaganda da ideologia nazista e aclamado tecnicamente pela crítica. A partir destes fatos, chega-se a pergunta de partida: Como o conceito de banalidade do mal de Hannah Arendt

e a modernidade de Zygmunt Bauman são representados nos filmes sobre o holocausto, como por exemplo A Lista de Schindler e Triunfo da Vontade?

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Para melhor organização da pesquisa, tem-se como objetivo geral a análise do conceito de Banalidade do Mal de Hannah Arendt e de Modernidade de Zygmunt Bauman tanto nos filmes “A Lista de Schindler” e “Triunfo da Vontade” como em outros trabalhos cinematográficos ao redor do globo. A separação do tema em objetivos específicos compreende-se em duas questões, sendo estas, a descrição da ideologia nazista e sua aplicação na Alemanha de Adolf Hitler e a apresentação e definição dos pensamentos de Hannah Arendt e Zygmunt Bauman. Por fim, traz-se a identificação e análise dos conceitos abordados nos filmes “A Lista de Schindler” e “Triunfo da Vontade”, também analisados em outros trabalhos do cinema com o passar dos anos e em diferentes pontos do globo.

O holocausto de milhões de judeus durante o governo do Terceiro Reich na Alemanha é assunto ainda vigente nos estudos acadêmicos de variados cursos, fato este que comprova sua relevância ainda imensurável na sociedade atual e a necessidade em analisar seus acontecimentos para refleti-los no presente, entender suas origens e aprender com suas consequências.

É de grande importância para as Relações Internacionais como área de estudo o conhecimento sobre a teoria da Banalidade do Mal, criada pela filósofa política Hannah Arendt no pós-Segunda Guerra Mundial. Seja por sua polêmica diante o Holocausto de judeus em um mundo ainda abalado no pós-guerra, por sua coragem e aprofundamento filosófico ou também por sua presença que se renova a cada acontecimento histórico que exponha o mal para a sociedade internacional e nos atenta sobre os perigos de um governo totalitário e suas consequências.

Ao considerarmos a força do cinema cada vez mais forte devido às suas representações sociais em forma de entretenimento e seu fácil alcance internacional, é de grande interesse analisar a forma prática como a Banalidade do Mal é exposta em projetos cinematográficos de todo o mundo para compreender a maneira com que o evento histórico é passado para os espectadores de algo, à primeira vista, pautado no entretenimento.

Por não serem devidamente discutidas dentro dos cursos de Relações Internacionais, as teorias de Hannah Arendt e Zygmunt Bauman enriqueceriam o estudo de diversas matérias presentes em nossa passagem acadêmica, como a História das Relações Internacionais, os Direitos Humanos, o Direito Internacional Humanitário, a Geopolítica e as Relações Internacionais Contemporâneas.

Na conjuntura internacional em que vivemos, com as práticas autoritárias e totalitárias de alguns governos tornando a presença do mal ainda presente na sociedade, reitera-se a extrema importância do entendimento tanto da teoria de Hannah Arendt quanto da teoria de Zygmunt

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Bauman. Uma maior maturidade acadêmica é primordial na análise e reflexão dos acontecimentos envolvendo o mal e, focando-se nas imigrações em massa para a Europa não só como consequência direta da presença do terrorismo no Oriente Médio, mas também da presença de Estados autoritários na região. Os reflexos econômicos negativos das imigrações causam também a ascensão de partidos políticos extremistas diante a revolta de uma população despreparada e sem autorreflexão, causando uma rachadura histórica marcada pela xenofobia e intolerância, onde percebe-se a atualidade de teorias criadas nos anos de 1960.

Analisar a Banalidade do Mal que é representada continuamente no cinema mundial é de grande importância para o estudante de Relações Internacionais, pois permite que este compreenda e faça reflexão de ocasiões que causam o terror e demonstram o mal, expandindo sua capacidade de argumentação e autocrítica e intensificando seu conhecimento quanto aos maiores acontecimentos do globo, tal como a Segunda Guerra Mundial.

Além disso, a relevância do tema é também clara quando se cita a grande discussão em torno do lançamento do livro “Minha Luta” de Adolf Hitler, lançado originalmente em 1925, mas com publicação impedida há 70 anos, que agora cai em domínio público e divide opiniões quanto sua publicação. O tema também servirá para apontar a importância da reflexão dos indivíduos na sociedade, característica que eleva virtudes no mercado de trabalho ao apresentar uma classe que melhor debaterá e entenderá assuntos vigentes e impactantes na sociedade internacional.

Por fim, o trabalho pretende contribuir para a formação de uma sociedade mais humana e reflexiva que tenha em sua base construções intelectuais herdadas de grandes pensadores.

Ao respeitar a importância dos procedimentos metodológicos para chegar ao conhecimento pretendido neste trabalho, é necessário discutir e apontar as questões metodológicas que serão utilizadas para a criação do texto de pesquisa. De acordo com SIQUEIRA, et al (2008, p. 2-3), a pesquisa pode ser dividia em três concepções primordiais, iniciadas pelo princípio da busca pelo conhecimento, seguido do caminho propriamente dito, que é produzido através de instrumentos constituídos pela metodologia, e enfim o final, resultado só atingido com ajuda dos procedimentos anteriores. Conclui-se, portanto, que “é através da metodologia que se obtém o conhecimento; isto é, o método é o através do que se chega a todo conhecimento científico. ” (SIQUEIRA, et al (2008, p.3).

Quanto a aplicabilidade, a pesquisa é classificada como básica, uma vez que tem como objetivo “gerar conhecimentos novos, úteis para o avanço da Ciência, sem aplicação prática prevista”, (GERHARDT & SILVEIRA, 2009, p. 34). Ao analisar as teorias da Banalidade do Mal e a Modernidade, instigando a reflexão e interpretação instaurada a partir do Holocausto

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na Segunda Guerra Mundial, tem-se a abordagem do problema qualitativa, já que se trata de um fenômeno “melhor compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte” e que deve ser “analisado numa perspectiva integrada” (GODOY, 1995, p. 21).

Quanto aos objetivos, o trabalho aborda a pesquisa explicativa que, de acordo com Gil (2009, p. 28), pode ir além de uma simples identificação da existência de relações entre variáveis, como no caso deste trabalho a teoria de Hannah Arendt e o cinema, também determinando a natureza desta relação.

O procedimento é conduzido através da análise documental no que tange a utilização de materiais cinematográficos para análise e demonstração de uma teoria política, como apontado por Sá-Silva, Almeida e Guindane (2009, p. 1):

O conceito de documento ultrapassa a ideia de textos escritos e/ou impressos. O documento como fonte de pesquisa pode ser escrito e não escrito, tais como filmes, vídeos, slides, fotografias ou pôsteres. Esses documentos são utilizados como fontes de informações, indicações e esclarecimentos que trazem seu conteúdo para elucidar determinadas questões e servir de prova para outras, de acordo com o interesse do pesquisador.

Em acordo com esta definição, a análise documental feita através do cinema utiliza dois filmes importantes e aclamados, mesmo que por razões diferentes. Aproveitando sua qualidade técnica, ovação crítica, grande impacto e reconhecimento entre o público em geral, o filme “A Lista de Schindler”, norte-americano de 1993, consegue representar um cinema de massas pós-Segunda Guerra Mundial, que possui maior respaldo orçamentário e bilheteria elevada. Já o filme “Triunfo da Vontade” de 1935, filmado, produzido e lançado durante o governo do Terceiro Reich na Alemanha nos anos que antecederam o estopim da Segunda Guerra Mundial, representa um trabalho técnico exemplar e reconhecido pela comunidade cinéfila mundial, mesmo sendo utilizado como modo de propagação da ideologia nazista na época e representando algo majoritariamente repudiado pela sociedade global. Ambos os filmes, de suas respectivas formas, conseguem demonstrar a forma como a Banalidade do Mal de Hannah Arendt é representada na sétima arte, independente de gênero, data do lançamento ou conjuntura do Cenário Internacional.

Porém faz-se o uso também da análise bibliográfica no que diz respeito ao levantamento de informações e propostas acerca da Banalidade do Mal de Hannah Arendt, uma vez que neste tipo de pesquisa, segundo Lima, Mioto (2007, p. 41):

A leitura apresenta-se como a principal técnica, pois é através dela que se pode identificar as informações e os dados contidos no material selecionado, bem como verificar as relações existentes entre eles de modo a analisar a sua consistência.

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Quanto sua estrutura, a pesquisa é dividida em cinco capítulos, iniciando por sua introdução que irá discorrer quanto ao tema abordado e a pergunta que guiará os capítulos conseguintes. Dentro da introdução encontra-se também as formas com que a pesquisa será desenvolvida, desde suas justificativas a metodologia utilizada.

Após a introdução ao tema, segue-se para o segundo capítulo, que concentra no entendimento abrangente acerca do nazismo na Alemanha Nacional Socialista e que se propõe a analisar de forma mais detalhada as origens do antissemitismo, a Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes, o pensamento do líder nazista Adolf Hitler, o nazismo como um todo, dividido em subseções que relatam sua diferença com o fascismo e também a força da ideologia, do poder e da propaganda, o partido Nacional Socialista e, por fim, o Holocausto, a fim de criar fortes bases históricas na compreensão de todos os acontecimentos relatados durante o governo do Terceiro Reich.

O terceiro capítulo da presente pesquisa discorre sobre a vida e obra de Hannah Arendt, autora protagonista da análise proposta assim como o livro que lançou o conceito de Banalidade do Mal no mundo, “Eichmann em Jerusalém” e também uma apresentação à vida e o trabalho de Zygmunt Bauman e sua contribuição no entendimento do Holocausto com o conceito de Modernidade.

No quarto capítulo analisa-se a ideologia no cinema e faz-se então a verificação da forma com que os ensinamentos de Arendt e Bauman a respeito do Holocausto são vistos ou não nas obras “O Triunfo da Vontade” e “A Lista de Schindler”, tendo por fim uma subseção responsável por conectar a Banalidade do Mal com o Holocausto em diferentes obras do cinema.

Por fim, o último capítulo traz as considerações finais quanto ao tema onde é discutido quanto a todas as descobertas feitas durante a realização da presente pesquisa.

Dispostos dos meios utilizados para a realização da pesquisa, desde as bases necessárias para o recolhimento das informações de forma ordeira e eficaz até as indagações que fazem surgir o questionamento que coordena a trajetória da pesquisa, segue-se para a elaboração dos principais termos e temas, para que se possa, por fim, responder de forma completa as dúvidas acerca do tema abordado.

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2 NAZISMO NA ALEMANHA NACIONAL SOCIALISTA

Nesta seção são analisados e discorridos os mais importantes pontos quanto à doutrinação nazista, sua ascensão e as diferentes crenças quanto à motivação para sua forte aceitação tanto entre a população alemã quanto a população dos países ocupados durante o expansionismo do Terceiro Reich. Além da apresentação dos fatores base para o ganho de força nazista com a finalidade de compreender a história alemã até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, maior atenção é dada para a causa judaica durante o período comandando por Adolf Hitler. A trajetória é feita desde as diferentes interpretações quanto à origem da questão antissemita até o entendimento diante da política de superioridade ariana implementada pelo governo alemão, que acarretou, durante a Segunda Guerra Mundial, no Holocausto de cerca de 6 milhões de judeus.

2.1 ORIGENS DO ANTISSEMITISMO

O antissemitismo sempre esteve presente na história da humanidade, sendo um elemento fundamental para a compreensão das atrocidades cometidas contra os judeus. Com o propósito de compreender e considerar tanto as ações quanto a ideologia nazista durante a Segunda Guerra Mundial, em destaque o polêmico holocausto judeu, torna-se necessário buscar nos elementos históricos não só a origem do termo, mas a questão da perseguição judaica como um todo. A atual seção possui o objetivo de esclarecer o entendimento quanto ao uso da palavra “antissemitismo” no decorrer dos anos e demonstrar a existência de divergências teóricas e de análises históricas quanto ao seu surgimento para que se possa, mais a frente, analisar o fortalecimento do ódio aos judeus dentro da Alemanha nazista, em especial os pontos usados pelo Partido Nazista e seu líder, Adolf Hitler. A importância de se destrinchar o termo serve como base para uma completa assimilação quanto à Banalidade do Mal de Hannah Arendt, teoria central da presente pesquisa.

Ao identificar e avaliar a origem do antissemitismo, é de suma importância abordar a definição do termo, que de acordo com Chanes (2004, p. 2), “são todas as formas de hostilidade manifestadas acerca dos judeus através da história”. Ainda quanto à definição, Dos Santos (2009, p. 5) afirma que o antissemitismo “significa algo ou alguém contrário, que combate, ou inimigo do povo semita, neste caso os judeus, embora nem só os judeus sejam semitas”, destacando o significado de semita sendo o “membro de um dos povos que, segundo a Bíblia (Gênesis, 10, 22-31), descendem de Sem” ou “membro de um dos povos do Sudoeste da Ásia

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que falam ou falaram línguas semíticas e que são hoje representados pelos hebreus, árabes e etíopes e em tempos antigos também o eram pelos babilônios, assírios, arameus, cananeus e fenícios” (MICHAELIS, 2009).

O termo foi apresentado pela primeira vez em 1879 por Wilhelm Marr “um alemão polemista que definia os judeus como algo que ele acreditava ser uma questão com bases raciais e não religiosas” (CHANES, 2004, p. 2), o que soa adverso, uma vez que o judaísmo é caracterizado como religião. Ressalta-se que o termo foi utilizado pela primeira vez muito depois do início dos conflitos em que a comunidade judaica se encontrou ao decorrer da história. De acordo com uma linha de pensamento bastante vigente na história do antissemitismo, para entender a origem real do termo é necessário olhar para antes mesmo da primeira aparição de conflitos religiosos ou territoriais em que os mesmos se viam envolvidos, lembrando que, de acordo com Lindemann e Levy (2010, p. 14), o ódio por judeus “carece em ter alguma relação significativa com atividades reais ou pela natureza judaica”, o que torna a busca por informações complexa e árdua.

Na antiga Israel a população judaica, vivendo em sua própria terra natal e desenvolvendo sua própria civilização, encontrou rivalidades e até mesmo ações hostis, porém os litígios e enfrentamentos não são as determinantes claras quanto ao início do ódio aos judeus, uma vez que eram comuns dada a região em questão. É bastante provável que as primeiras agitações antissemitas ocorreram durante o período da primeira comunidade monárquica da Palestina, ou seja, já no sexto século A.C (CHANES, 2004, p. 25).

As primeiras manifestações antissemitas claras aparecem apenas na formação de uma Diáspora involuntária após a destruição do primeiro templo em Jerusalém e da dispersão de judeus no ano 586 A.C para além dos limites geográficos do mundo mediterrâneo (CHANES, 2004, p. 25). A origem do conflito, além de territorial, pode também ser vista na base do comportamento conflituoso natural do ser-humano onde, segundo Mandelbaum (2012, p. 226):

Os homens, nas suas múltiplas manifestações enquanto indivíduos, povos, cidadãos, religiosos, artistas, intelectuais, técnicos, políticos, etc., levam em consideração, como um alarme crítico, as profundas dificuldades que estão implicadas no trabalho de absorção do outro e as sérias consequências destrutivas que podem aflorar a partir de uma lógica que, quando menos esperamos, isto é, de forma inconsciente, salta, da lógica da razão para a lógica do reprimido.

Isto é, Mandelbaum levanta também uma origem para além das questões territoriais ou religiosas, abordando as origens antissemitas dentro da conduta natural do homem em sociedade e sua dificuldade em aceitar o “outro”, no caso o judeu, dentro de seu cenário. Além

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da predisposição para repressão em momentos onde esta ideologia lógica é aflorada por uma comunidade.

Com o decorrer do tempo e a lenta e gradual dispersão da ideologia antissemita nas comunidades que conviviam com judeus, foi o padre e historiador egípcio Manetho no século III que disseminou a conhecida ideia que comparava judeus à leprosos que, sendo expulsos do Egito, se tornaram uma tribo de caminhantes misantrópicos (CHANES, 2004, p. 26). Sendo respeitado historiador e cidadão com credibilidade em Alexandria, o tema levantado por Manetho acompanhou a história do antissemitismo pagão que ressoam até os dias atuais.

A diferença judaica diante de outras religiões e sua história de infortúnios foi também fator utilizado por cristãos – religião dominante - do Segundo Século para a disseminação da ideologia considerada muitas vezes como separatista e preconceituosa, em destaque ideias como a de que “a destruição de Jerusalém e a desolação e exílio de suas terras eram consequência de uma punição divina pela morte de Cristo” e de que “os judeus estavam espalhados pelo mundo para servir como prova de sua miserável condição e da verdade do cristianismo” (CHANES, 2004, p. 28). Ainda, segundo Lindemann e Levy (2010, p. 18), a propaganda cristã contra judeus era tóxica e se aproveitava de emoções como o medo e o ódio para propagar imagens infecciosas contrárias a evidências, o que inclinava a população à violência. Exemplos dessas propagandas são as supostas afirmações cristãs sobre a “tendência judaica para a prática do canibalismo, poções de veneno e a propagação de pragas, ou até mesmo a drenagem do sangue de crianças não-judias para rituais judeus” (LINDEMANN; LEVY, 2010, p. 18).

O século IV, que marcou a eclosão definitiva da igreja cristã, fica também marcado como ponto fatídico da relação cristã-judaica. O triunfo da igreja trazia grande poder, influência e, mais importante, a exaltação do Cristianismo como igreja do Estado romano (CHANES, 2004, p. 28), logo, o prestígio conquistado traduzira-se em maior impacto na disseminação de ideias e, consequentemente, crenças e rivalidades. Dentro dos ensinamentos bíblicos cristãos, a crucificação de Jesus foi aproveitada na disseminação da repulsa ao judaísmo, como lembra Dos Santos (2009, p. 17) ao afirmar que “durante o julgamento a multidão pede pela morte de Jesus, pela soltura de Barrabás e dizia a Pilatos ‘e seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos’, a interpretação dada ao fato pressupõe que os judeus estavam se responsabilizando pela morte de Jesus”. Pode-se compreender, com tal passagem, uma possível origem para o antissemitismo dentro da própria Bíblia, e com isso os fundamentos utilizados para a propagação do mesmo.

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A partir do ano 315, medidas antijudaicas foram promulgadas pelo imperador Constantino e por outros. Inicialmente moderadas, com o tempo as medidas começaram a incluir decretos proibindo a peregrinação para Jerusalém e a conversão ao judaísmo. Rabinos também foram proibidos de se encontrar no conclave (CHANES, 2004, p. 29), efetivando o antissemitismo dentro das leis na sociedade.

Analisando e discorrendo sobre a história judaica e sua dificuldade em ser introduzida na sociedade, principalmente com o aumento da influência cristã e o preconceito existente e alimentado com o decorrer dos anos, chega-se ao grande marco da história antissemita: A Primeira Cruzada.

Para Mandelbaum (2012, p. 235) a compreensão dos acontecimentos violentos presenciados nas Cruzadas está totalmente ligada aos valores da época, que forçavam a adesão de judeus à verdade da fé cristã para a concretização das melhores esperanças cristãs, o que afirmaria, por fim, não uma barbárie, mas um fenômeno lícito.

Aprofundando-se mais no assunto, Chanes (2004, p. 30) afirma que a Primeira Cruzada irá estabelecer um novo padrão na história do antissemitismo já que, daquele tempo em diante, as perseguições antijudaicas representavam um apelo contagioso muito mais perigoso, alimentado principalmente pelo estresse emocional da época e promovido pela religião, acarretando em uma psicose em massa. Pode-se comprovar tal concepção nas mortes de Jerusalém em 1099 e no massacre de Rhineland na primavera e verão de 1906.

Por fim, as heranças deixadas pelas Cruzadas estão alçadas na cada vez mais profunda inimizade entre judeus e cristãos, e principalmente na disposição das massas cristãs em aceitar infundados relatos sobre a comunidade judaica.

Entende-se, por fim, que o antissemitismo sempre esteve presente na sociedade em diversos momentos, regiões e situações diversas, portanto, encontrar um ponto específico para apontar seu surgimento seria improvável. Para CHANES (2004, p. 5):

Historicamente, não existe período social ou político específico, ou condições que irão ascender ou disseminar o antissemitismo; antissemitismo tem sido um fator em muitas diferentes sociedades, sob diferentes condições políticas, religiosas, sociais e econômicas.

Em contrapartida às abordagens aqui levantadas, a teorista política Hannah Arendt alerta sobre a necessidade em sempre desconfiar das ideias preconcebidas, afirmando que a sociedade não segregou os judeus de forma progressiva e sim eles mesmos que, desde o fim do século XVI, afastam-se dos grupos sociais e rejeitam integração em nome de uma eleição superior do seu próprio povo (VICENTE, 2012, p. 147).

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Aprofundando-se na questão judaica, Hannah Arendt aponta para o colapso da ordem feudal para fundamentar e discorrer quanto ao antissemitismo descrito como “moderno”. De acordo com a autora, o sentimento antijudaico só irá assumir relevância política em questões de maior importância governamental, ou também em questões onde os interesses grupais dos judeus conflitam com os interesses de classes que almejam o poder (ARENDT, 1979, p. 58).

Para melhor entender o pensamento arendtiano, Vicente (2012, p. 146-147) relata que, nos séculos XVII e XVIII, os judeus, em especial a parcela mais rica, possuíam certa influência junto à monarquia pela sua posição latifundiária e comercial. Com o surgimento dos Estados-Nações após a Revolução Francesa, cresce a necessidade de capital, e os intitulados “judeus da corte” veem seus direitos sendo ampliados juntos à troca de empréstimos, dispondo de sua posição de privilégios como grandes bancários e comerciantes. A situação, porém, muda no fim do século XIX à luz da expansão colonial, onde os judeus, que não participavam das colonizações, viam sua influência diminuir. No século XX, com a desintegração da comunidade judia e do Estado-Nação, os judeus passam a ser alvo de ódio.

É importante entender para a presente pesquisa que o antissemitismo, de acordo com Arendt (1979, p. 59), “flamejou primeiro na Prússia, imediatamente após a derrota ante Napoleão em 1807, quando a mudança da estrutura política levou a nobreza à perda de seus privilégios e a classe média conquistou o direito à ascensão”, levando à mudança na estrutura semifeudal e o início de um Estado-Nação, que irá dar início ao Reich Alemão em 1871.

Em suma, para Arendt, é esta perda de influência quase repentina que acaba por mostrar para o mundo o judeu como um indivíduo rico e desmembrado que vivia em isolamento do restante da sociedade, sempre em comunidades locais e com distância da comunidade cristã. De acordo com o pensamento de Arendt, a “mania” judaica de viver em isolamento e possuir forte privacidade em relação a outros grupos era fator chave para a ascensão da intolerância (SENNA, 2010, p. 153-154).

Por fim, torna-se clara a existência de teorias e interpretações diversas dentro do meio acadêmico sobre as questões históricas acerca do antissemitismo. Intelectuais divergem em origens políticas, culturais e até religiosas, porém concordam ao assumir a importância da análise para compreender não apenas grandes marcos da história, como a Segunda Guerra Mundial, mas também situações do cotidiano atual. Para o presente trabalho, reitera-se a utilização da ideia levantada por Hannah Arendt para a definição da origem antissemita.

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2.2 PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E O TRATADO DE VERSALHES

Segue-se a história para o momento de eclosão da Primeira Guerra Mundial, marco histórico que influencia de forma direta o surgimento do Partido Nazista na Alemanha e a sua eventual ascendência e grande valia dentro do Estado. É de suma importância o entendimento quanto às motivações defendidas e debatidas sobre a ideologia nazista e suas relações com a Primeira Guerra Mundial, o que torna necessária a apresentação a seguir que busca a compreensão e clareza diante das pontes que se sustentam entre ambos os conflitos mundiais.

A história sempre foi acompanhada não apenas por conflitos entre religiões, crenças, raças ou culturas, mas também conflitos entre Estados. Em sua grande maioria, tais litígios aconteciam de forma unilateral e, por absoluto, nunca envolviam grandes potências de diferentes continentes, porém a grande mudança no cenário de atritos internacionais irá acontecer no ano de 1914 quando se instala a Primeira Guerra Mundial, que envolve, pela primeira vez, todas as grandes potências mundiais, além de quase a totalidade de Estados europeus e também inaugura a dinâmica de conflitos que irão levar tropas a lutarem fora de suas regiões de origem (HOBSBAWN, 1994, p. 31).

O impacto do conflito é sentido quando se percebe que “a maioria dos beligerantes já tinha perdido mais homens em uma única batalha, ou mesmo em um único dia, do que em guerras inteiras travadas durante o século XIX ou antes” (SONDHAUS, 2013, p. 14), o que confirmou para a população que um evento sem precedentes estava sendo testemunhado. O caráter inédito do conflito faz com que o mesmo seja conhecido, até a eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939, como “A Grande Guerra”.

As estruturas e complexas rivalidades pré-Guerra podem levantar pontos divergentes nos autores ao redor do globo, mas um fato não contestado é o estopim para a declaração do conflito no dia 28 de junho de 1914, quando “o bósnio-sérvio Gavrilo Princip disparou e acertou o príncipe-herdeiro do Império Austro-Húngaro e sua esposa, Francisco Ferdinando e Sophie Chotek, respectivamente” (AVILA, C. 2015), o que acarretou, trinta e sete dias depois, no início dos litígios.

Sondhaus (2013, p. 59) relembra que o assassinato iniciou uma troca de declarações de guerra entre as grandes potências já a partir de 1º de agosto e, assim que o conflito direto se torna real, percebe-se uma corrida governamental de cada país envolvido na maquinação diplomática em defesa ou justificativa de suas ações e, mais importante, a culpa depositada no inimigo. Ressalta-se, nesta luta, o Império Austro-Húngaro contra a Sérvia, a Rússia contra o

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Império Austro-Húngaro, a Alemanha contra a Rússia, a França e a Grã-Bretanha contra a Alemanha.

É também importante para a atual pesquisa compreender a trajetória alemã até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, como por exemplo, desde os princípios de sua formação, com a finalidade de melhor analisar o contexto deste povo e suas inclinações que irão, no fim, desembocar no holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial.

O desenvolvimento histórico alemão está pautado em uma tardia unificação nacional em um território que, até meados do século XIX estava dividido em 35 monarquias independentes e apenas 4 cidades livres. Ainda nesta conjuntura a Confederação Germânica era dominada pelo Império Austríaco, contrário à unificação da região por questões hegemônicas próprias que iriam contra as correntes nacionalistas e pró-unificação que cresciam desde as Guerras Napoleônicas. Entre os defensores da unificação da região estavam grandes industriais e comerciantes, que ansiavam por uma Alemanha fortemente posicionada no mercado internacional e acreditavam que as então atuais divisões dos Estados germânicos impediam o desenvolvimento do capitalismo. (PEREIRA, 2012, P. 39)

Ainda de acordo com Pereira (2012, p. 39-40), a Prússia, após o fracasso da revolução de 1848, foca-se na unificação alemã através da preparação de guerras, contando com uma aliança formada entre burguesia e grandes proprietários de terra, que excluía a Áustria, e a modernização do exército. Com a nomeação de Otto von Bismarck em 1862, a atenção volta-se para o armamento da região como método de resolução dos conflitos territoriais e as questões liberais de voto da maioria são deixadas de lado. Seguindo o projeto de Bismarck, o processo de unificação da Alemanha se dá em três grandes conflitos, sendo eles a Guerra dos Ducados (1864) contra a Dinamarca, a Guerra Austro-Prussiana (1866) e a Guerra Franco-Prussiana (1870), esta última que irá dar a Guilherme I, então Rei da Prússia, a posição de imperador da Alemanha. A unificação se dá como completa em 1871 com o estabelecimento do Segundo Reich (1871 – 1918).

Para Pereira (2012, P. 40), a unificação da Alemanha traz três consequências primordiais na estrutura da região, sendo elas:

O fim do equilíbrio europeu criado em 1815 pelo Congresso de Viena; a transformação da Alemanha numa das principais potências econômicas e militares da Europa, tornando-se rival da Grã-Bretanha e da França na corrida imperialista por colônias e mercados na África e na Ásia; e o desenvolvimento da “política de alianças”, que iria desembocar na Primeira Guerra Mundial.

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As questões conflituosas da Europa pré-Primeira Guerra Mundial são também abordadas por Hobsbawm (2003, p. 432-433), que afirma a dificuldade, em 1880, em prever as coalizões do conflito que eclodiu em 1914, ressaltando exceções como a inimizade entre França e Alemanha, já predestinadas a se enfrentar em lados opostos. Como grande prova de tal predição, aponta-se a anexação alemã de Alsácia-Lorena em 1871. Já uma aliança facilmente percebida seria entre Alemanha e Áustria-Hungria, que se daria graças as ações de Bismarck após 1866, com intuito de manter o equilíbrio do novo Império Alemão.

Para Lee (1999, p. 1), a Alemanha é levada à Guerra por um governo civil comandado pelo quinto chanceler do Segundo Reich, que acaba se tornando uma ditadura militar em 1917. Apesar de derrotar a Rússia no Leste, o reich encontrou seu colapso na derrota no Oeste em outubro de 1918, tendo como fatores decisivos para a perda a entrada dos Estados Unidos no conflito e o paralisante bloqueio da marinha Real. A derrota que se aproximava fez com que o governo nomeasse um governo civil para negociar o armistício com os aliados.

Ainda, de acordo com Sondhaus (2013, p.59):

A guerra começou, em primeiro lugar, por causa da Sérvia, um pequeno e ambicioso país que até certo ponto se tornara refém de elementos nocivos em suas forças armadas e que, na busca de seus próprios objetivos nacionais, inflamou todo o continente; duas das potências mais fracas, Áustria-Hungria e Rússia, se comportaram com determinação pouco característica, enraizada em suas próprias dúvidas acerca de seu futuro status como grandes potências; os líderes austro-húngaros e alemães tinham noções incompatíveis sobre a guerra que desejavam – os alemães fazendo e conseguindo o que queriam às custas de seus aliados.

Já para Hobsbawm o conflito generalizado era evitável, afirmando que “os problemas que separavam a França da Alemanha não tinham interesse para a Áustria, e os que representavam um risco de conflito entre Áustria e Rússia eram insignificantes para a Alemanha” (HOBSBAWM 2003, p. 433). Para o autor, a França não tinha reais brigas com a Áustria, nem a Rússia com a Alemanha e, por isso, os conflitos franco-alemães não eram considerados suficientes para uma guerra geral.

Levantam-se três problemas centrais para que o sistema de alianças viesse a causar um conflito internacional, como a situação do fluxo internacional, abalado pelos novos problemas e ambições entre as nações, a lógica do planejamento militar que congelou os blocos em conflito e a integração de uma nova grande nação, a Grã-Bretanha, a um destes blocos. Entre os anos de 1903 e 1907, o Estado britânico se uniu ao lado antialemão, e a origem da Primeira Guerra Mundial pode ser melhor entendida quando se entende a ascensão do antagonismo anglo-germânico (HOBSBAWM, 2003, p. 433).

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De acordo com Hobsbawm (2003, p. 440) a Alemanha não representava perigo por tentar tomar a posição britânica de potência mundial, mas as unificações alemãs juntamente com o crescimento de sentimento nacionalista pautavam-se bastante no discurso antibritânico, firmado com o crescimento da classe média como nova nação. Destarte:

O perigo residia antes em que um poder global exigia uma marinha global, e a Alemanha empreendeu (1897), portanto, a construção de uma grande esquadra de guerra, que tinha a vantagem incidental de representar não os velhos estados alemães, mas exclusivamente a nova Alemanha unificada. (HOBSBAWM, p. 440)

A guerra chega ao seu afim apenas em 11 de novembro de 1918 quando a Alemanha, sob uma nova e recém-formada república, é forçada a assinar um armistício (LEE, J. 1999, p. 103). Por fim, o conflito “mobilizou 65 milhões de soldados e deixou um saldo de três Impérios desbaratados, 20 milhões de militares e civis mortos e 21 milhões de feridos” (CLARK, 2014, p. 15).

Com o término da Guerra, ascende-se também um questionamento internacional quanto a falhas diplomáticas para resolução do conflito, fazendo surgir, de todos envolvidos no conflito, acusações e motivações próprias. A Revolução Russa acusa o Imperialismo em sua totalidade enquanto os aliados criam sua tese que irá encontrar apenas um culpado para todo o conflito: A Alemanha (HOBSBAWM, 2003, p. 431-432).

Após a assinatura do armistício, as negociações pela paz foram conduzidas pelos aliados em Paris através do Conselho dos Dez, tendo como principais articuladores o presidente Wilson dos Estados Unidos, o primeiro ministro britânico Lloyd George e o premier francês Clemenceau. Um esboço preliminar dos programas que diziam respeito à Alemanha foi enviado para o governo alemão, mas nenhuma tentativa feita pela nova República alemã para mudar os termos definidos foi aceita (LEE, J. 1998, P.36).

O Tratado de Versalhes, assinado no dia 28 de junho de 1919 afirmava em seu artigo 231 a responsabilidade alemã pela deflagração da Primeira Guerra Mundial e redefinia alguns territórios, além da desmilitarização e a compensação econômica pelas perdas dos vitoriosos no conflito. Entre os territórios perdidos pela Alemanha, estava Alsácia-Lorena, Eupen e Malmédy, Schleswig do Norte, Posen, Prússia ocidental, partes da Silésia do Sul e todas as colônias no exterior (LEE, J. 1998, P.36).

Quanto a perda de território, ressalta-se a questão de Alsácia-Lorena, que marca a inimizade entre Alemanha e França, já percebida no comando de Bismarck sob o reino da Prússia, e sua aparente vingança pelo período napoleônico. Assim sendo, com o fim da Guerra

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Franco-Prussiana (1870 -1871), a França negocia sua rendição e, além do pagamento de cinco milhões de francos-ouro, vê-se amputada territorialmente na questão de Alsácia-Lorena, região rica em carvão e minério de ferro que iam ao direto encontro com o almejado crescimento econômico em nações que passavam pelo processo de industrialização (RIBEIRO, G. 2009, p. 22). A derrota territorial francesa é acertada no Tratado de Frankfurt em 1871 e cria forte sentimento revanchista dentro do Estado (LEE, S. 1999, p. 3).

Com o desfecho da Primeira Guerra Mundial e a assinatura do Tratado de Versalhes (1919), a França consegue de volta os direitos sobre a importante região de Alsácia-Lorena, como visto na Seção V intitulada Alsácia-Lorena e que irá do artigo 51 ao artigo 79. Como introdução à Seção V, lê-se:

As altas partes contratantes, reconhecendo a obrigação moral de reparar o mal feito pela Alemanha em 1871, tanto aos direitos da França quanto as vontades da população de Alsácia e Lorena, que foram separados de seu país apesar dos solenes protestos de seus representantes na Assembleia de Bordeaux. (TREATY..., 1919, p. 77, tradução nossa)2

Ressalta-se, portanto, o escopo do Tratado de Versalhes em apresentar a Alemanha como causadora dos males em absoluto que assolavam os conflitos europeus, em destaque quando, ao retratar o Tratado de Frankfurt de 1871 em sua quinta Seção, aponta a ação de conquista de território do Estado como um “mal” feito pelos alemães. Entende-se, por fim, a perda de território alemã somada à total culpa depositada no Estado em questões que antecediam até mesmo o conflito em questão.

Comprova-se as interpretações apresentadas anteriormente na totalidade de artigos referentes à questão, mas traz-se para destaque o Artigo 52, que atesta:

O governo alemão deverá entregar para o governo francês, sem atraso, todos os arquivos, registros, planos, títulos e documentos de todas as espécies a respeito de questões civis, militares, financeiras, judiciais ou outras administrações dos territórios reconquistados pela soberania francesa. Se qualquer um desses documentos, arquivos, registros, títulos ou planos forem extraviados, eles serão restaurados pelo governo alemão pela exigência do governo francês. (TREATY..., 1919, p. 77, tradução nossa)3

2 The High Contracting Parties, recognising the moral obligation to redress the wrong done by Germany in 1871

both to the rights of France and to the wishes of the population of Alsace and Lorraine, which were separated from their country in spite of the solemn protest of their representatives at the Assembly of Bordeaux.

3 The German Government shall hand over without delay to the French Government all archives, registers, plans,

titles and documents of every kind concerning the civil, military, financial, judicial or other administrations of the territories restored to French sovereignty. If any of these documents, archives, registers, titles or plans have been misplaced, they will be restored by the German Government on the 'demand of the French Government.

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De acordo com Sondhaus (2013, p. 21) era unânime a crença, em 1919, quanto à responsabilidade alemã diante a Guerra e suas causas, mas ressalta-se também o veredito dado por acadêmicos alemães da década de 20 que culpava não a Alemanha, mas sim o sistema de alianças e as outras grandes potências.

A preocupação acadêmica alemã nos anos 20 em comprovar que o Estado não poderia ser individualmente punido pelo conflito afirma o sentimento nacional antagônico às decisões do Tratado de Versalhes4 e, para Lee (1998, p. 36, tradução nossa) “os termos causaram considerável ressentimento que abalou a economia entre 1921 e 1923”5. Ainda de acordo com

Lee (1998, p. 37), nem todos os pontos do tratado poderiam ser definidos com base revanchista, já que as três prioridades seriam a garantia da Europa contra uma possível futura agressão alemã, o reestabelecimento da infraestrutura econômica dos aliados e o fortalecimento da estabilidade dos novos Estados-nação na Europa, pontos que não comprovariam o revanchismo sentido tanto por intelectuais alemães quanto pela população em geral. Em desacordo com o levantamento de Lee e as eventuais justificativas dadas pelos aliados, Keynes (1919, p. 37) afirma o caráter vingativo e denuncia uma transferência pelos vitoriosos de uma carga financeira insuportável para os ombros dos vencidos.

Referente a questões financeiras, apontadas como outro fator de suma importância para a considerada humilhação alemã pós-Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes discorre desde seu artigo 248 até o artigo 263 (Parte IX) sobre o assunto, depositando sobre a Alemanha, mais uma vez, a culpa pelos infortúnios enfrentados durante o conflito mundial. Ressalta-se o artigo 249, que dirá:

Deverá ser pago pelo governo alemão o total de custos de todos os exércitos dos Aliados e governos associados no território alemão ocupado da data da assinatura do armistício de 11 de novembro de 1918, [...] em geral, o custo de todos os serviços administrativos ou técnicos de trabalho necessários para a formação de tropas e para

4 Ainda, ressalta-se a frágil situação econômica e moral alemã como base para os discursos de Adolf Hitler que

viriam a conquistar grande parte da população. Após a derrota na Primeira Guerra Mundial e as imposições do Tratado de Versalhes, a decisão interna alemã em fortalecer os investimentos sociais causou, em 1930, um colapso financeiro, agravado pela crise americana em 1929 e consequentemente o protecionismo visto no cenário internacional da época, além também das taxas protecionistas específicas com os produtos alemães. A inflação, portanto, atingiu altos e assustadores números, sobrecarregando a população com moedas sem valor que, mesmo em grande quantia, mal conseguiam pagar produtos básicos como o pão. Hitler aproveita então o status de líderes comerciais – não tão atingidos pela grandiosa crise - de família judaicas para implantar na população alemã a ideia de culpa - e consequentemente, culpados - por seus infortúnios, além da promessa em resgatar a antiga glória alemã (CASTILLO, 2003).

5 The terms caused considerable resentment whitin Germany and contributed to the spiralling inflation which

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manter seus números até força e preservando a sua eficiência militar. (TREATY..., 1919, p. 159, tradução nossa)6

Destarte, Keynes, já no fim da Primeira Guerra Mundial apontava os perigos econômicos iminentes das decisões de Versalhes. Os erros, de acordo com o autor, estavam mais explícitos em duas questões básicas. Primeiro, na exigência do impossível por parte dos aliados, que desprezava os fatos em busca de uma finalidade utópica e que acabaria por, no fim, criando grandes perdas. Segundo, na concentração de temas políticos e busca de uma segurança ilusória que ignorava a unidade econômica europeia. Entre as péssimas perspectivas financeiras e econômicas da França e o egoísmo inglês diante as suas conquistas na guerra (obtenção de colônias, navios, e uma parte das reparações maior do que a lhe caberia por justiça), a Alemanha sai profundamente humilhada e passa a apresentar um quadro que facilmente poderia se mostrar preocupante no futuro para todo o cenário europeu e internacional (KEYNES, 1919). Em tom premonitório, Keynes pede apoio à inteligência francesa, que se viu fora das negociações de Versalhes, e deseja “que elas unam suas forças para evitar as desgraças que de outro modo nos ameaçam” (KEYNES, 1919, p. xxxvi).

Aprofundando-se na compreensão de humilhação alemã no Tratado de Versalhes, podem ser destacados pontos adicionais para melhor identificar os momentos específicos de atrito alemão pós-Primeira Guerra Mundial.

A Seção 1 da quinta parte do Tratado de Versalhes refere-se às cláusulas militares, outro ponto bastante abordado ao se falar do ressentimento alemão diante o tratado. Para Lee (1998, p. 38), as forças britânicas, francesas, russas e italianas foram insuficientes para derrotar o exército do Segundo Reich, que só encontrou seu fracasso ao enfrentar a intervenção americana no litígio. A força do exército alemão se vê, por fim, limitada nos pontos defendidos pelo Tratado de Versalhes que seguirá do artigo 159 ao 179, onde destacar-se-á o artigo 160:

(1) Até o dia, que não poderá passar de 21 de março de 1920, o exército alemão não poderá compreender mais do que sete divisões de infantaria e três divisões de cavalaria. Depois desta data, o número total de efetivos no exército dos Estados que constituem a Alemanha não poderá exceder o número de cem mil homens, incluindo oficiais e estabelecimentos de depósitos. O exército deverá ser devoto

6 There shall be paid by the German Government the total cost of all armies of the Allied and Associated

Governments in occupied German territory from the date of the signature of the Armistice of November 11, 1918, including the keep of men and beasts, lodging and billeting, pay and allowances, salaries and wages, bedding, heating, lighting, clothing, equipment, harness and saddlery, armament and rolling-stock, air services, treatment of sick and wounded, veterinary and remount services, transport service of all sorts (such as by rail, sea or river, motor lorries), communications and correspondence, and in general the cost of all administrative or technical services the working of which is necessary for the training of troops and for keeping their numbers up to strength and preserving their military efficiency.

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exclusivamente para a manutenção da ordem dentro de seu território e controle de fronteiras. (TREATY..., 1919, p. 115, tradução nossa)7

E também percebido no artigo 173, que diz que “o alistamento universal obrigatório para serviços militares deverá ser abolido da Alemanha. O exército alemão só poderá recrutar por meio de alistamento voluntário. ”

Ainda que se argumenta quanto a finalidade benéfica da diminuição do exército alemão em busca da paz e do fim dos embates territoriais na Europa, instiga-se o fato de o Estado do Segundo Reich ter sua força bélica reduzida apenas para fins de defesa de soberania dentro de seu próprio território e suas fronteiras.

Nas leituras acadêmicas tanto atuais quanto do imediato pós-Primeira Guerra Mundial e pós-assinatura do Tratado de Versalhes, confirma-se uma certa divergência de pensamentos quanto à culpa total alemã dos conflitos e dos fortes impactos causados no Estado na década de 20 e 30. Porém, reforça-se o fator primordial da pesquisa, holocausto e nazismo, que será melhor analisado com a comprovação do sentimento revanchista e pesaroso dentro da própria Alemanha, tanto entre as autoridades quanto entre seus próprios cidadãos, acerca das decisões dos vencedores da, até então, Grande Guerra.

2.1 PENSAMENTO DE HITLER

Entendendo as inclinações alemãs no pós-Primeira Guerra Mundial, torna-se de vital importância uma breve análise dentro dos pontos mais defendidos por Adolf Hitler e o porquê tais pontos conseguiram tanta relevância e renome dentro da sociedade alemã.

Ao analisar o pensamento do líder nazista, antes mesmo de sua ascensão ao poder na Alemanha de 1933, ressalta-se que “desde o início de sua carreira política, em meados do segundo semestre de 1919, o agitador sempre deixou claro que, após a tomada do poder, faria o possível para livrar-se das amarras do Tratado de Versalhes” (VOLKER, 2015, p. 416), já trazendo para o centro de seus discursos as incansáveis críticas ao Tratado. Comprova-se também o Tratado de Versalhes como um dos maiores interesses de Hitler quando, já em meados do segundo semestre de 1941, o líder ainda utilizaria a questão como argumento em

7 (1) By a date which must not be later than March 31, 1920, the German Army must not comprise more than seven

divisions of infantry and three divisions of cavalry. After that date the total number of effectives in the Army of the States constituting Germany must not exceed one hundred thousand men, including officers and establishments of depots. The Army shall be devoted exclusively to the maintenance of order within the territory and to the control of the frontiers.

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um de seus discursos, ao esbravejar que “é raro alguém declarar e registrar o que quer como eu tenho feito [...] e eu volto a registrar: abolição de Versalhes” (DOMARUS, 1965, p. 1659 apud VOLKER, 2015, p. 416).

Hitler e sua ideologia extrema serão fortes impulsionadores da eclosão da Segunda Guerra Mundial, tornando fundamental a exploração de sua autobiografia para assimilar fatores motivadores do conflito e, singularmente, os reflexos de suas ideias preconceituosas dentro do Estado alemão, em uma ideologia que se tornou, por fim, massificada e largamente apoiada. Para uma análise satisfatória quanto a doutrinação e valores deturpados de Hitler, em especial durante sua ascensão na Alemanha em 1933, será utilizado o polêmico e autobiográfico livro “Minha Luta”, escrito em 1925. A autobiografia, ressalta-se, foi redigida por Adolf Hitler após sua prisão em fevereiro de 1924, que irá alça-lo como herói durante todo o processo de julgamento e terminará após 24 dias com a soltura do acusado (PEREIRA, 2012, p. 42).

Também referente à busca pelo poder de Hitler, ressalta-se que a questão não pode, em quaisquer circunstâncias, ser levada na simplificação do termo e também das crenças de todo o nazismo. Adolf Hitler não pode ser resumido a megalomaníaco, propagandista ou manipulador, apesar de ser considerado todos estes termos. A importância de Hitler e seu poder de persuasão são sentidos em suas inabaláveis convicções quanto às questões de injustiça e de raças e, principalmente, suas próprias crenças e certezas quanto às melhores – e únicas – formas de resolver as questões que assolavam o povo alemão (KERSHAW, 2009).

Apesar de tratar-se de um livro preenchido com afirmações que podem levantar interminável discussão e análise, a presente pesquisa se pauta em passagens relacionadas a pontos já levantados para a ligação entre a derrota alemã na Primeira Guerra, em especial a ideia de humilhação amplamente defendida na população alemã, e o holocausto de judeus durante a Segunda Guerra, uma vez que “a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial foi, indubitavelmente, o fator decisivo para o surgimento do nazismo na Alemanha” (PEREIRA, 2012, P. 55).

Para Kershaw (2009), a insaciável sede pelo poder monopolizado do líder do Terceiro Reich, Adolf Hitler, possuía um caráter evolutivo constante, o que seria exposto diretamente nas questões de conquista territorial vastamente defendidas durante seu governo e também expostas em sua polêmica autobiografia.

A ideologia expansionista do nazismo como forma de governo e de Hitler como líder e herói da nação (sic) já é percebida em suas primeiras páginas, quando o autor afirma que “a Áustria alemã deve voltar a fazer parte da grande Pátria germânica [...] Povos em cujas veias corre o mesmo sangue devem pertencer ao mesmo Estado” (HITLER, 2016, p. 5). Entende-se,

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