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O uso de nomeações no jogo de posicionamentos

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 37-41)

3. Elementos centrais na análise de práticas discursivas

3.2. O uso de nomeações no jogo de posicionamentos

Segundo Davies e Harré (1990), as práticas discursivas nas quais os

indivíduos podem se engajar são numerosas e contraditórias, e a pessoa16 que

emerge dos processos de interação social não é fixa, mas se constitui a partir de histórias e posições assumidas nas práticas discursivas. Posicionar-se implica navegar pelas múltiplas narrativas com as quais entramos em contato, articuladas pelas práticas discursivas. O posicionamento é definido por esses autores como um fenômeno da ordem da conversação, na qual a produção de sentido é sempre

15 Silva (2007) aponta uma predominância do gênero erótico na novela Senhora do Destino,

como uma construção entre texto e recepção. A autora privilegia o erótico do ponto de vista da heterossexualidade.

16 Para Spink e Medrado (2000), “pessoa” é uma noção que enfatiza o caráter relacional, ou

uma produção discursiva do self. Para Davies e Harré (1990, p.5), o posicionamento é “o processo discursivo através do qual os selves são situados nas conversações como participantes observáveis e subjetivamente coerentes em linhas de história conjuntamente produzidas”. A análise desenvolvida pelos autores enfatiza a força das práticas discursivas, as maneiras como as pessoas são posicionadas a partir dessas práticas e como a subjetividade é gerada por aprendizagem e uso de certas práticas discursivas. Segundo Davies e Harré (1990, p.4),

Uma posição de sujeito incorpora um repertório cognitivo, assim como uma localização para as pessoas dentro da estrutura de direitos de quem usa esse repertório. Uma vez que uma posição particular é assumida como sendo propriamente sua, a pessoa invariavelmente vê o mundo a partir do ponto de vista dessa posição e em termos de imagens, metáforas, linhas de história e conceitos que são relevantes para a prática discursiva específica na qual ela se posicionou.

De forma resumida, essa abordagem permite compreender que somos posicionados e nos posicionamos o tempo todo e esses posicionamentos estão intimamente relacionados ao contexto social e histórico de cada um. Esse sistema conceitual aplicado no contexto da telenovela permite uma analogia: a novela pode ser considerada um conjunto de narrativas que contém diversas linhas de história, que são organizadas através dos diálogos entre as personagens e giram em torno de vários pólos – eventos, personagens e dilemas morais. Os pontos de vista exibidos por cada personagem da novela dependem da interação entre os modos como ela se posiciona e como ela se vê posicionada. Dependendo das interações, posicionamentos e negociações podem acontecer mudanças nos pontos de vista adotados pelas personagens.

No jogo de posicionamentos, determinados repertórios interpretativos, assim como nomeações, são colocados em movimento. Os repertórios englobam as nomeações, pois são formas mais complexas que agrupam termos discerníveis, descrições, lugares-comuns e figuras de linguagem.

De onde falo? De onde as personagens e o autor falam? Essas complexas perguntas são vitais para o tipo de perspectiva aqui adotada. Introduzir o conceito

de “posicionamento” proposto por Davies e Harré (1990) nesta análise implica problematizar a idéia de uma identidade fixa e imutável. Ao partir desse pressuposto, tento fugir da armadilha de conceber os discursos como lugares de essencialização das diferenças. Apoiada nas leituras feministas de Haraway (1995), Braidotti (2004) e Butler (2003), não pretendo encontrar uma única maneira de me posicionar ou ser posicionada. Antes, busco perceber as diversas possibilidades que encerram a construção daquilo que se denomina mulher ou homem, e as distintas marcas e experiências que contribuem para alimentar minha subjetividade – mulher, branca, classe média intelectualizada, brasileira, goiana, feminista, militante, lésbica, psicóloga, educadora, e outras tantas que compõem minha pluralidade e complexidade identitária. Essas categorias, múltiplas e interseccionadas, foram, e são, recorrentemente recriadas para designar quem sou. Compreendo essas várias posições como partes integrantes e inter- relacionadas de um todo visto com um processo múltiplo e complexo que se constrói nas trocas intersubjetivas e que acontece de forma situada, ou seja, depende do contexto que no qual está inserido.

Propor uma análise das narrativas sobre lesbianidade adotadas pelas personagens de Senhora do Destino sob a perspectiva dos “posicionamentos” implica localizar essas multiplicidades de lugares de onde falo, bem como reconhecer que as narrativas sobre as quais dirijo minha análise se localizam em um lugar muito específico, no caso, a televisão brasileira, especificamente a Rede Globo de televisão, e um produto cultural de ampla veiculação – a telenovela. Explicitar essas informações torna-se indispensável para análise dos sentidos e efeitos das diversas posições de sujeito emergentes nos diálogos intra-novela, interpretações possíveis de um leque de alternativas nas quais também me incluo. O conceito de posicionamento permite compreender que as formas como as pessoas são posicionadas e se posicionam através das práticas discursivas são constituídas por relações sociais mediadas por poder.

Um dos interesses desta tese é apreender a produção de sentidos no cotidiano das personagens da novela, ou seja, as diferentes formas de falar sobre

a lesbianidade na telenovela. Os sentidos são vistos como fenômenos produzidos a partir das interações e negociações.

Partindo do pressuposto que a mídia, através da telenovela, desempenha um papel expressivo na promoção de novas formas de visibilidade e de acesso a repertórios sobre a homossexualidade/lesbianidade para consumo de diferentes públicos (leitores, espectadores, telespectadores), problematizo nesta tese que, longe da telenovela ter uniformidade, seus discursos se caracterizam pela multiplicidade de sentidos. Admitir que os discursos são polissêmicos, que podem variar, não implica, entretanto, negar a construção de sentidos ou tendências hegemônicas, especialmente quando se trata de mídia (SPINK; MEDRADO, 2000). Se a mídia opera com tensões e ambigüidades, a eleição de determinados temas e a forma como são discutidos (retórica) ajudam a produzir efeitos de legitimidade, incluindo tanto a circulação da temática da homossexualidade/ lesbianidade, como determinados modelos de pessoa em detrimento de outros.

Assim, neste trabalho busco identificar os repertórios interpretativos e os posicionamentos utilizados para referir-se à lesbianidade por meio das narrativas que circulam na novela Senhora do Destino (2004-2005). Porém, antes de analisar os diálogos intra-novela e a forma como as personagens falam sobre a lesbianidade do par lésbico em Senhora do Destino, faço uma viagem panorâmica pela construção da categoria homossexualidade/lesbianidade, tendo por ponto de partida a produção dessa noção pela ciência, estabelecida nos diálogos travados pelas personagens.

CAPÍTULO 2

HOMOSSEXUALIDADES E A CONSTRUÇÃO DA CATEGORIA

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 37-41)