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Objeções Lógicas à Trindade

O

testemunho bíblico apresentado nos capítulos l a 6 su­gere fortemente que o Deus revelado nas Escrituras é um Deus que Se manifestou como três pessoas divinas. Para muitos antitrinitarianos, o conceito de um igual a três parece pa­ tentemente ilógico. Millard Erickson sugeriu de modo enfático que os trinitarianos precisam apresentar uma explicação factível e coerente de como podemos logicamente conceber três como um.

Erickson prossegue então dizendo que na vida real e prática, onde vivemos, não toleraríamos tal matemática extravagante: 3=1. Se você ou eu formos à padaria e apanharmos três pães e tentarmos persuadir o responsável pelo caixa de que estamos levando apenas um, e que somente temos de pagar por um pão, o funcionário seria tentado a rapidamente chamar os encarregados da segurança.

Assim, é bastante aceitável que os trinitarianos apresentem al­ guma descrição coerente para tentar explicar como três são um e um é três na vida da Divindade. A questão é esta: o que ocorre na natureza da Divindade triúna que torna “uma só” as pessoas identificadas como Pai, Filho e Espírito Santo?

A primeira resposta à questão da lógica inerente ao pensamento trinitariano é admitir que estamos lidando com um mistério extre-

mamente profundo. Eu facilmente acredito na Bíblia ao ela afirmar que Adão e Eva se tornaram “um” e ainda eram dois, mas tenho de compreender os caminhos de qualquer homem com uma jovem (Prov. 30:19). Nos relacionamentos amorosos, parece desenvolver-se uma profunda unicidade. Deveríamos, por isso, dizer que os relacio­ namentos amorosos são totalmente ilógicos e incoerentes? Penso que não. Esta parece ser a melhor maneira de oferecer uma explicação coerente do mistério da Trindade e sua unicidade plural.

Uma vez mais, Erickson parece indicar com sensibilidade o ca­ minho para uma solução factível e harmoniosa: “Propomos, pois, conceber a Trindade como uma sociedade, um complexo de pessoas que, entretanto, são um só ser. Embora esta sociedade de pessoas possua dimensões para seus relacionamentos que não conhecemos entre os seres humanos, existem alguns paralelos iluminadores. O amor é o vínculo que une, no âmbito da Divindade, cada pessoa com as outras” (ibid., pág. 58).

Não deveria nos surpreender o fato de que Erickson apela en­ tão diretamente a I João 4:8 e 16.

I João 4:8

“Deus é amor”. Será que verdadeiramente compreendemos as profundezas desta declaração inspirada, que chega a desarmar-nos em sua aparente simplicidade? Gostaria de sugerir que essas três palavras têm uma profunda contribuição a oferecer no tocante à nossa compreensão de um Deus que preexistiu eternamente sob alguma forma de “unicidade” trinitariana.

Mais um judicioso comentário de Erickson é sugestivamente in­ trigante: “A declaração ... ‘Deus é amor’ não é uma definição de Deus, tampouco é meramente a declaração de um atributo entre ou­ tros. Trata-se de uma caracterização muito básica de Deus” (ibid.).

Devo confessar que, nos estágios iniciais de minha experiência cristã, eu era um tanto indiferente diante das questões em torno do assunto da divindade. Todavia, ao começar a refletir mais cuidadosamente sobre as evidências apresentadas nos seis primeiros capítulos deste livro, passei a

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perceber que algo profundo, até mesmo maravilhosamente complexo, se desvenda quando a Bíblia define a realidade última.

O ponto começou a focalizar-se em torno da questão de um Deus que irradia através das páginas das Escrituras como alguém in­ tensamente pessoal e amorável em Sua natureza. Certo dia, então, começou a penetrar em minha atitude racionalista diante da religião e da teologia bíblica o fato de que o Deus do Céu é primariamente um Deus de amorável graça, não de abstrata racionalidade.

A expressão “Deus de amorável graça” começou a despertar maravilhosos pensamentos em minha mente a respeito do amor como sendo a essência da existência humana e divina. Lembro-me claramente do dia em que meu irmão Phillip compartilhou comi­ go os lampejos da seguinte linha de pensamento:* se Deus é, em Sua própria essência, verdadeiramente o Deus de “amor” (João 3:16 e I João 4:8), temos de considerar as implicações a seguir.

Poderia alguém que existiu durante toda a eternidade passa­ da e que nos criou à Sua imagem amorável — poderia este Deus verdadeiramente ser chamado de “amor” se existisse apenas como um ser solitário? Não é o amor, especialmente o amor di­ vino, possível apenas se o ser que criou nosso Universo for um ser plural, que esteve a exercer o “amor” dentro de Sua divina pluralidade ao longo de toda a eternidade passada? Não é o amor real e altruísta possível apenas se procedente de um tipo de Deus que foi, é e será para sempre um Deus de amor? É o Deus Cria­ dor, identificado como amor, de alguma forma dependente de Seus seres criados a fim de revelar e demonstrar Seu amor?

Observe cuidadosamente o modo articulado como Erickson, Bruce Metzger e Otto Christensen abordam este ponto crucial: “Existe um sentido no qual o fato de Deus ser amor requer que Ele seja mais de uma pessoa. O amor requer necessariamente um sujeito e um objeto. Assim, antes da criação de outras pessoas - como os seres humanos - Deus não poderia haver realmente amado, e não teria sido verdadeiramente amor. Se, contudo, sem­ pre existiram múltiplas pessoas dentro da própria Trindade, entre

as quais o amor pudesse ser mutuamente exercitado, expresso e experimentado, então Deus pode ter sido sempre ativamente amorável. Amor genuíno requer que exista alguém para ser ama­ do, e isso teria que ser necessariamente representado por algo mais que mero narcisismo. ... Pelo fato de ser Deus três pessoas, em vez de duas, existe uma dimensão de abertura e extensão que não é necessariamente encontrada no relacionamento de amor entre duas pessoas, o qual pode muitas vezes ser bastante fecha­ do em sua natureza” (Erickson, págs. 58 e 59).

“Os unitarianos professam concordar com o pensamento de que ‘Deus é amor’. Contudo, estas palavras - ‘Deus é amor’ — não possuem significado real a menos que Deus seja pelo me­ nos duas Pessoas. Amor é algo que uma pessoa tem por outra pessoa. Se Deus fosse uma pessoa singular, então, antes que o mundo fosse criado, Ele não era amor. Pois, se o amor é a pró­ pria essência da natureza de Deus, Ele precisa haver amado sempre e, sendo eterno, deve ter possuído um eterno objeto de amor. Além disso, o perfeito amor somente é possível entre iguais. Da mesma forma como o homem não pode satisfazer ou entender sua plena capacidade de amar amando os animais de natureza inferior, assim Deus não pode dar total expansão a Seu amor ao amar o ser humano ou qualquer outra criatura. Sendo infinito, Ele precisa haver possuído um objeto infinito para o Seu amor, uma espécie de alter ego, ou, na linguagem da teologia cristã tradicional, um Filho co-substancial, co-eterno e co- igual” (Metzger, pág. 83).

“A autocomunhão e associação [de Deus] consigo mesmo, total­ mente independente do Universo criado, é impossível para uma es­ sência destituída de personalidade. Somente a unidade plural da Trindade explica isso, pois precisa existir alguém para ser conhecido. Da mesma forma, precisa existir alguém para ser amado. Houve um tempo em que o Universo não existia, e se a bênção e a perfeição de Deus dependessem do Universo, então teria havido um tempo em que Deus não era autoconsciente e nem bendito. Tanto a inspiração

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quanto a razão demandam a existência de um Deus triúno, compos­ to de Pai, Filho e Espírito Santo” (Christensen, pág. 70).

Será que já não descobrimos que as unidades humanas mais profundas são as que se baseiam em amor abnegado? Poderíamos experimentar uniões de amor tão profundas se não existisse um Deus plural profundamente unido e de infinito amor, que definiu a própria essência do Universo e a existência das criaturas criadas mais especificamente à Sua imagem? A verdadeira essência da vida em amor flui da grande Divindade triúna de amorável graça!

Desejo expressar isso da forma mais clara possível: se Deus é amor, a própria base do Universo criado precisa ser o amor pes­ soal. Eu sugeriria que o amor pessoal infinito e eterno é a própria substância daquilo que faz o Universo expansivo e logicamente coerente. Embora o amor não possa ser plenamente explicado, sem ele as coisas se provariam desesperadamente estéreis. Poderia ser o caso de que o Universo criado por uma Trindade amorável e expansiva tenha uma lógica que transcende aquela do mundo físico? Esperamos que sim!

Além disso, desejo sugerir que as implicações para com a realida­ de - conforme definida por uma eterna e infinitamente amorável Trindade - apresenta possibilidades altamente recompensadoras quando se trata de clarificar as questões teológicas que fluem das doutrinas da criação, pecado, redenção, Céu, o problema do mal e o significado último da existência divina e da sociedade humana. “Se a realidade é fundamentalmente física, então a força primária a mantê-la unida é eletromagnética. Se, contudo, a realidade é funda­ mentalmente social, então a mais poderosa força constituinte é aquela que exerce a união de pessoas, ou seja, o amor” (Erickson,

Trinity, pág. 58).

Por que não optamos pela lógica de uma realidade “funda­ mentalmente social”, um mundo criado e benevolentemente re­ gido pela Trindade de eterno amor?

Na seção 3, voltaremos a uma discussão mais ampla das im­ plicações teológicas e práticas da crença trinitariana. Antes de o

fazermos, contudo, devemos considerar como o pensamento tri- nitariano e antitrinitariano se desenvolveu ao longo dos séculos, desde os dias dos apóstolos. E para estas questões que volveremos agora a nossa atenção.

* Phillip W hidden foi quem primeiro trouxe estes conceitos à m inha aten­ ção, mas depois descobri que Wayne Grudem (pág. 247), Otto H. Christen- sen (pág. 70) e Bruce M . Metzger (págs. 81-84) articularam essencialmente os mesmos conceitos (nenhum deles, contudo, identificou em nota de rodapé as fontes dessas idéias).