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A Trindade no Terceiro e Quarto Séculos

O

segundo século findou sem qualquer consenso sobre como descrever o relacionamento entre Pai, Filho e Espí­ rito Santo. Os eruditos haviam identificado aqueles que se

achavam visivelmente em erro como sendo heréticos e contrapro­ ducentes à igreja. Irineu e outros haviam corrigido vários conceitos

errôneos no tocante a Jesus Cristo, mas não haviam encontrado ter­ mos para definir o que era correto. Ainda não emergira nenhuma forma capaz de explicar a Divindade em harmonia com todos os as­ pectos revelados da Escritura.

Uma das conseqüências de tratar o abnegado Marcion e ou­ tros semelhantes a ele como heréticos foi que os cristãos começa­ ram a identificar-se a si mesmos mais com base no que criam do que com base em como viviam e se comportavam. Essa mudança elevou o tom das discussões teológicas, pois as idéias prevalecen­ tes se tornariam um meio de criar uma linha divisória entre os que pertenciam e os que não pertenciam à “verdadeira” igreja. Tal atmosfera fez com que no terceiro è quarto séculos os debates so­ bre a doutrina de Deus atingissem crescente agressividade.

Orígenes, cujos comentários bíblicos estabeleceram a base para esses debates, foi provavelmente o mais influente intérprete

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individual da Bíblia na história do cristianismo. Embora nem sempre fosse original em sua compreensão, alcançou de modo impressio­ nante seu objetivo de reunir as valiosas interpretações primitivas das Escrituras. Seus numerosos comentários reuniram uma tre­ menda quantidade de interpretações prévias da Bíblia e muitos de seus próprios pontos de vista. Estudiosos posteriores das Escrituras apreciaram grandemente tanto a coleção de comentários quanto seu trabalho original, considerando-o um repositório da interpre­ tação cristã. Como resultado, os ensinadores cristãos achavam im­ portante estar de acordo com Orígenes quando se envolviam em qualquer debate, durante o terceiro e quarto séculos.

Orígenes cresceu como cristão em Alexandria, nas últimas dé­ cadas do segundo século. Seus pais enfrentaram o martírio por causa do cristianismo quando ele ainda era adolescente, e Orígenes se­ guiu o exemplo deles quanto a um cristianismo sério e comprome­ tido. Levou uma vida disciplinada e considerou com seriedade as injunções literais das Escrituras. Conta-se freqüentemente a histó­ ria - possivelmente verdadeira - de que quando era jovem, ao en­ frentar as tentações sexuais, interpretou literalmente a declaração de Jesus: “Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti” (Mat. 5:29). Verdadeira a história ou não, o próprio fato de as pessoas sugerirem isso a seu respeito revela seu nível de compro­ metimento pessoal com a moralidade e a espiritualidade. Uma vez que um dos mais elevados princípios de interpretação bíblica na igreja primitiva era o de que o intérprete deve ser uma pessoa espi­ ritual e reta, o profundo comprometimento de Orígenes aumentou muito a aceitação de seus ensinamentos.

Embora Orígenes provavelmente só tenha mantido um cargo ofi­ cial na igreja bem mais tarde na vida, ele foi um talentoso professor de interpretação bíblica desde idade precoce. Historiadores da igreja muitas vezes o criticam como responsável por conduzir a erudição cristã a métodos alegóricos. Porém, suas excelentes interpretações li­ terais e tipológicas das Escrituras foram igualmente influentes. Uma das razões para o freqüente uso dos comentários de Orígenes foi que

ele deu ampla cobertura aos livros das Escrituras. Encontramos apenas poucas passagens não analisadas por ele, e a maioria dos comentaris­ tas posteriores o cita mesmo quando em discordância com ele.

Um dos aspectos negativos de uma cobertura escriturística tão meticulosa é que os escritos de Orígenes não possuem uma con­ sistência sistemática^, Em virtude de seu imenso volume e diver­ sidade, seus escritos poderiam ser usados — e o foram - para dar apoio a grande número de conclusões teológicas que sem dúvida Orígenes nunca pretendeu alcança^De fato, alg uns desses pro­ blemas o levaram a ser condenado como herege dois séculos após sua morte, quando seus escritos pareceram posicionar-se do lado errado dos debates teológicos dos quais ele possivelmente nem pudesse ter conhecimento.

O fato é que vários lados dos debates teológicos usaram seus escritos como fonte de munição. No tempo de Orígenes, as pes­ soas suscitavam mais questões a respeito da Divindade do que os teólogos eram capazes de responder definitivamente, e parece que ele próprio investigou certo número de possíveis soluções. Como no caso de qualquer bom escritor, Orígenes direcionava seus escritos da forma que melhor pudessem responder ao ques­ tionamento de seus oponentes. Para Orígenes, os adversários iam desde os gnósticos cristãos até o filósofo pagão Celso. Em­ bora tivesse alguns detratores, a maioria dos cristãos do início do quarto século considerava Orígenes como parte importante da tradição ortodoxa de interpretação, e sua influência era tal que todos os lados do debate desejavam tê-lo como aliado.

No segundo volume de seu Comentário de João, Orígenes pro­ põe-se a lidar com o próprio âmago da perplexidade relacionada com a Divindade revelada nas Escrituras - ou seja, o modo como podemos comparar o relacionamento entre o Pai e o Filho com aquele entre o Filho e a raça humana. Vários textos identificam Jesus como um com o Pai e com os seres humanos, embora ra­

cionalmente estes relacionamentos pareçam excluir-se mutua­ mente. Como pode o Filho ser o mesmo que o Pai e ainda assim

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ser o mesmo que os humanos? A solução de Orígenes foi utilizar interpretações literais das Escrituras, colocando o Filho numa po­ sição intermediária, em que fazia lembrar o Pai em certos aspectos e os seres humanos em outros.

Irineu já havia plantado a semente para essa solução ao suge­ rir que o Filho Se relacionava de forma idêntica com o Pai e com os seres humanos. Insistira que as Escrituras mostravam a Cristo como plenamente divino e plenamente humano. Porém, falta- ram-lhe as ferramentas e a terminologia necessárias para sobrepujar os aspectos ilógicos de tal declaração. A fórmula que descreve a Jesus como possuindo dupla natureza levou muito tempo para | ser construída. Foi apenas no quinto século que alguém chegou a

articulá-la com clareza. Orígenes, próximo ao começo do tercei- /? ro século, não dispunha dos conceitos estruturais através dos quais pudesse organizar as informações escriturísticas. Em lugar disso, sugeriu que a conexão entre Deus Pai e Deus Filho era de participação: Deus Pai era o único Deus verdadeiro e Deus Filho era Deus através da participação na divindade do Pai. Numa de­ claração que soa a arianismo, Orígenes sugeriu que o Filho “não prosseguiria sendo Deus se não mantivesse contínua e incessante contemplação da profundeza do Pai” (Origen, Commentary on the Gospel According to John 2:18, comentando João 1:1; citado da tradução de Ronald E. Heine, Origen: Commentary on the Gospel According to John, Books 1-10, pág. 99). Orígenes, natural­ mente, argumentaria que tal coisa jamais iria ocorrer, pois o Verbo sempre estivera com Deus, sempre fora Deus e sempre permane­ ceria sendo. Entretanto, o fato de que ele se dispusesse a mencionar essa idéia, ainda que como uma possibilidade teórica, demonstra que Orígenes não considerava o Filho como sendo Deus por na­ tureza, mas apenas por meio da participação.

Em algumas partes de seus escritos, Orígenes também retrata o Filho como efetivamente coeterno com Deus o Pai, embora não da mesma natureza. Sua compreensão do tempo levou-o a ler a palavra grega para “começo” ou “princípio” {arché) em João 1:1

como significando “antes que houvesse tempo”. Ele aplicou essa definição à frase “no princípio era o Verbo” de modo a denotar a eternidade do Filho, e afirmou enfaticamente que “antes de todo tempo e eternidade ‘o Verbo era no princípio’ e o Verbo estava com Deus’” (ibid., 2:9, pág. 97). Isso colocaria o Filho numa po­ sição intermediária entre Deus o Pai, que era divino por natureza, e os seres humanos, que por natureza eram criaturas, mas pode­ riam participar da divindade em alguns aspectos.

£v Ário, de quem deriva o termo “arianismo”, também colocou o Fi­ lho numa posição intermediária. Tal como Orígenes, o conceito de Ário a respeito do monoteísmo não permitia que ninguém, exceto o Pai transcendente, fosse plenamente Deus. Mas, diferentemente de Orígenes, Ário foi muito mais explícito em seus comentários acerca da origem do Filho como ser criado. Ao passo que Orígenes utilizou linguagem ambígua para descrever o princípio, insistindo que, ao nos defrontarmos pela primeira vez com o Filho, Ele já estava com o Pai, Ário falou ousada e abertamente a respeito de um ponto inicial, no qual o Pai criara o Filho, e antes do qual o Filho não existira. Poder- se-ia argumentar que isso representava uma melhora positiva quanto à precisão. Porém, com o tempo, a igreja veio a entender que, embo­ ra isso aparentemente se harmonizasse com os textos que sugeriam um início para Cristo, havia uma contradição com outras passagens que falam da plena divindade e eternidade do Filho. A tentativa de precisão de Ário revelou-se um engano.

Ário nasceu na Líbia em meados do terceiro século d. C. Pou­ co depois do final da última, mais prolongada e mais abrangente perseguição romana contra os cristãos - a que foi promovida pelo imperador Diocleciano no começo do quarto século d. C. — Ário atuou como presbítero na igreja de Alexandria. Assim como em muitas outras cidades do império, após a perseguição de Diocle­ ciano, a igreja de Alexandria passou por anos de argumentos e acusações a respeito de quem merecia conservar-se em posições eclesiásticas, e sobre como tais pessoas deveriam exercer a autori­ dade. Durante a perseguição, muitos bispos haviam fugido ou

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abdicado das Escrituras, ao passo que outros haviam sido marti­ rizados. Em Alexandria, o bispo metropolitano Pedro fugira 0 ^ princípio; mais tarde, porém, seguindo a revogação de um decreto de tolerância, fora aprisionado e martirizado. Alexandre, o bispo eleito para substituí-lo, teve de lidar com a contenda e a divisão que haviam crescido sob o governo de um bispo não designado, o qual atuara durante a ausência de Pedro. Ario acusou Alexandre de sustentar uma falsa visão de Cristo, possivelmente tirando vantagem da aparente fraqueza política do bispo, de modo a ob­ ter apoio a suas próprias idéias, em oposição às do bispo, h

Ario não teria como saber o que surgiria a partir do debate suscitado. Os pontos de vista opostos de Alexandre e de Ario vie­ ram a tornar-se centrais no Concílio de Nicéia vários anos mais tarde, em 325 d.C., ao lado das idéias de outros, inclusive as de Eusébio, o historiador da igreja e bispo de Cesaréia. Relata-se que o Concílio de Nicéia reuniu mais de 300 bispos, ao lado de seus respectivos presbíteros e atendentes. Ocorreu na cidade de Ni­ céia, próximo a Constantinopla, no que hoje é a Turquia. O im­ perador Constantino, que convocou o concílio, havia trabalhado para unir o Império Romano sob sua própria liderança, a despei­ to do fato de que seu pai dividira o império entre os três filhos. O principal objetivo de Constantino com o concílio era estimu­ lar a união da igreja cristã, para ajudá-lo a manter unido o impé­ rio. Ele se sentia muito desapontado ao perceber discórdias entre os bispos em assuntos tão fundamentais como o relacionamento entre Deus Pai e Deus Filho. Embora o desejo de Constantino em relação ao concílio jamais se materializasse, o que o concílio afinal conseguiu foi a rejeição dos pontos de vista de Eusébio de Cesaréia e de Ario. Também conseguiu a formulação de uma de­ claração sobre a Trindade que tendia a vindicar os pontos de vista de Alexandre de Alexandria. A declaração era essencialmente a mesma do credo estabelecido pela igreja de Jerusalém, com um adendo que condenava como anátemas os pontos de vista que co­ locavam o Filho em sujeição ao Pai. Eis a declaração:

“Cremos em um Deus, o Pai Todo-Poderoso, Autor das coisas visíveis e invisíveis;

“E em um Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado pelo Pai, unigénito, ou seja, da substância do Pai, Deus de Deus, luz de luz, verdadeiro Deus do Deus verdadeiro, gerado e não cria­ do, da mesma substância do Pai, através de quem todas as coisas vieram a existir, coisas no Céu e coisas na Terra, que em favor de nós homens e por nossa salvação desceu e encarnou, tornando-Se homem, sofreu e ressuscitou novamente no terceiro dia, ascendeu aos Céus e voltará para julgar os vivos e os mortos;

“E no Espírito Santo” (Peter Toon, Yesterday, Today and Forever: Jesus Christ and the Holy Trinity in the Teachings ofth e Seven Ecume-

nical Councils, pág. 20).

Historicamente, Ário não se encontrava tão perto do centro do debate teológico quanto se poderia depreender do fato de que seu nome tem sido associado a praticamente qualquer coisa anti- trinitariana por mais de 1.600 anos. Nenhum dos três principais grupos que se opuseram à fórmula de Nicéia para a Trindade du­ rante o quarto século reconheceu Ário como seu representante. Tampouco qualquer desses grupos concordou completamente com a cristologia ariana. Não obstante, em virtude de o credo do Concílio de Nicéia conter vários anátemas contra as idéias origi­ nalmente propostas por Ário e identificadas pelo concílio como sendo inverídicas em relação a Jesus Cristo, sempre que alguém propôs idéias similares, a teologia resultante veio a ser identificada como ariana. Ário não acreditava em todas as coisas anatematiza­ das em Nicéia, mas o seu nome tem sido normalmente utilizado para rotular qualquer ponto de vista que considere a Cristo como “inferior” - ou seja, qualquer conceito que entenda a Cristo como sendo menos do que plenamente Deus.

Atanásio, jovem secretário de Alexandre e presbítero da igreja de Alexandria, participou do Concílio de Nicéia. Embora houves­ se desempenhado papel menor nos debates, o concílio modelou amplamente sua própria vida. Atanásio gastou o resto da vida

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tentando manter o ponto de vista niceano a respeito de Cristo como a doutrina aceita pela igreja. Em virtude disso, sofreu apri­ sionamento, foi exilado cinco vezes e enfrentou ameaças de execução. /

Ario declarara ousadamente perante o concílio que o Filho ha­ via sido criado pelo Pai. Baseou seu ponto de vista em textos fa­ cilmente tirados do contexto, a exemplo de Hebreus 3:2, que po­ deria ser traduzido como “fiel Àquele que O fez”, e Atos 2:36/ que poderia ser traduzido como “Deus O fez Cristo’/. A causa destas leituras problemáticas centraliza-se no verbo grego p o ieo f (fazer ou tornar), que possui ambigüidades semelhantes às que encontramos no verbo “fazer” em português. Fazer tem vários significados, desde “criar” até “indicar”. Por exemplo, você pode “fazer” um bolo no sentido de “criá-lo”. Por outro lado, pode-se “fazer” ou “tornar” alguém juiz ou oficial de polícia não por “criar” a pessoa, mas ao “indicá-la” para a função. Em Atos 2:36, a frase completa diz: “Deus O fez Senhor e Cristo”. “Cristo”, o “Ungido”, é um papel ou ofício ao qual Deus indicou Seu Filho. Em Hebreus 3:2 encontramos em operação a mesma dinâmica. Lendo em conjunto os versos 1 e 2, torna-se claro que Jesus é “fiel Àquele que O constituiu” como apóstolo e sumo sacerdote. Uma vez mais, trata-se de papéis como os do juiz ou oficial de polícia. Atanásio utilizou argumentos como estes para refutar as leituras

equivocadas de Ario e seus aliados.

Provérbios 8:22 representou um interessante desafio para Ataná­ sio. Já lidamos com o texto hebraico desta passagem num capítulo anterior do livro, mas Ario e Atanásio utilizaram a versão grega do Antigo Testamento, conhecida como Septuaginta, a qual apresenta uma leitura ligeiramente diferente. No texto da Septuaginta, confor­ me o temos hoje, o verso diz: “Deus me criou [a Sabedoria] no prin­ cípio de Seus caminhos para Suas obras.” É utilizado aqui o verbo ktizo: fundar, construir ou criar. Este verbo usualmente traz consigo a conotação de “trazer à existência”. Atanásio empregou vários argu­ mentos contra a aplicação literal do texto ao Filho. O melhor deles sugeria que, uma vez que o texto estava em verdade falando acerca

da Sabedoria, poderia ser aplicado apenas figuradamente a Cristo. Contudo, uma vez que Atanásio tinha razões políticas em Alexandria para não ser percebido como em completo desacordo com Orígenes, e considerando que Orígenes falara do texto como aplicando-se a Cristo, Atanásio interpretou Provérbios 8:22. como significando que Cristo submeteu-Se a uma mudança de status quando veio à Terra. Atanásio argumentou que as “obras” eram as obras de salvação, in­ clusive o tornar-Se um ser humano, submetendo-Se à vontade do Pai enquanto na Terra, morrendo na cruz, etc. Em outras palavras, ele interpretou o texto como referindo-se não à criação do Filho a par­ tir do nada, mas sim às mudanças de papéis necessárias para que o Filho “realizasse as obras” da salvação. Esta ênfase na mudança de funções do Filho explanava todos os três versos utilizados por Ário para argumentar em favor da criação literal do Filho pelo Pai. Con­ tudo, criava-se um novo problema, pois, se o Filho mudou de papel ao tornar-Se carne, isso significava que era “modificável” e desquali­ ficado para ser verdadeiramente divino, em vista da definição preva­ lecente de divindade. Ao lado da transcendência e da unicidade, a maioria dos pensadores helenistas considerava a imutabilidade uma das principais características da divindade.

Uma corrente filosófica popular sustentava que Deus não po­ dia ser afetado por qualquer tipo de paixão ou sentimento, ou por experiências como o sofrimento e a morte. Contudo, de acordo com as Escrituras, Jesus Cristo experimentara mudanças, sofrera e até mesmo morrera! Pelo fato de ainda não existir uma clara definição da dupla natureza de Jesus Cristo capaz de com­ preender Sua natureza divina como mantendo os atributos de Deus e ao mesmo tempo Sua natureza humana exibindo os atri­ butos da humanidade, a insistência em que Deus preenchesse as descrições filosóficas da divindade representou um sério desafio à descrição niceana do Pai e do Filho como sendo ambos plena­ mente Deus. Para começar, Atanásio parece estar falando de dois Deuses (ou, na verdade, três, quando se adiciona o Espírito San­ to), ao passo que a definição filosófica de Deus assevera que Ele

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é um e indivisível. Além disso, “tornar-Se carne” certamente su­ gere uma mudança, particularmente tendo em vista que Jesus Cristo sofreu e morreu. Jesus simplesmente não correspondia às noções dos filósofos sobre como um Deus real devia ser. »

Para muitos cristãos do início do quarto século, os quais criam que o Filho era eterno, esse conjunto de expectativas não corres­ pondidas levou-os a assumir que o Filho era essencialmente dife­ rente do PaiyEles necessitavam examinar as definições e as catego­ rias tiradas do pensamento popular a fim de descobrir o que poderia representar adequadamente as realidades de Deus conforme revela­ das nas Escrituras. Aliás, isso era verdade para a própria palavra “Trindade”. Três em um simplesmente desafiava todas as categorias matemáticas em uso desde o tempo de Aristóteles. O mesmo era verdade em relação ao termo ^homoousios, escolhido em Nicéia para representar o Pai e o Filho como sendo da mesma natureza, l/l

Utilizado no Credo de Nicéia e comumente traduzido como “de uma substância” (com o Pai), o termo apresentava dois possí­ veis significados em seu uso filosófico. Havia sido empregado para denotar um grupo que compartilhava um conjunto similar de ca­ racterísticas (o gênero de Aristóteles), e também para referir-se às características de um indivíduo (a espécie de Aristóteles). Assim, os crentes poderiam entender o termo como retratando Pai e Filho tanto como dois indivíduos de um tipo - ou seja, dois Deuses — ou