7.1.1 PROBLEMA E OBJECTIVOS DE PESQUISA
O problema ou tópico de investigação proposto como linha axial da presente dissertação, recorde-se, foi originalmente formulado através da seguinte pergunta: como é que a introdução da localização na comunicação mediada afecta a organização das relações sociais no tempo e no espaço?
A exploração das veredas teóricas e das pistas da literatura bem com a reflexão sobre o estado da arte, permitiu-nos subsequentemente concluir que a resposta depende por um lado de ultrapassar como artificiosa a clivagem entre o físico e virtual, entendendo-os como contínuos mutuamente constitutivos de prática e por outro de reconhecer como campo dilecto e vocacional de estudo, passível de iluminar o seu entrelaçamento, o correspondente aos fenómenos em torno do particular emprego das tecnologias locativas e da forma como estas permitem a integração da localização na comunicação, ancorando a informação e a interacção no espaço como confeccional. Vimos igualmente como em matéria de práticas comunicativas mediadas a dimensão lúdica se conta entre as que conhecem maior prevalência e detém inclusive maior valor económico, emergindo na leitura de alguns a deriva para o simbólico e para o consumo conceptual como yet another spatial fix, associado às formas como o capitalismo, “viciado” no crescimento, tenta ultrapassar as suas crises cíclicas de produção, posicionando em conformidade o tema do lazer no seio modo de produção vigente nas sociedades ditas informacionais, caracterizadas pela mobilidade, pela velocidade da mudança e pela intermutabilidade e precaridade não só de papéis e da condição laboral como dos próprios tempos de trabalho e ócio e sobretudo pela renovada condição do indivíduo como consumidor e produtor de símbolos. Assim, finalmente, identificámos o geocaching como paradigma concreto de jogo locativo (veja-se ainda o Anexo E, Do geocaching como paradigma de jogo móvel locativo. Elucidação, p.XLII e seg.s), argumentando em favor da especial acuidade do seu estudo de forma a proceder ao cotejamento empírico da teoria, confirmando-o, negando-a, aclarando-a ou mesmo se possível estendendo-a.
Desta forma, o problema inicial surge revisitado nos procedimentos adoptados na presente etapa do trabalho através da seguinte questão norteadora:
Quais as implicações individuais e sociais dos jogos móveis baseados na localização? Em particular no que concerne:
a) a prossecução da posição e identidade individuais;
b) o estabelecimento de novas formas de associação e de novos clusters relacionais conforme potenciados pelas características particulares da tecnologia e das plataformas comunicativas adoptadas;
c) a forma como a mobilização das últimas efectivamente afecta a experiência de deslocação no e a percepção do espaço social (físico e mental), mormente a partir do seu enquadramento narrativo; d) a admissão da possibilidade da sua subversão. Seja, da sua apropriação criativa e diferencial.
Como objectivos gerais sintetizam-se, em conformidade os seguintes:
1. Conhecer o perfil do utilizador de tecnologias de localização a partir de uma amostra significativa. 2. Relacionar a utilização das tecnologias da localização com as demais tecnologias da comunicação 3. Avaliar o seu impacto na mobilidade e deslocações dos respectivos utilizadores
4. Relacionar a utilização lúdica dos média locativos com a vida social
5. Caracterizar e entender as práticas e as dinâmicas de grupo da população geocacher.
7.1.2 QUESTÕES ESPECÍFICAS
Como questões específicas para as quais à partida se busca resposta enumeram-se as seguintes, repartidas pelas grandes dimensões axiais a que se reportam. Trata-se de um elenco exaustivo a que improvavelmente se poderá dar todas as respostas e que deve ser igualmente entendido como exercício prospectivo e aberto em elencar pistas para indagações futuras.
Relativamente à Tecnologia
(dimensão específica, de outra forma colateral a toda a análise)
1. Em que graus têm as tecnologias da comunicação em geral e móveis com incorporação da georreferência em particular estado a ser adoptadas?
2. No contexto da convergência entre Internet, redes móveis e redes sociais o que usos dão as pessoas às tecnologias presentes no seu bolso? Que necessidades sentem? Que funcionalidades procuram? 3. Como é que as tecnologias móveis permitem aos utilizadores ligarem-se de novas maneiras a pessoas
que partilham o mesmo espaço através do conhecimento da localização?
Relativamente ao Espaço
4. Como é que as plataformas locativas de jogos móveis afectam a organização das relações sociais no tempo e no espaço?
5. Como se processa a transferência da memória para as redes e em particular em que medida se retira partido das tecnologias de georreferenciação para a ancoragem e subsequente recuperação da informação dos/nos espaços?
6. Que potencial tem a tecnologia para aumentar a frequência e ou extensão das deslocações no espaço físico?
7. Como é que o relato da vivência do espaço de uns impacta a percepção dele pelos outros? 8. Como é que o espaço físico é reconceptualizado pela conectividade dos meios digitais?
9. Que papel desempenha a localização física na coordenação das práticas dos utilizadores do geocaching?
10. Em que medida obedece o geocaching aos modelos tripartidos de produção do espaço de Lefebvre? 11. Em que medida é o geocaching uma forma de heterotopia?
12. Como é que os dispositivos computacionais móveis podem ser considerados interfaces de espaços híbridos, promovendo novos tipos de ambientes sociais?
Relativamente ao Jogo
13. Como é que que o geocaching se distingue enquanto actividade de lazer?
14. Em que medida obedece o geocaching como prática lúdica dissimulada à análise do secretismo em Simmel?
15. Como é que o desenho do geocaching enquanto jogo determina a definição das normas que emergem da colocação e busca das caches?
Relativamente à dimensão Narrativa
16. Que autoconsciência têm os indivíduos do seu processo de disclosure?
17. As pessoas que usam com mais frequência a comunicação mediada estão mais conscientes de si próprias?
18. Como é que as pessoas se identificam e representam a elas próprias através das suas localizações físicas e de que maneiras elas se referem - ou não - aos lugares usando os média móveis e locativos? 19. Como avaliam e que credibilidade dão à informação debitada pelos outros? Os mecanismos dessa
avaliação permanecem estáveis ou mudam seja em função do grau de co-presença, seja do contacto continuado?
Relativamente à dimensão da Prática Social
20. Em que medida está o espaço virtual a retirar importância ao espaço material/físico e como é que isso afecta as relações entre local, identidade e comunidade?
21. Como é que a tecnologia está a ser usada para ligar as pessoas dispersas no espaço físico? 22. Como se efectua a gestão das impressões nas redes sociais locativas?
23. Até que ponto estão as tecnologias da comunicação e interacção mediadas a transformar as relações convencionais (situadas, face-a-face), e quais as consequências de tais transformações?
24. Porque/Como é que as pessoas optam entre os espaços físicos e virtual para a comunicação? 25. As redes mantidas face a face e em linha coincidem?
26. Em que medida é que a interacção no espaço virtual impacta e se derrama sobre o comportamento e as relações estabelecidas no mundo real e nos diversos planos da existência (familiar, profissional, lúdico…)?
27. Como é a definição de estatuto se processa dentro do geocaching?
28. O geocaching permite gerar e mobilizar formas de capital social, cultural etc.? Quais? Como? 29. O Geocaching configura uma forma de "individualismo em rede"? Qual a sua natureza como
associação? Os laços são discretos? Podemos dizer que constitui uma forma de bund?
30. Qual é a natureza dos recursos disponibilizados nas redes dos jogos locativos do ponto de vista do capital social? Que pontes torna possíveis?
7.1.3 HIPÓTESES
Em função da teoria revista, são nossas hipóteses:
• H.1 Os indivíduos adoptam os média locativos e apropriam-se do espaço de forma oportunista, baseados no seu interesse apercebido para os seus objectivos.
• H.2 As pessoas que usam SRS convergidos com tecnologias de georreferência reflectem mais sobre os processos de criação, vivência e imaginação do espaço.
• H.3 A tecnologia móvel locativa dá simultaneamente forma (constitui um engineered space) e é enformada/apropriada para usos inesperados.
• H.4 A incorporação da georreferência nos novos media estende, obsoletiza e reverte dadas características dos anteriores.
• H.5 A coexistência dos espaços virtuais intensifica a auto-monitorização ao mesmo tempo que potencia uma dinâmica do play/experimentação inédita em estádios posterior da vida.
• H.6 As tecnologias locativas admitem o reforço do sentido de lugar dos seus utilizadores sendo o prosumo dos locais apropriado como parte da luta simbólica pelo reconhecimento e pela distinção.