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As opções metodológicas norteadoras do trabalho levado a cabo na presente etapa pautam-se no tocante à escolha da população a estudar pela tipologia do estudo de caso crítico orientado por uma perspectiva eminentemente construtivista. A nível da recolha dos dados empregou-se uma estratégia de triangulação de fontes.

Trata-se de um “estudo de caso” (Ragin & Becker, 1992; Yin, 2009) na medida em se propõe levar a cabo uma investigação aprofundada de um fenómeno social contemporâneo seleccionando para tal um grupo ou comunidade de prática cujas características são dele tidas por paradigmáticas (Jupp, 2006, p. 20). De acordo com Berg (2009, p. 234), tais casos de estudo definem-se pela recolha sistemática de informação suficiente de modo a proporcionar uma compreensão e consciência dos fenómenos que decorrem no seio de um grupo, porquê e como estes ocorrem; quem entre os seus membros toma parte nas suas actividades e comportamentos e quais forças sociais os agregam.

Considera-se em acréscimo um “caso crítico” na medida em que se emprega uma técnica de amostragem deliberada em que, na impossibilidade de estudar a população em geral, se optou por incidir sobre uma população particular que permite reunir um máximo de informação sobre e potencialmente adiantar de forma mais directa o conhecimento das práticas sociais em torno do emprego das tecnologias de localização, permitindo alguma generalização lógica a partir dos dados recolhidos (Ritzer, 2007b, p. 4007).

Considera-se, mais ainda, tratar-se de um caso com um interesse “intrínseco”, mas também “instrumental” (Denzin & Lincoln, 2005, p. 445), na medida em que, por um lado, o geocaching constitui uma forma particular de aplicação lúdica das tecnologias da localização e, por outro, ele inclui mecanismos cuja compreensão torna passíveis de extensão a outras situações e casos análogos, constituindo de certa forma um pretexto secundário e um pano de fundo contra o qual os interesses e temas de pesquisa podem ser articulados, comparados, discutidos e empiricamente verificados.

A abordagem tem uma orientação que pode ser qualificada de construcionista ou, no foco da psicologia (Scott & Marshall, 2009, p. 689), mormente do desenvolvimento, construtivista (Given, 2008, pp. 116-119), na medida em que se presume que realidade empírica e conceitos teóricos são mutuamente constitutivos radicando o esforço no estabelecimento de pontes entre eles e em estreitar a distância entre a observação concreta e os significados abstractos. Contexto em que que a tarefa de elaborar um caso de estudo empírico emerge como tentativa de contribuição para verificar o discurso teórico; admitindo que que o “o mundo pode apenas ser conhecido através de descrições particulares, em termos dos discursos disponíveis” sem porém perder de vista que nem todos são necessariamente igualmente adequados (Sayer, 2000, p. 1), constituindo eles próprios círculos normativos que endossam determinadas crenças e regras, consoante a sugestão da veia temperada do realismo construcionista de Elder-Vass (2012a, 2012b)

Considera-se haver ainda uma orientação construcionista na medida em que a veia interpretativa se inspira numa linha de inquérito tanto da sociologia da tecnologia e dos estudos da adopção da inovação (Feenberg, 2010, p. 9; Pinch & Bijker, 1984) como da sociologia do espaço (Borgatta & Montgomery, 2000, p. 810) que admitem que tanto a primeira como o segundo mais do que factores determinantes são produtos sociais contingentes que retiram o seu significado de serem praticados e experiencialmente edificados.

Em consonância com a orientação do demais trabalho, presume-se que o conhecimento do mundo não é independente da imersão nele mas um processo activo em que a possibilidade da

“veracidade” se mede pela conformidade com a realidade objectiva e que “o conhecimento é viável apenas no sentido em que deve caber no mundo experiencial daquele que conhece” (Flick, 2009, p. 70). Uma vez que simultaneamente “toda a sociologia é um processo de desmistificação, de desvelo da ‘verdade’ por detrás do que é tomado por adquirido na existência social quotidiana” (Garnham, 2000, p. 151) e que a realidade a se chega é uma “realidade negociada”.

Como é sabido, um “estudo de caso” define-se menos por ser uma opção metodológica per si do que por ser uma escolha sobre aquilo que deve ser estudado, chamando a atenção para a possibilidade de segundo critérios definidos ser possível obter um conhecimento relevante para uma dada problemática teórica ou aplicada. No nosso caso, as dimensões críticas que levaram à sua escolha e permitem responder à questão de fundo “o que é que pode ser aprendido com o estudo do geocaching?” foram, no nosso entender, abundantemente explicitadas, inclusive em E.1, “Geocaching. O que é que isso importa?”, p.XLII e seg.s.

Num segundo passo, a opção pela forma de recolha e tratamento dos dados passíveis de descrever e compreender a dinâmica do caso vertente recaiu numa estratégia “múltipla” (Bryman, 2004b, p. 454; Silverman & Marvasti, 2008, p. 156) ou “mista” (Blaikie, 2000, p. 218) em que a triangulação de teorias acompanha a triangulação de dados (Denzin, 1978, p. 291), recolhidos de diversas proveniências, cada qual com os instrumentos tidos por mais adequados (e de que se dá conta nas partes subsequentes do presente capítulo, bem como nos anexos metodológicos, H e seguintes) uma vez que “a natureza intangível do meio internet significa que a aplicação directa das metodologias tradicionais é frequentemente difícil (…) e muitos dos arranjos sociais complexos que permitem as recentes oportunidades de pesquisas resistem aos métodos tradicionais” (Beddows, 2008), sendo necessário ajustar e combinar com alguma dose de criatividade o seu melhor compromisso.

Num estudo focado sobre os meios locativos e no seu possível impacto sobre o sentido do lugar e do espaço, a triangulação é ainda um procedimento especialmente congruente com a dinâmica do próprio sistema tecnológico, uma vez que se trata do método dilecto e primordial da geodesia, admitindo que o conhecimento de um ponto no espaço se pode obter com exactidão a partir da sua posição relativa a pelo menos outros dois pontos conhecidos, calculando a partir da separação dos respectivos ângulos o comprimento/distância dos lados do triângulo assim composto. No fundo, uma transmutação no discurso das ciências sociais da ideia de que se pode obter um conhecimento mais fiel sobre algo perspectivando- o de múltiplos pontos de vista.

Triangular significa assim tanto combinar diversos métodos qualitativos como combinar estes com os quantitativos. Não obstante, apesar dos dados recolhidos, em particular no questionário e no tratamento dos produtos virtuais, serem quantificados o paradigma dominante que subjaz à sua análise é qualitativo atendendo a que o propósito dominante não é encontrar relações entre variáveis pautando- se antes por uma visão indutiva e descritiva.

Confrontando retrospectivamente o trabalho consoante se apresenta ao longo das suas diversas partes constituintes, até chegarmos ao presente capítulo, com alguma da mais sólida literatura sobre metodologia qualitativa somos ainda levados a admitir não sem alguma inquietação que no seu conjunto

o nosso esforço surge igualmente enformado por uma “triangulação” das preocupações dos seus grandes paradigmas orientativo (veja-se ainda o Quadro 2.3, p.45).

Especificamente, entre outras, reconhece-se uma veia qualificável, à falta de melhor termo, sob a imagem cultural (Featherstone, 2007, p. 11) de “pós-moderna”, patente na preocupação em confrontar o discurso sobre o ciberespaço como inerentemente utópico bem como em tentar desmontar e criticar a “autoridade representacional do texto escrito” (Silverman & Marvasti, 2008, p. 17), por exemplo na forma como se tenta aferir criticamente o valor de teses tais o individualismo em rede e a cultura do remix mobilizando para tal conceitos do marxismo espacial, em consonância com a ideia de Lyotard para quem “não se pode julgar como paranóicos o realismo da auto-regulação sistemática e o círculo perfeitamente fechado dos factos e das interpretações, a não ser sob condição de se dispor ou de se pretender dispor de um observatório que por princípio escape à sua atracção” (Lyotard, 1989, p. 22). Esta propensão para concomitantemente percepcionar (todos) os fenómenos como representações de poder, expressa na cooptação de autores como Foucault e em certa medida Bourdieu, no tocante às teses sobre o “poder simbólico” deste último, bem como em certa atracção exercida pela possibilidade de uma “sociologia para além das sociedades” (apud Urry), pela possibilidade de uma renovação disciplinar que insinua a sua circunscrição démodé no modelo do estado-nação demo-liberal é inerentemente autobiográfica, resultando directamente da (de)formação prévia do autor e em certa medida constitui uma deriva inevitável na aproximação à óptica das relações “inter-nacionais” que constituem a sua formação base, enformando elas mesmas, nos exactos termos da sua formulação, de tal problema perante um mundo cujos fenómenos-chave a tecnologia de comunicação levou a percepcionar como composto de fluxos globais.

Em segundo lugar, e em particular no que anima a operacionalização levada a cabo nos capítulos subsequentes não é fácil identificar um paradigma exclusivo. Ela é naturalista na medida em que é frequentemente descritiva, até porque e sobretudo quando admite levantar elementos que ainda que individualmente sejam conhecidos, no conjunto e no contexto da prática da amostra, possam servir para ajudar a retratar aquilo que coexiste dentro de uma realidade nova. No entanto ela não se demite ainda assim de tentar procurar entender como as pessoas tentam fazer sentido das suas vidas, recolhendo ainda que com suporte de debilidade variável, algumas das preocupações de Turner (acima, p.79 e seg.s) quando à necessidade de identificar as necessidades transaccionais por aproximação ao que Silverman e Marvasti (2008, p. 15) definem como paradigma do “emocionalismo”, por exemplo na tentativa de equacionamento do geocacher como flâneur e da “deriva” que a actividade proporciona como emulação de tipos sociais que em Portugal se podem fazer equivaler ao “retornado” e ao “emigrante”.

O paradigma dominante na análise empreendida na presente etapa pode ser assim ser aproximadamente definido como eminentemente “naturalista temperado”, na medida em que crê que não há conhecimento que não deva ser suportado em factos mas também entende que melhor do que presumir relações causais da coexistência de certas variáveis pode ser assumir o risco do exercício de alguma “imaginação sociológica” (Fuller, 2006; Harvey, 2005b; Mills, 2000) na medida em que que frequentemente os processos subjacentes não são passíveis nem de observação nem tão pouco (pelo

menos de forma fácil) frequentemente de admissão directa, subsistindo como uma espécie de questão ensombrada na mente dos próprios alvos de inquérito. Um exemplo evidente de tal fenómeno, dentro da realidade específica do jogo lúdico de que nos ocuparemos, é a forma como a dimensão agonística, seja, competitiva, surge de alguma forma recalcada. Uma análise ponderada dos relatos dos participantes revela que boa fatia dos deles tende numa fase inicial a deixar-se por ela dominar, no entanto as menções tendem a surgir de forma suavizada ex post como espécie de “memória envergonhada” que quando é directamente confrontada se elude, relativiza e nega, mas não deixa porventura de ser um dos elementos determinantes da acção.

Por outro lado, a flexibilidade e a repartição espacial da actividade humana significam que “em virtude da pertença sobreposta a múltiplas entidades sociais, os seres humanos estão sujeitos a possivelmente conflituosas ou contraditórias influências de uma variedade de organizações e círculos de normas nos quais é esperado tomarem parte” (Elder-Vass, 2010, p. 202). A intersecção de esferas de vida, grupos de pertença e integração em organizações torna as entidades humanas substancialmente distintas das entidades naturais. Este problema é coincidentemente “o problema” a que o presente trabalho pretende em parte dirigir-se e, por conseguinte, subsiste uma inadequação de fundo – quase uma impossibilidade – em adoptar a perspectiva de um naturalismo estrito pois as variáveis em jogo, desmultiplicadas através da incorporação da localização na comunicação mediada, são demasiado extensas para de forma fácil e segura se poder chegar à identificação de mecanismos causais.

Em terceiro lugar, o interesse pelo poder implica o interesse pela ordem social e como tal tem uma colação, ainda que muito limitada e com carácter puramente sensibilizador, com a “etnometodologia” que como “estudo dos métodos usados pelas pessoas para construir a realidade na vida quotidiana“ ou “dos métodos de criação da ordem social” coloca a negociação desta no centro das suas preocupações e estabelece uma ponte para a fenomenologia, como processo dilecto do estudo do espaço121 e ângulo dominante do spatial turn nas ciências sociais e para o próprio interaccionismo

simbólico, uma vez que Mead (Turner, 1988, p. 32) e Goffman se situam entre os percursores da definição da situação. A aplicação da etnometodologia conhece de resto precedentes seja quanto ao

121 A esta mesma conclusão parecem notoriamente chegar Paul Dourish (Dourish, 2006; Dourish & Bell,

2011) e Scott Lash (2002, p. 156 e seg.s). O primeiro sugere no seu trabalho sobre o reposicionamento do estudo do lugar e do espaço uma deriva metodológica para o que qualifica de “tecnometodologia”, seja uma aproximação dos estudos da tecnologia às preocupações da etnometodologia. O segundo opera uma síntese entre Huizinga (cf. acima, p.131 e seg.s), Garfinkel e Lefebvre (cf., acima, p.16 e seg.s) de forma a advogar uma “fenomenologia

tecnológica” e a adopção de uma “fenomenologia empírica da comunicação” como perspectiva e método melhor

capacitados para responder às perguntas “que tipo de cultura é a cultura da informação?” e “em que sentido esta última constitui uma cultura tecnológica?”, associando-as à admissão de que os modernos espaços comunicativos deixaram de ser representacionais, animados por uma concepção utilitária da informação, segregando os homo

sapiens e faber (a razão da acção), para passarem a ser espaços lúdicos em que sujeitos, objectos culturais e

objectos reais passaram a coexistir sob um denominador comum; em que a reflexividade deixou de ser um processo de decisão visto como distanciado passando a incidir sobre a forma como o conhecimento se associa à acção; como conhecimento e prática coexistem enquanto experiência e não algo que surge acima dela. Em suma como, em contraste com uma cultura representacional em que “o sujeito está numa natureza diferente das coisas”, na cultura tecnológica o sujeito passa a ser visto como estando no mundo a par e passo com as coisas, comunicando-se, comunicando-as e interpelando outros num regime de competição festiva e aparentemente desinteressada, próprios da natureza do jogo e da simulação.

estudo dos média (Jalbert, 1999) seja do domínio do jogo/play (Tolmie & Rouncefield, 2013)122. Embora

as suas preocupações se apresentem em parte datadas e tendam a ser percepcionadas e à sua proposição de técnicas experimentais como o breaching (Garfinkel, 1967, p. 58) e a introdução deliberada de rupturas como provocação válida mas de que resultam poucos dividendos123, a porção delas que

concerne a linguagem como pura convenção e forma de negociação do significado revela-se a nosso ver relevante quando se lida fenómenos em que a prática discursiva é central na formação das impressões. De outro modo, está suficientemente estabelecida a inadequação da etnometodologia aos estudos da computação mediada por computador (McAuley, 2010), sendo notória resistência do próprio Garfinkel inclusive à mera possibilidade de a aplicar à análise da transcrição de textos, consoante aplicado pelo percursor da análise de conversação, Harvey Sacks. Na perspectiva etnometodológica a co-presença encorpada é um elemento essencial e a “etnometodologia virtual”, seja a aplicação de princípios etnometodológicos à computação mediada por computador é algo cujos frutos parecem inesperadamente reservado a ter um sucesso limitado ao desenho das interfaces, onde tem sido acolhida pela forma como salienta – muito agudamente, como se sugeriu – que o desenho das interfaces pelo programador não deve ter como propósito pré-digerir o mundo pelo e ao invés do utilizador

Uma pitada de preocupação “etnometodológica”, enfatizando o interesse pelas pessoas concretas nas suas circunstâncias e pela possibilidade de chegar a entender e conhecer algo da “socialidade” como performance e negociação da ordem é no entanto atraente como forma de tempero dos postulados mais radicais do construcionismo e do pós-modernismo para quem em última análise todo o significado seria problemático, relativo e impossível de inteligir exactamente que não para quem produz o acto, remetendo-se na melhor hipótese para a possibilidade de apreender arbitrariamente o “senso comum” como mínimo denominador. “É apenas nos limites do discurso académico que a possibilidade de questionar cada sentido e entendimento é uma actividade legitima e algo que apesar de tudo a vida quotidiana desmente, pois nos contextos actuais de interacção as pessoas não têm possibilidade de sistematicamente duvidar das palavras e das acções” (Francis & Hester, 2004, p. 5). Em suma, levada ao extremo, a deriva relativista revela-se de certa forma paralisante, suscita o risco “de cair numa espécie de empirismo radical que captaria apenas uma pulverização de identidades, de papéis, de comportamento, de acções e de reacções sem nenhuma espécie de ligação entre eles” (Lahire, 2002, p. 22), torna-se infrutífera e sobretudo surge demasiado focada na heterodoxia e na descontinuidade quando apesar de tudo a regra é a fluidez na forma como as pessoas logram interagir e relacionar-se. Mesmo que as nuances de linguagem subsistam e sejam inevitáveis ela não deixa de cumprir a sua função essencial, permitindo estruturar a interacção e a construção contextual de um significado partilhado a partir da performance de uma “gramática” de actividades em comum, como no caso do geocaching.

122 Sob a formulação irónica “etnometodologia na brincadeira” (play), Tolmie e Rouncefield (2013)

subvertem a aplicação inicial de Garfinkel (1986) que foi “etnometodologia no trabalho” e demonstram a valia desta no domínio lúdico e do lazer.

123 Para o cotejamento de Garfinkel com e aceitação mormente com reservas da etnometodologia por

Habermas, Bourdieu e Giddens bem como para uma excelente introdução geral a esta veja-se particularmente o primeiro capítulo de Lynch (1993).

A etnometodologia alerta-nos para que a linguagem e a vida social são mutuamente constitutivas e que a aprendizagem, inclusive a correspondente ao processo de inserção numa comunidade para- virtual é um processo interactivo explícito, mas também implícito, presente quando dois indivíduos entabulam um diálogo, mas igualmente presente quando apenas um deles cogita internamente ao elaborar uma dada actividade a solo. A vida interior é marcada pela interacção exterior, seja porque esta enforma as categorias da mente, seja porque a segunda permanece e é ponderada como horizonte referencial de aprovação ou reprovação do comportamento.

Sociologicamente, a perspectiva de acordo com a qual a sociedade é uma construção semiótica e que “os significados não fluem do objecto para o signo, mas antes no sentido inverso: os signos impõe significado aquilo que eles representam” (Francis & Hester, 2004, p. 11) é valiosa quando se lida com a discussão do carácter determinante da tecnologia, mormente locativa, miniaturizada e ubíqua e a possibilidade que esta tem de construir e dotar o lugar de significado, apresentando-se consistente com os trípticos de Lefebvre que descrevem como os indivíduos “são inscritos” pelas representações do espaço do seu tempo e subsequentemente estas condicionam a sua percepção e levam à sua “reinscrição” através da prática, das experiências e das interacções que mantêm; como eles reproduzem e produzem o espaço e como edificação simbólica e inscrição material acabam por ser quase sinónimas.

Concomitantemente, existe aqui um valor heurístico pois ao avaliarmos a forma como as práticas espaciais são impactadas pelas tecnologias da localização e da comunicação devemos recordar que estas recorrem à linguagem e que esta é ela própria por natureza situada (em que o “situada” deixou, na forma mediada, de ter uma colação presencial, reportando-se igualmente aos regimes de co-presença nas plataformas ou ambientes virtuais e às realidades “híbridas”, consoante descritas por Souza e Silva). Quando um geocacher ou um utilizador do TripAdvisor escreve sobre um dado local, a forma como essa e qualquer outra coisa é descrita varia em função das circunstâncias em que a descrição é feita. Ao usar a linguagem para levar a cabo certas tarefas (inclusive a “tarefa” de as descrever, pois por exemplo no geocaching logar – i.e., registar a visita e o found - é parte integral do jogo) os indivíduos escolhem- na/ponderam-na e às palavras que usam bem como porventura às fotos que colocam em função da situação com que estão a lidar e é esta que determina o significado que pretendem ver atribuído aos termos que empregam.

Assim, quando redige certo episódio relativo aos contornos da busca de uma geocache o geocacher situa-se num limbo entre o físico e o virtual que o leva balançar duas “situações”: a realidade como a viveu e a situação concreta de estar a escrever para um público que sabe o vai ler. A segunda filtra a primeira e o resultado pode facilmente ser um texto em que o trivial surge embelezado e engrandecido em ordem à reverência da gramática comum quanto ao que interessa e aquilo a que é atribuído valor.

Nas plataformas sociais locativas, os objectos (os lugares, os monumentos, as paisagens…) embora possam ser descritos de formas muito diversas, acabam assim por ser alvo de um trato comum pois a produção linguística encarrega-se de enfatizar aspectos análogos não tanto dos locais como das