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Onde a comunicação encontra o lugar Paradigmas, intersecções, implicações e complicações

Ver a árvore na floresta, que o mesmo é dizer entender a emergência dos meios pessoais de comunicação, móveis e massificados (Campbell & Park, 2008; Gumpert & Cathcart, 1986; Katz, 2008) no conspecto das preocupações e das grandes tradições das Ciências da Comunicação remete, segundo se viu, para um posicionamento em termos dos grandes paradigmas teóricos-epistemológicos por um lado e em termos da escala dos fenómenos, do outro, cruzando-os, para os nossos fins, prospectivamente, com as problemáticas particulares da computação mediada por computador e das tecnologias da localização segundo o prisma da teoria sociológica identificada como relevante e aplicável. Exercício de síntese a que respectivamente nos damos no Quadro 2.3 e no Quadro 2.4.

Quadro 2.3 - Cruzamento das grandes tradições teóricas dos estudos da comunicação com a problemática da comunicação mediada por computador, das tecnologias de localização e algumas preocupações sociológicas

Tradição Implicações da CMC em geral Implicações das tecnologias de

localização em particular Cibernét ica C o m u n icaç ão co m o p ro ce ss am en to da i n fo rm aç ão

Mediação como interposição.

Ruptura com o modelo difusionista/irradicionista (Mass Média como integradores verticais) mediante a possibilidade da interactividade entre indivíduos (estabelecimento de relações horizontais emancipadoras).

A “transparência” do meio ergue-se de uma questão de redução de ruído a uma da codificação do codificador (da constituição da subjectividade através de

mecanismos interactivos eles próprios alvo de codificação, mormente da orientação tácita da arquitectura e affordances das plataformas para a obtenção e mercantilização dos dados privados e a sugestão de dados tipos de conduta apoiando-o). Literacia Mediática como determinante da participação.

Ashby, leis da auto-organização das redes como homofilia (propensão dos sistemas a diminuírem a entropia, estabilizando e mantendo fronteiras).

Conjugação do GPS com as redes móveis incorpora a localização na comunicação, espacializa a informação e admite feedback in

loco.

As plataformas locativas como espaço híbrido (Sousa e Silva). Os meios locativos como ponto de entrada que fomenta a aquisição de competências de literacia digital (de processamento e produção de informação em tal forma).

So cio ps ico g ica C o m u n icaç ão co m o in ter ac çã o e in flu ên cia in ter p ess o ais

Breakwell, a identidade em linha como sujeita a processos intrapsíquicos e interpessoais tendo em vista a distinção, a continuidade, a auto-estima e a auto- eficácia.

A comunicação nas plataformas online como Personal

Branding (Marwick).

Bourdieu, formas de capital e reprodução social.

Habitus digital e expressão do sentido de gosto.

Veblen, consumo ostensivo. Os artefactos tecnológicos como alvo de consumo e exibição; a participação nos espaços virtuais como animada pela busca da

exclusividade.

A deslocação como marcador de

estatuto e expressão de distinção e a

motilidade como forma de capital (Kaufmann, Kellerman e

Kesselring).

Interaccionismo simbólico, a comunicação dos lugares no espaço virtual sujeita a processos de gestão entre front e back stages (Goffman). Erosão vs reforço do sentido de lugar (Meyrowitz).

Self espacial. O lugar como alvo

através do qual se comunica a identidade (Schwartz). So cio cult ura l C o m u n icaç ão co m o cr iaçã o e ac tiv aç ão da rea lid ad e so cial

R.Williams. A exposição/ transparência nas redes sociais como estrutura de sentimento do tempo. Boltanski/Fisher. O conexionismo como crítica cultural de um capitalismo que se renova.

Alexander. A tecnologia como nova forma do profano; a programação como sacerdócio.

Bourdieu. Prosumo digital como erosão da capacidade de definir a cultura legitima e da segmentação entre

haute culture e cultura popular.

Vivência social do espaço: as plataformas locativas como espaços representacionais (Lefebvre). Os lugares como espaços rituais de exorcização das crenças colectivas (Durkheim) e a acção no espaço mediático como sua projecção (Couldry).

O geocacher como consumidor omnívoro dos lugares.

Crít ica C o m u n icaç ão co m o d esaf io r ef lex iv o do d is cu rs o in ju sto /d esig u al

Marxismo Espacial. O informacionismo como spatial

fix (Harvey).

Relação entre capitalismo tardio e inovação

tecnológica (Mandel) e o pós-modernismo como sua forma cultural marcada pela comodificação,

desdiferenciação e consumo multinacional (Jameson). Perspectivas do Capitalismo Comunicativo (Dean) e do Hipercapitalismo (Graham).

TIC como hegemonia/ideologia/doxa (Gramsci/Thompson/Bourdieu).

A Tecnologia em geral como código técnico

(Feenberg, inspirado por Marcuse) e a de comunicação em particular como utopia e mito (Mosco).

O entretenimento em rede como forma de indústria cultural (Adorno) e a lógica de ludificação como emulação de e preparação para o ambiente de trabalho (Gabriel).

Geografia Crítica (espelho cartográfico, os mapas como objecto de manipulação, relativos e projectivos). Desigualdades no acesso e na produção de informação geoespacial. Geovigilância (Allmer). Ret ó rica C o m u n icaç ão co m o ar te de se d ir ig ir a um p ú b lico

A realidade social como construção narrativa (Narrative Turn, Fisher, Rose)

Os lugares como pretexto para contar estórias (Certeau) e as qualidades do espaço como lubrificante narrativo e fomento da socialidade.

Os produtos do jogo locativo como processo hermenêutico (Ricoeur). A comunicação dos lugares como parte das políticas públicas (e.g. marketing territorial). Semió tica C o m u n icaç ão co m o p ro ce ss o de p ar tilh a de s ig n if icad o atr av és de s ig n o s

O self repartido por múltiplos espaços como pedaços de informação (Wiley e Wittel).

Derrida: crítica da capacidade intercontextual do signo. A informação como “Cavalo de Tróia” pelo qual o distante condiciona a interpretação do presente; a redacção nas plataformas sociais como disseminação em que a escrita assume a face dupla da leitura.

O lugar como significado construído e motivo de atracção (MacCannell).

Economias de Signos e Espaço em que os estilos de vida emergem como forma de reflexividade estética (Lash).

F eno meno g ica C o m u n icaç ão co m o ex p er iên cia do p ró p ri o e d o s o u tr o s atr av és do d iálo g o

O Mundo vivido como construção individual pela experiência (Schütz e discípulos).

A mediação digital como veículo para a construção do senso daquilo que constitui a realidade social (Couldry & Hepp, 2016).

A adopção tecnológica como incorporação movida pela necessidade de transparência (Ihde).

Deslocação e sentido corpóreo. O movimento como constitutivo da identidade (Farman, Merleau-Ponty, Ingold)

Spatial Turn e Paradigma das

Mobilidades: o local constituído por fluxos de pessoas e objectos (Urry).

.

Nota: “Tradições” consoante enumeradas por West e Turner (2010, p. 227) e em Griffin (2012, p. 38 e seg.s).

Quadro 2.4 – Contextos de comunicação e implicações da computação mediada por computador e das tecnologias locativas

Contexto Implicações da CMC em geral Implicações das tecnologias de localização em particular Comunicação

Intrapessoal

Relação entre memória, auto-verificação e repositórios digitais (Van Dijck, Garde- Hansen).

Os ecrãs como “espelho” propiciador de um individualismo auto-afectivo.

Self reflexivo. O indivíduo emponderado que deve fazer escolhas biográficas (Giddens, Archer, Lash).

A ideologia da transparência como

manietação da subjectividade - intergilância (Jansson) e endocolonialismo (Virilio). Simmel: a interacção (wechselwirkung) como acto de criação social (externalização) e a experiência (erleben) como recepção dos efeitos sociais (internalização, integração da estrutura na personalidade).

Geottaging como associação das

memórias aos lugares.

O prosumo dos lugares como exercício autobiográfico.

A contemplação dos produtos nas plataformas locativas como processo intractivo de comparação e verificação da própria posição (Manovich).

Comunicação Interpessoal

Modelo Interpessoal (Walther). Foco de atenção comum, navegação

orientada.

A divulgação do lugar como pista

acrescida.

As plataformas locativas como instrumento de apoio em que na composição e comunicação dos itinerários de deslocação, as rotas surgem como exercício de conciliação com as raízes (Gilroy).

Comunicação em Pequenos Grupos

Silverstone: o lar como ponto focal de domesticação da tecnologia (implicações familiares).

Blau, Hemmerson: Teoria das Trocas nas Redes. Problemáticas do bonding versus

bridging, da homofilia versus heterofilia e da

necessidade de garantir a reciprocidade na forma de recompensa explicita ou implícita nas Comunidades de Prática.

A tecnologia locativa como

promovendo a deslocação e a abertura do lar ao exterior (Morley).

Efeitos na coordenação, práticas comunicativas em que o GPS surge como âncora.

Bünde (comunhões) e neotribalismo

(Maffesoli).

Comunicação Organizacional

Orlikowsky (tese da dualidade da tecnologia).

Aproveitamento da big data para a publicidade e o data mining

Comunicação Pública

A Internet como ágora e novo espaço público.

SIG e Webgeoespacial como instrumentos administrativos.

Comunicação de Massas

Sítios de redes sociais como emancipação do

hipodermismo, promovendo a comunicação

horizontal entre indivíduos (Poster, Holmes).

Plataformas de redes sociais locativas como pós-turismo que concilia os meios disponíveis no ambiente. Marketing territorial.

Comunicação Cultural

Cosmopolitismo emancipatório como valor da globalização versus despótico (anti- cosmopolitismo) como sua reacção (Beck).

Viagens virtual e imaginada

Realidade glocal versus grobal (Ritzer, Robertson, Hannerz, Appadurai), os

A Globalização como mélange, sincretismo e diversificação de culturas (Pieterse) versus como veículo de homogeneização e imperialismo cultural.

Remix como pastiche e mercantilização da

intimidade (Jameson)

Os gadgets como forma lúdica e kitsch (Baudrillard e Eco).

meios locativos como permitindo a inscrição do local no global e vice- versa.

Translocalidade e transsociabilidade. “Mediatização da comunitarização” (Hepp).

Sentidos extrovertido versus introvertido do lugar (Massey). Nota: Níveis de “contexto” baseados em Pearson (2008, p. 18 e seg.s) e em West e Turner (2010, p. 32).

Por gestão de espaço, contentar-nos-emos, por ora, em destacar um par de intersecções que se antecipam como mais significativas, relegando as demais para subsequente invocação ad hoc, ao longo do trabalho, e à medida que se revelem oportunas: a óptica eminentemente sociocultural do Espaço Mediático (Mediaspace) de Nick Couldry que, reportando-se à mútua conexão, dependência e constituição de comunicação, tecnologia e espaço, estabelece uma ponte entre a perspectiva ritual dos estudos da comunicação, a veia da tradição sociológica inaugurada por Durkheim e a sociologia bourdesiana, enunciando um programa de estudo em cinco pontos (p. 48 e seg.s); e finalmente a visão de Sousa e Silva relativamente aos média locativos como instituindo um forma de espaço híbrido, confluindo mais recentemente (Silva & Sheller, 2015) com a estirpe sociológica do paradigma das mobilidades na exploração das “possibilidades adjacentes” aqueles que as olham nas óptica das comunicações móveis e das tecnologias locativas (p. 54 e seg.s).

2.2.1 DO ESPAÇO MEDIÁTICO À MEDIATIZAÇÃO DA POSIÇÃO

A comunicação, consoante se sugeriu na abertura do capítulo, é exercício de influência e controlo, mas também, parte inextirpável de tal dinâmica, articulação entre geografia e cultura: processo social caracteristicamente situado, activo, rotineiro, pericial e hermenêutico, “no qual os indivíduos empregam símbolos para estabelecer e interpretar significados no seu ambiente” (West & Turner, 2010, p. 5). E em que, alterando as condições espaciais e temporais em que ela ocorre, “o uso dos média técnicos altera simultaneamente as condições espaciais e temporais” (Thompson, 1995, p. 22) sobre as quais os actores sociais exercem e sob as quais são exercidos pelo poder. Em que a comunicação é parte integrante dos processos de espacialização (Soja, 1989, p. 43 e seg.s) e os média dos principais veículos pelos quais determinadas noções de organização crono-espacial se disseminam na sociedade (Mosco, 2009, p. 157), mormente apoiando as estratégias de transformação do espaço mediante as quais o modo de produção capitalista assegura o seu permanente crescimento (Harvey, 1989), mais recentemente, instituindo o predomínio dos fluxos à escala global (Castells, 2010, p. 407 e seg.s).

Os meios de comunicação digitais, mormente móveis, instituem desta feita um terreno próprio, “campo social” (Bourdieu, 1991; Hesmondhalgh, 2006), “ecossistema” (Scolari, Aguado, & Feijóo, 2012) ou “ecologia” (Konijn, 2008, p. 16; Strate, 2004) face ao que, à semelhança de um disco de Petri, “um meio (média) pode ser definido como tecnologia no seio da qual uma cultura cresce; isto é, que molda as suas políticas, organização social e formas habituais de pensar” (Postman, 2000), inscritas na genética do seu código-técnico (Feenberg, 2002) como interesses e valores que, revestindo a capa de affordances, opções no design das interfaces e na redacção dos “termos de uso” (Silverman, 2015),

permitem formas de normatização, transformando gradualmente os hábitos e os níveis de adopção e aceitação de determinados comportamentos por parte dos seus utilizadores (Dijck, 2013, p. 19).

Eles constituem, por excelência, o campo social de produção, reprodução e luta simbólicas, instrumentos cujo poder equivale à capacidade de construção da realidade mediante o conformismo lógico, a aptidão de produsir uma concepção homogénea de espaço e tempo (condição da possibilidade de “pôr em comum”) em que, no conexionismo, “a cultura que une (intermediário da comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção)“ (Bourdieu, 2001, p. 11) ou, se se preferir, em que no “espírito” e na “cosmologia das redes” (Fisher, 2010, p. 183 e seg.s), cujo discurso institui uma forma de recurso simbólico, “a interacção social incorpora as características dinâmicas dos mercados no próprio fabrico tecnológico: a ordem escondida da ordem espontânea, a auto-regulação, e a mão invisível são garantidas pela própria operação da tecnologia” (idem, p. 213), instituindo o primado apolítico do indivíduo contingente, nodo redundante cuja afirmação e expressão são feitas ad hoc num regime de aparente caos, favorecendo a afinidade estilística e electiva e a opção pela identidade a expensas do enfraquecimento do valor do trabalho e do poder regulatório e redistributivo do estado.

Ambiente perante o qual, insiste ainda Bourdieu, “contra todas as formas de erro ‘interaccionista’, o qual consiste em reduzir as relações de força a relações de comunicação, não basta notar que estas são, de forma inseparável, sempre relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas relações”, sendo, sobretudo, necessário atender a que “é enquanto instrumentos estruturados e estruturantes da comunicação e do conhecimento que os ‘sistemas simbólicos’ cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação”, dissimulando/naturalizando as relações de força subjacentes.

Neste sentido, os média locativos, são potencialmente mais “políticos” (entendida latu sensu a “política” como disputa pela obtenção, manutenção e exercício da capacidade de influir) do que quaisquer outros. Colapsando a distinção entre as navegações espacial, semântica e social (Dourish, 2006), parte da tendência para generalização das “técnicas de controlo ambiental” (Virilio, 1993, p. 11), eles permitem sobrepor a ordem simbólica à ordem das coisas no espaço e assegurar a conformidade entre a cultura dominante e as práticas materiais através da inscrição do lugar no individuo e do individuo no (seu) lugar. Articulando as dimensões actual e virtual, contribuem para definir e estruturar contextos permitindo a reinscrição espacial da simultaneidade e a reassociação dos sentidos mediato (mediado) e imediato (instantâneo) aos locales. No seu pior, permitem a colonização das práticas espaciais, enquanto, no seu melhor, revertem o nexo de soltura do sentido da distância e reintroduzem a proximidade na comunicação, alterando e permitindo manipular os sentidos de pertença (Thompson, 1995, p. 31 e seg.s) e de posição.

Eles reificam e aprovisionam simultaneamente os actos de violência simbólica, fomentam nos indivíduos a conformidade com a lógica do cotejamento, do conhecimento permanentemente da sua posição em relação à dos outros (inserção dos respectivos status e localização nos feeds das plataformas sociais locativas) e da necessidade da exibição do consumo inextricavelmente material e conceptual,

dos bens, serviços, lugares e ideias que os acompanham e permitem mobilizar para alimentar e acrescer o seu sentido de distinção. Plasmam a vida social como economia posicional.

Assim, na relação entre comunicação e espaço, média e geografia, cultura e consumo, é tipicamente necessário articular os efeitos da integração vertical e horizontal dos média (Fuchs & Mosco, 2015, p. 10; Mosco, 2009, p. 158 e seg.s), os pólos grobal e glocal (Ritzer, 2004; 2011, p. 271; Robertson, 1995) e as formas pelas quais a informação circula e a cultura global permeia a local e vice- versa, mas também todos os processos e formas sociativas de permeio.

Neste particular, é possível encontrar esforços de enquadramento fino, designadamente as correspondentes ao trabalho de David Morley (2000, 2007, 2011a, 2011b, 2014), de Shaun Moores (2000, 2003, 2005, 2007, 2012) e de Nick Couldry, inclusive na sua colaboração com Anna McCarthy (Couldry, 2003a; Couldry & McCarthy, 2004).

Morley, cujo trabalho se destacou inicialmente no estudo das audiências televisivas, enformado pelo modelo de codificação/descodificação de Stuart Hall (Hall, 1973; Morley, 1992, p. 10; Williams, 2003, pp. 194-119)29 e subsequentemente com a colaboração com R. Silverstone e S. Livingstone no

desenvolvimento da perspectiva da domesticação da tecnologia, sob inspiração do trabalho de Bourdieu, notavelmente do seu estudo icónico da repartição do espaço na casa bérbere como expressão do habitus (Bourdieu, 1970; Morley, 1992, p. 312; 2014), desenvolveu ao longo dos anos uma perspectiva transdisciplinar e ecléctica q.b., convocando referências da Sociologia, da Geografia e dos ditos Estudos Culturais na compreensão da espacialidade dos fenómenos de Comunicação, de que é professor.

Fruto de quatro de décadas de labor na investigação e na edição, entre o seu diagnóstico do estado do campo, que, tal Sayer (2000, p. 121 e seg.s), lhe parece excessivamente marcado pela abstracção teórica, de Morley (2000, p. 228 e seg.s) gostaríamos de reter algumas notas de cautela. Primeiro, relativamente: ao excesso de ênfase no “hibridismo”, como espécie de passe-partout e chave- dicotómica universal politicamente correctos na interpretação da globalização (Pieterse, 1995, 2015) em que, nas práticas alegadamente transculturais, muitas vezes o exótico continua a ser mobilizado para colorir o enfado do consumidor ocidental e em que, aplicada aos lugares de consumo, físicos, tal um centro comercial, mas também virtuais, tal a plataforma de uma rede social, a “mistura” e a desdiferenciação tendem a funcionar como estratégia de marketing favorecendo a extensão da estadia - princípio do stay longer (Bryman, 2004a, p. 58). Segundo, denuncia uma perspectiva etnocêntrica, focada nas condições tecno-culturais especificas do Euro Mundo, vendo na sensibilidade da Antropologia um correctivo, tal os exemplos de Horst e Miller (2006), de Mary Douglas (Douglas & Isherwood, 2003), de Certeau (1984) e mais recentemente de Appadurai (1996) e de Tim Ingold (2000, 2011) - autores que, coincidentemente, optámos igualmente por mobilizar adiante. Terceiro, à semelhança das sugestões de Wertheim (1999) e de Alexander (abaixo, nota 85, p.108) no tocante ao ciberespaço e à tecnologia da informação, respectivamente, relativamente à tendência para romantizar a nomadologia, como eivada de resíduos e conotações com o pensamento religioso, “beatificando” a

29 Cuja insuficiência, mormente o excesso de determinação atribuído à “classe” social na recepção

mediática acaba por contribuir para desmistificar, num problema que Bourdieu em parte comunga. Cf. Lizardo (2011).

figura do andante tal o peregrino30. Quarto, em relação a uma certa visão incensando o cosmopolitismo

e a mobilidade que identifica com o predomínio da tradição semiótica, por um lado, e com influência do pensamento pós-colonial nos Estudos Culturais – de cujos “becos” e “rodas reinventadas” se mostra crítico (Morley, 2007, p. 15 e seg.s) - e com James Clifford (1997) e Homi Bhabha (1998), em especial, pelo outro.

Cooptando o reparo de que os últimos “estão ligados a casos históricos de mobilidade migratória e diaspórica porque vêm tais casos como instâncias empíricas do fluxo que entendem como essência ontológica da cultura”, nota que tal tende igualmente a conduzir à adopção de juízos implicitamente normativos. Mormente à ideia de que a exogamia (contacto e diversidade cultural) é melhor do que endogamia e o localismo, sonegando que “uma vez inserida na equação o factor poder, se pode dizer igualmente que o cosmopolita é simplesmente alguém empoderado para decidir quem é provinciano” (Morley, 2000, p. 231). Na linguagem de Bourdieu: que o cosmopolitismo é um valor parte dos interesses intelectuais dominantes, porque presume e integra activos da sua dotação de capital (mormente cultural e simbólico). Assim, conclui, o desafio é “evitar a romantização de qualquer ‘grande narrativa’ da nomadologia, fluidez e liquidez, desautorizando simultaneamente uma metafisica sedentarista que, sobrevalorizando o enraizamento, pode apenas entender a mobilidade como uma forma moral retrógrada de inautenticidade” (Morley, 2011b, p. 274).

À semelhança de Hesmondhalgh e Toynbee (2008, p. 12) e secundado por Moores (2012, p. 103 e seg.s), Morley (2011a, p. 230 e seg.s) argui por uma visão dos estudos mediáticos “materialista e descentrada dos média” qua média (Morley, 2009; Morley, Moores, & Krajina, 2014) em que, como Holmes (2005, p. 90), demonstra cepticismo relativamente ao advento de uma “segunda idade dos média" – que lhe parece um construto auto-justificativo derivado de uma visão forçada dos contornos da “primeira”– sugerindo que ao invés de presumir uma ruptura nos devemos concentrar na sua continuidade. E em que ao invés da “desterritorialização” (desmaterialização) e da irrelevância da geografia, derivada da “ingenuidade histórica” dos analistas e de um excesso de ênfase nos fluxos informativos, o interesse pelos fenómenos de “reterritorialização” (re-materialização) deve assumir primazia, em consonância notavelmente com a incorporação dos trabalho de Mattelart (1994, 1999, 2000, 2002b), de Edgerton (2006) e de Winston (1998), relativamente à história dos meios de comunicação e transporte,

Admitindo nexo na provocação de Latour (1993, p. 46) em como genuinamente “nunca fomos modernos” falar de “eras mediáticas” emerge como trabalho selectivo de purificação (Connor, 2004, p. 7; Ritzer & Smart, 2003, p. 319; Venn & Featherstone, 2006, p. 457) e oposição binária forçada (Lister, 2008, p. 326). A tecnologia acresce. A “nova” convive sempre com a “antiga” e as estratégias para lidar com as esferas “natural”, “técnica” e “social” da vida revezam de foco sem verdadeiramente alguma vez

30 Cf. Bauman (2003, p. 274); Turner (2009); Urry (2000, p. 29; 2002b, p. 160); Urry e Larsen (2011, p.

28), Morley (2000) e particularmente, como história e síntese da presença na teoria social das diversas variantes da figura do “errante“ melhor conseguida, o cap. 15 de Cresswell e Merriman (2011) e ainda a argumentação de Peters (1999a) relativamente à associação entre as figuras do andante e do cosmopolita na modernidade, emulando na mobilidade intelectual a deslocação física do peregrino, porém sem a carga dogmática da religião.

se suplantarem (Bell, 1978, p. 146 e seg.s). Outrossim, no plano corpóreo, as razões para a imobilidade (voluntárias e involuntárias) permanecem tão fortes como as para a mobilidade, bastando para o confirmar, no caso português, observar as estatísticas do INE relativamente à deslocação dos residentes (abaixo, p. XIV e seg.s) enquanto, no plano cultural, o anti-cosmopolitismo (Beck, 2005, p. 285 e seg.s; 2006) e o sentido introvertido do lugar (Massey, 1991) contrapõem-se permanente e epidermicamente ao cosmopolitismo extrovertido e ao multiculturalismo.