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Quando filiado na estirpe do comunitarismo norte-americano o “individualismo em rede” constitui um conceito sensibilizador a que os proponentes chegam através de anos de trabalho no âmbito da problemática da comunidade (Wellman, em particular, iniciou-se no seu estudo ainda durante a década de 1970) e da demonstração de como as tecnologias de comunicação não só não a eliminam como a potenciam na forma das “comunidades pessoais”, perfilando estas como uma espécie de síntese capaz de superar a presumível clivagem entre atomismo e grupismo, desintegração e integração social. Merece todavia uma inspecção mais próxima, tentando apurar os limites inerentes aos seus pressupostos, seja epistemológicos, seja enquanto projecto político60.

Em primeiro lugar, a formulação “comunidade pessoal” constitui um paradoxo e um contra- senso que aponta em dois sentidos contraditórios sem verdadeiramente os reconciliar61. Quando por

exemplo se escreve que as tecnologias de comunicação “facilitam o individualismo em rede como a base da comunidade. Porque as conexões são às pessoas e não aos locais” (Rheingold, 2012, p. 11) está-se a sonegar que as tecnologias locativas admitem que ambos os factores possam ter peso e que as comunicações se possam fazer entre pessoas sobrecientes dos locais. Ao mesmo tempo está-se a ser duplamente putativo: por um lado as conexões sempre foram às pessoas62 - não querendo sequer neste

60 O comunitarismo pode ser definido como uma filosofia social enfatizando a importância da comunidade

e dos valores comuns na ordem e estabilidade sociais (Etzioni, 1995) ou como conceito político que invoca uma variedade de debates teóricos que tentam focar a atenção nas tensões entre as liberdades e os direitos do indivíduo e as responsabilidades da cidadania. Delanty (2003) enumera assim quatro estirpes de comunitarismo: liberal, radical, cívico e governamental. Embora à partida “comunitarismo” e “comunidade” não sejam sinónimos o certo é que o pensamento social norte-americano tende a equivale-los nas variantes liberal e cívica do primeiro na medida em que o respectivo contrato social percepciona a cidadania como baseada num conceito do individuo enquanto membro da comunidade, em que o capital social se perfila como uma espécie de bem público tomado por adquirido e “natural” no contexto das obrigações morais contraídas por afinidade e dentro do qual contexto o problema da “reciprocidade” não parece, à partida, curial. Só se tornando como tal evidente quando perspectivado enquanto instrumento de classe e em contexto competitivo, como em Bourdieu.

61 Laborando dentro da moldura da sociologia de Norbert Elias, para uma apreciação crítica das diversas

concepções de “comunitarização” com que se tem tentado acomodar as formas sociativas em rede, veja-se o terceiro capítulo de Hepp (2013, p. 98 e seg.s).

instante complicar a equação admitindo que possa existir “socialidade com objectos” (Knorr-Cetina, 1997) ou que os artefactos materiais possam ter reconhecida alguma espécie de agência, ainda que sem intencionalidade, como na teoria actor-rede (Latour, 2005; Law & Hassard, 1999), embora possa definitivamente haver formas de interacção e compromisso emocional -, por outro as ligações continuam sempre a efectuar-se em locais mesmo quando estes se desmaterializam e são espaços de comunicação virtuais ou, no mínimo, na comunicação um-a-um, ferramentas tecnológicas que igualmente conhecem limites formais.

Do mesmo modo, proclamar que no individualismo em rede “a pessoa, ao invés do lar ou grupo, é a unidade primária de conectividade” (idem) revela que mais do que uma forma de socialidade este constitui um modo de comunicação e uma estratégia de recuperação e organização da informação.

Conforme Kolb faz notar (supra) presumir que a conectividade (uma qualidade eminente da tecnologia) é directamente transponível em “conectividade social” e que a simples “acessibilidade” gera compromisso (ou tão pouco, predisposição para ele, além e aquém dos perfis e das personalidades de cada um) é simplista. Bourdieu (adiante) explica como o “capital social” é um de um conjunto de capitais (incluindo o simbólico, o cultural e o económico) mutuamente exponenciados e como juntos encontram, no plano da comunicação, um palco de luta e violência simbólicas; um jogo pelo domínio determinado pela sustentação da diferença e da posição social de cada actor em que como regra não há “refeições de borla”.

De facto, cotejado como os traços comumente atribuídos ao que constitui uma comunidade, a tese do “individualismo em rede” enfatiza e pretende ver superado um dos lados da equação (a comunidade como partilha de um espaço físico, formulada como “conexões às pessoas nos locais”) desvalorizando implicitamente a relevância dos outros (mormente o processo de gestão da escassez dos recursos que conferem aos participantes desigual autoridade e pressupõem formas tácitas de submissão, mas também de ressentimento, sobre os quais nada se diz).

Da mesma forma, excepção feita às figuras públicas (em cujo caso falamos de comunidades de fãs) e porventura a alguns, poucos, indivíduos excepcionalmente carismáticos, ninguém define o seu posicionamento no espaço público pela condição de ser amigo de a ou b, nem essa condição arvora necessidades transaccionais específicas o suficiente para uma interacção continuada. A comunicação pessoa-a-pessoa é eminentemente contingente.

Ainda que se admita que numa “comunidade pessoal” o fermento possa ser a estima devotada ao individuo no seu centro, num ambiente eminentemente anónimo, como quando o indivíduo ingressa num dado grupo de discussão apenas porque é atraído pelo tópico ou quando decide cooptar alguém para o seu círculo de “amizades” no Facebook apenas na base de terem determinado grau de separação (e aqui “separação” é a palavra-chave”), seja por identificar essa pessoa como tendo x amigos em comum, seja por ser uma figura de quem teve conhecimento puramente nominal (porque é uma figura pública, porque identifica nela dados interesses), resta explicar como uma relação bem-sucedida (leia-

as ligações eram feitas casa a casa assemelha-se a um silogismo que deriva o modelo das qualidades da tecnologia (mormente da telefonia fixa) e não das necessidades humanas que impelem as deslocações e em muitos casos continuam a torná-las necessárias.

se, passível de ser activada e tornada útil para os próprios fins) se pode formar numa óptica puramente utilitária. Turner, recorde-se, enfatiza a “troca” como necessidade transaccional associada a um “lucro/benefício”

Na óptica de Granovetter quanto à “força dos laços fracos” poder-se-ia tentar explicá-lo pela condição de um panorama social feito de sucessivos círculos concêntricos, constituídos pelo indivíduos e pelas suas comunidades de relações, em que, mesmo que a comunicação entre dois pontos/indivíduos falhe é sempre possível reactivá-la/chegar a ela recorrendo a um terceiro em comum. Porém, nas redes sociais contemporâneas, em que o endosso é feito mecanicamente pelas plataformas que sustêm a própria rede, o problema surge a montante: é o da própria passibilidade de chegar a haver “activação”, pois a associação tende a estender-se quantitativamente a um ponto em que esta sendo “declarativa” não é necessariamente “significativa”.

No nosso entendimento, o individualismo em rede negligencia a complexidade dos mecanismos de reciprocidade e de gratificação, relegando a sua discussão para o domínio do idealismo ingénuo mediante a edificação de uma ética de “fazer o bem sem olhar a quem” que não é mais do que uma meta normativa e uma declinação propositiva e não explicativa do velho mantra “make love not war” ou “the love you take is equal to the love you make”63 que, na década de 60, decalcavam as leis do Karma e o

interesse de George Harrison pela fé Krishna – transmutados naquilo a que Rainie e Wellman (2012, p. 263) chamam “a Regra de Ouro: invista nas relações existentes para que a ajuda esteja lá quando necessária”, e que por seu turno leva Rheingold (2012, p. 216) a admitir que o funcionamento do capital social em rede pode ser visto como “o valor empiricamente validado de pagar adiantado: fazendo favores a estranhos numa rede sem antecipação de reciprocidade directa” (negrito nosso).

Nesta medida, o “individualismo em rede”, na estirpe de Rainie e de Rheingold, ignora a “dupla verdade” da hipocrisia auto-consentida da dádiva, “possível devido à repressão de que emerge estar inscrita como illusio (ofuscada pelo lapso de tempo) na fundação da economia dos bens simbólicos” (Bourdieu, 2000, pp. 191-192), mantendo subconscientemente em fundo, como referente, a ideia da comunidade como ‘grupo de afectos’. “Enredando os corações ao mesmo tempo que as mentes” é expressão escolhida por Rheingold (2012, p. 162) para definir a constituição das comunidades virtuais -, não querendo porventura ver, como Bauman (NPEC, 2011) enfatiza, que o que caracteriza e torna apelativa a comunicação e a aparente sociabilidade em rede é a facilidade em ligar-desligar a participação na mesma; a facilidade em não se deixar absorver e se necessário de lhe virar sem rebuço a cara.

É ao mesmo tempo um conceito focado na ideia da autonomia individual que tendencialmente negligencia “as economias relacionais de compromissos e obrigações (…) que ligam as pessoas às suas redes” (Larsen, Urry, & Axhausen, 2006, p. 11) e o facto destas para se manterem precisarem de ser permanentemente praticadas e activadas para se tornarem em significativas e duráveis.

Assim. Quando como prelúdio à apresentação de um conjunto de orientações para se possa ser

63 De outra forma, efectivamente, uma tradução no pensamento demo-liberal norte-americano do livre

cambismo como preceito moral e ”derivação rigorosa do ‘ama o teu próximo como a ti mesmo’”, apud Unamuno (Maltez, 1991, p. 188).

bem-sucedido como “indivíduo em rede”, Rainie e Wellman (2012, p. 256) apresentam como protótipo do sucesso, o relato da experiência concreta de uma mulher, Linda Evans, que tendo-se divorciado com vinte e poucos anos foi subsequentemente compelida a reconstruir a sua vida, incorporando no processo o uso das TIC; rapidamente se tornam evidentes duas coisas: em primeiro lugar que os meios de comunicação coincidentemente empregues são colaterais, consequência de e perfeitamente secundários às opções e aos contactos que ela prosseguiu face-a-face (às comunidades de proximidade em que se envolveu) e em segundo lugar que o exemplo é extraordinariamente atípico e não necessariamente extrapolável, pois estamos a falar de uma jovem que prosseguiu estudos em educação e tecnologia instrucional e que mantinha um vivido interesse pessoal pela Internet.

Quando finalmente definem as suas “regras” de acção os autores escrevem coisas como “use as TIC de forma entusiástica e ágil”, “desenvolva novos laços significativos e esteja especialmente atento para lograr integrar-se em novos círculos sociais que sirvam os seus propósitos”, “actue transitivamente, procurando pessoas para além dos seus amigos que lhe possam proporcionar acesso a novos mundos”, “actue como agente autónomo para cultivar as suas redes pessoais”, “monitorize e gira a sua reputação – a sua marca pessoal”, “gira bem o tempo, fazendo multitasking de forma estratégica” e assim sucessivamente, sonegando que nada no exemplo dado imediatamente antes indicia que as comunicações em rede podem ser causa de algo e não mera consequência.

Mais, parecem não se dar conta de que o modus operandi que propõem é um acomodamento, Bourdieu diria uma doxa, algo assumido como natural sem que se questionem as suas causas (e, portanto, uma reprodução acrítica das relações de domínio)64. Em que, para Zygmunt Bauman, por seu

turno, dentro da sua predilecção pelo “líquido” que contrariamente ao sólido não mantém a sua forma, como metáfora descritiva para a impossibilidade de manter um projecto uniforme para vida, “as condições económicas e sociais precárias treinam os homens e as mulheres (ou fazem-nos aprender da maneira mais dura) para ver o mundo com um contentor cheio de objectos descartáveis, objectos para usar apenas uma vez (…) incluindo os seres humanos… Por outras palavras, os laços e as relações tendem a ser vistas e tratados como coisas para consumir, e não produzidas” (Bauman, 2000, pp. 162- 163).

O “individualismo em rede” pode ser uma forma de articular co-presenças engendrando formas de socialidade na ausência, mas a “comunidade pessoal” não dispensa nem se pode fazer sem as demais “comunidades” nem as relações em rede são sustentáveis para o indivíduo se não chegarem a formar (pelo menos alguns) “grupos”. É necessário admitir que, no mínimo, o individualismo se faz acompanhar de uma paralela tendência para o “colectivismo em rede” (Baym, 2010, p. 91), o processo pelos quais grupos de pessoas unidas por dados interesses criam um sentido de entidade distribuído por múltiplas plataformas. Exemplos como o uso das tecnologias da localização na forma do geocaching (em que efectivamente a rede potencia a comunicação com perfeitos desconhecidos, porém “nos locais”, ao arrepio do modelo de Wellman), que retornaremos no capítulo 7 e seguintes, revelam como as

64 Partilhando da mesma opinião e diagnosticando explicitamente como “ideológica” a concepção de

comunidades de interesse se desmultiplicam em diversos espaços com tanto mais sucesso quanto mais forte for o sentido de partilha, não de pura “informação”, nem de “pancadinhas nas costas” virtuais, mas quanto a actividade é acompanhada de efectiva “experiência” e envolvimento corpóreo.

Se por definição “um sítio de uma rede social é uma plataforma de comunicação em rede em que os participantes: 1) têm perfis únicos que os identificam consistindo em conteúdo fornecido por eles, por outros utilizador ou pelo sistema; 2) podem articular publicamente conexões que podem ser vistas e acedidas por outros e 3) podem consumir, produzir e ou interagir com fluxos de conteúdo gerado pelo utilizador fornecidos através das suas conexões no sítio” (Ellison, 2013), há que dar crédito às críticas da metodologia da análise de redes, percepcionando os indivíduos como nodos em torno dos quais surgiriam comunidades distribuídas, como não tendo devidamente presente que o facto de a morfologia delas tornar a comunicação independente de nós particulares tanto pode constituir um atalho como um beco, e por outro que a participação nas redes não constitui a única fonte de agência e, designadamente, que cooperação e interacção não constituem apesar de tudo a única base da vida humana e das relações sociais. Conflito e intracção são processos com igual peso.

Acresce que o individualismo em rede, conforme apresentado por Rainie e Wellman, enferma por ser uma forma eminentemente descritiva a que se admite chegar deterministicamente por uma tripla revolução – “The Triple Revolution (…) has given rise to far-reaching consequences” (Rainie & Wellman, 2012, p. 276) e ainda “this transition was driven by revolutionary developments in both transportation and communication” (Wellman, 2002) - cuja génese e motivos são tomados por evidentes como “ affordances sociais da tecnologia” sem ter em conta as lições da história da inovação tecnológica e mormente tanto as da teoria da construção social da tecnologia como da tradição crítica do marxismo espacial e de Harvey em particular, os quais salientam a inadequabilidade de tomar quaisquer transformações tecnológicas por adquiridas e explicam como, regra geral, estas constituem formas de compressão espácio-temporal convenientes, quando não determinadas e coniventes, para e pela superestrutura económica.

Nos seus proponentes, já se viu, é frequente encontrar evidências da argumentação na sua realidade imediata. Rheingold, em particular, hiperabunda na ilustração do seu raciocínio com exemplos da sua vida pessoal, o mesmo se pode encontrar em figura tais S. Turkle e N. Baym.

Que Rheingold, por exemplo, veja uma demonstração do potencial do capital social em rede no facto de, tendo recentemente criado um blogue em que dava conta de ter cancro, ter em função surgido das brumas da memória um indivíduo que tinha tido tinha problema semelhante e a quem ele tinha apoiado numa campanha há 20 anos numa BBS ou que Baym relate como encontrou uma alma gémea da Eslováquia com quem mantém uma relação muito fraternal, não nos podem impedir de ver num caso que criar um blogue para falar no assunto não é prática comum entre as dezenas ou centenas de milhares de indivíduos que só em Portugal sofrem anualmente da mesma doença, nem que, no país do interlocutor, no segundo caso, a maioria da população, não falando inglês nativamente, não tenha facilidade suficiente para poder manter conversações aprofundadas e fazer amizades cosmopolitas.

prescritiva para a extensão no plano pessoal daquilo que Castells identifica como branding, no entanto esta é uma realidade que faz mais sentido para indivíduos com elevada literacia mediática, cujo labor profissional envolve precisamente o ensino e a investigação das tecnologias de comunicação do que propriamente para a generalidade da população.

Nesta medida, o “individualismo em rede” esvazia e confunde ainda mais o conceito de comunidade. A ideia das “comunidades pessoais” é uma figura que pouco faz para aclarar, na própria formulação dos autores (supra) “o problema de como a estrutura alargada dos sistemas sociais afecta a composição, estrutura e conteúdos dos laços interpessoais”, a menos que se pretenda tornar “sistemas sociais” e “tecnologias da comunicação” sinónimos.

É uma óptica insuficiente que precisa do tipo de tempero que, entre muitos outros, Urry e Larsen e sobretudo Bourdieu e Boltanski lhe conferem: perspectivando-o no contexto mais alargado da organização económica e das mudanças culturais que esta engendra e notavelmente no plano do consumo e das múltiplas mobilidades envolvidas.

4.3.1 UMA FLEXÃO IMPROVÁVEL:INDIVIDUALIDADE E PLATAFORMAS LOCATIVAS

Ultima ratio a conceptualização do “individualismo em rede” constitui mais uma oitava numa linhagem da teoria social de estirpe eminentemente iluminista e utilitarista para quem os seres humanos são uma massa homogénea na medida da sua comum capacidade racional em agir independentemente e os respectivos projectos de vida entendidos como gerados segundo um protótipo de desenvolvimento que vê a meta da realização pessoal à imagem da extensão da desregulação dos mercados, da liberdade económica e da consagração dos direitos à liberdade de pensamento e expressão. Cuja coroa de legitimidade é a obrigação do governo da coisa pública em garantir condições de igualdade (em particular o acesso à educação) para que a personalidade de cada um floresça e bem assim nas condições de acesso ao mercado de trabalho, mediante a contratação por concurso e alegado mérito. A partir daí a desigualdade, mormente de rendimentos, a afluência ou a pobreza de cada um é validada como motivo de resignação e questão de mérito ou falta dele65.

À sua margem, não obstante, subsiste um problema bastante mais grado, interessante e porventura determinante da conduta o qual não é como Wellman o formula (como “prosperar nas redes?”, seja, como retirar partido delas) mas antes como manter a individualidade nas redes (seja, como se diferenciar nelas)? A segunda pergunta é sociologicamente, do ponto de vista da reflexividade e da condição do indivíduo que se pensa a si próprio, a mais determinante, porque a individualidade, tal como o sentido de comunidade, regional, nacional ou outra, presume a demarcação de uma fronteira entre o “eu”, o “nós” e os “outros” erigida em função da presunção de uma diferença.

Assim, no quotidiano das redes sociais, o self semiótico (Wiley, 1994) está menos preocupado em prosseguir um raciocínio de utilidade (perguntando-se por hipótese: como é que eu vou mobilizar a rede para desempenhar melhor o meu trabalho?) como um de demarcação da sua difference

65 Na formulação de Eagleton (1993, p. 23) em que “o sujeito burguês (…) deve assumir a carga do seu

(perguntando-se por hipótese: como é que eu vou demonstrar na rede que o meu modus vivendi é “satisfatório e sustentado?”, para usar a expressão de M. Archer).

Por conseguinte, do nosso ponto de vista, a questão eminentemente suscitada pela apropriação das redes não é o individualismo, seja distópico (como atomismo e neutralização da consciência social) seja utópico (a edificação de comunidades de capital social centradas no indivíduo) mas antes o vasto espectro de possibilidades que elas abrem para a afirmação. Janelas de oportunidade para a confirmação e o protagonismo.

A individualität como reacção romântica empreendida pelo indivíduo pós-iluminado que, liberto das grilhetas da religião, tendo adquirido liberdade de culto, do sangue, com a revolução francesa a extirpar largamente o feudalismo e o direito pelo nascimento, e das corporações medievais que conferiam estatuto pelo ofício, reclama como corolário a diferenciação dos outros indivíduos é de resto uma problemática já identificada como central por Simmel (Izenberg, 1992, p. 4; Phillips, 1990), levando-o a abrir a “Metrópole e a Vida Mental“ com a asserção em como “os mais profundos problemas da vida moderna derivam da tentativa do indivíduo em manter a independência e a individualidade da sua existência contra os poderes soberanos da sociedade, contra o peso da herança histórica e a cultura externa e técnica de vida” (Simmel, 1971, p. 324) e a definir o ser humano como entidade discriminadora (unterschiedswesen) e sujeita a conflitos em que “para todos os efeitos práticos, aquilo que define a nossa posição no mundo, toda a utilização dos outros seres humanos, repousa na distinção entre um