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Tendo equacionado o lugar do lazer e da ocupação dos tempos-livres em geral importa aprofundá-los no quadro particular do seu encontro com a mobilidade e os jogos, reconhecendo que a correspondência destes últimos com a “ideologia do lazer” (Baudrillard, 1998, p. 155; Dann & Parrinello, 2009, p. 13; Rojek, 2010, p. 48) e a crescente ludificação da vida social em geral foram particularmente exponenciadas pelo aproveitamento das tecnologias móveis, não por acaso, mas como corolário concordante.

Esta demonstração está claramente mapeada e faz-se através de uma aproximação em sucessivos patamares gradativos, triangulando “jogos”, “tecnologias”, “espacialidade” e “identidade”. Em primeiro lugar reconhecendo que o “jogo” é um prática cultural e civilizacional que não se esgota no “divertimento” e cumpre uma função social mais alargada, tal é notavelmente a asserção do homo ludens em Huizinga (2000), originalmente avançada na década de trinta do século e subsequentemente ampliada por Caillois (2001); em segundo lugar reconhecendo que com o advento da computação móvel a sua deriva para o jogo é sociologicamente coerente na medida em que a dissolução da distinção entre tempo de trabalho e tempo de lazer se faz acompanhar da ubiquidade simultânea da ludicidade e da tecnologia, passando-se, na asserção de Ortoleva (2012), à condição aprofundada do homo ludicus (“que tende a jogar em todo o lado e em muito distintos momentos da vida”); e em terceiro lugar que comungando jogo e tecnologia em rede ainda a característica de serem processos metacomunicativos (Bateson, 1955) os seus impactos na deslocação e na constituição da identidade são igualmente consistentes na medida em que se permite uma construção narrativa do self, notavelmente através de e a propósito dos lugares (Silva & Hjorth, 2009), levando Frissen (2015) a uma reavaliação contemporânea do encontro entre identidade, média, jogo e internet móvel através do que designa como “Homo Ludens 2.0.” enquanto Schwartz e Halegoua (2014) o formulam sugerindo o advento de um self espacial como produto de uma construção da identidade baseada na performance nos meios sociais locativos, enquanto Kjølsrød (2003), por seu turno, cruzando Goffman com o tipo do aventureiro em Simmel (1971, p. 187), é levado a explicar como o jogo em geral, através da adopção da “mediação metafórica do Self”, transferindo-o para o que é jogado e coleccionado/articulado dentro dele permite construir a identidade como estória, passível de ser sucessivamente narrada/recontada com a vantagem

– o “truque narrativo” – da colação a dados feitos tangíveis, como forma de reforço.

6.2.1 SOBRE A POLISSEMIA DE “PLAY”

Para que discussão se torne subsequentemente mais clara importa, no entanto, fazer desde já duas importantes clarificações de modo a afastar a possibilidade de aparente mistura de “alhos com bugalhos”. Assim, em primeiro lugar, deve-se salientar que a invocação da literatura anglo-saxónica levanta uma dificuldade relativamente ao domínio daquilo que o verbo play compreende110. O vocábulo

inglês é polissémico e encerra um conjunto de distintos significados que a língua portuguesa decompõe, designadamente como "jogar", "brincar" e "representar". Nesta medida a palavra “play” permite ela própria alguma “brincadeira” na medida em que colude diversão, experimentação e simulação, três processos à partida sociologicamente distintos111: o escape através do lazer e do “jogo” em sentido estrito

(seja individual, como nalguns jogos de cartas tipo “paciência” seja colaborativo, como por exemplo no caso do “futebol”), a socialização através da brincadeira, como a empreendida pelas crianças que no decurso da infância experimentam diversos papéis como preparação para a vida adulta e finalmente o domínio social dos encontros e da sociabilidade, feita de regras, simplificações e confronto de “fachadas”, em que na tradição dramatúrgica os indivíduos se perspectivam no quotidiano como “actores” representando dados papéis.

Muito do que se tem escrito sobre a omnipresença do “play”/jogo e da “ludificação” nas sociedades contemporâneas admite que estes três processos são um contínuo inextirpável e que os indivíduos não só “jogam” mais como ocupação do tempo como adoptam lógicas de experimentação e “brincadeira” anteriormente exclusivas da infância e adolescência, como finalmente, através das redes sociais e da comunicação em rede, encontram renovados instrumentos para compor as suas fachadas.

Em segundo lugar, conjugar “mobilidade” com “jogo” e com “tecnologia” não remete nem se esgota forçosamente no uso específico das plataformas de jogos móveis locativos. É uma realidade que lhes é anterior e à própria incorporação da internet móvel nos dispositivos computacionais, traduzindo uma tendência desde logo patente nos seus predecessores, os telemóveis ditos de primeira geração, os quais se fizeram acompanhar de aplicações como o célebre snake da Nokia ou mesmo antes disso os walkmans e as primeiras consolas portáteis que já eram formas de jogos e diversão móveis, da mesma forma que por exemplo o Média rádio, presente nos automóveis, tipicamente explorava e ainda explora

110 Neste mesmo sentido, sobre “A Ambiguidade de Play”, veja-se Sutton-Smith (1997), o qual, em

acréscimo, tipifica a subsistência do tema na teoria social em função de sete tradições retóricas, associando-o, respectivamente: ao progresso, ao destino, ao poder, à formação da identidade, à constituição de um imaginário, do self e à frivolidade.

111 Um quarto significado é ainda dado pela expressão “to play an instrument” (literalmente, tocar um

instrumento). Neste, play equivale a execução, a performance prazenteira, podendo de algum modo sintetizar os demais admitindo que os indivíduos se “interpretam” (tal uma partitura) a si próprios e no processo se afinam, tal uma orquestra, face aos demais - cf. o conceito de afinação em Coyne, acima, p. 83. De um ponto de vista puramente etimológico, note-se ainda como curiosidade que de facto o termo inglês deriva da forma latina plaga. A qual tem originalmente como significado “golpe, pancada, ferida”, mas também “prejuízo e desgraça”. Enquanto o inglês reteve o primeiro sentido, associado positivamente à acção disferida sobre as cordas por exemplo de uma viola, as línguas latinas retiveram sobretudo o segundo na forma de “praga” e calamidade. - cf. McLean e Hurd (2012, p. 26)

o “jogo” na forma de passatempos com ouvintes, frequentemente em deslocação. 6.2.2 COORDENADAS TEÓRICAS DO “JOGO”.DO HOMO LUDENS AO HOMO LUDICUS

Antes que a sua recuperação se torne possível, torna-se igualmente necessário definir brevemente algumas coordenadas da discussão do “jogo” na teoria social. Assim, na sua obra, subintitulada “Estudo do elemento jogo na cultura”, Huizinga (1949, 2000) perfila a propensão para o uso do jogo como traço da condição humana – marcada pelo homo ludens, homem jogador - em oposição sucessivamente à sua condição como ser pensante, o homem sapiens, que identifica com uma excessiva ênfase na racionalidade, tipicamente iluminista, como marca do primeiro alvor da modernidade e ao homo faber, homem fazedor, como condição intermédia, correspondente ao reconhecimento durante o século XIX de algum excessivo optimismo antropológico112.

O valor do “jogo” é emotivo e pré-reflexivo, anterior à cultura na exacta medida em que os próprios animais o praticam (pense-se no comportamento “brincalhão” das crias de virtualmente qualquer mamífero) e é ao mesmo tempo o instrumento constituidor da civilização, produzindo muitas das formas da vida social (atente-se por exemplo ao legado material do império romano, cujos resquícios legados à posterioridade constituem eminentemente locais de ludicidade, desde os complexos termais aos anfiteatros, hipódromos e coliseus).

Pensar a cultura como jogo pode ser também relevante na medida em que constitua uma alternativa – ou pelo menos um complemento - ao puro materialismo histórico na exacta medida em que é admitir que nem toda a acção humana é orientada pela satisfação das necessidades, que existe uma função contingente significativa “em jogo no jogo” que transcende e permite atribuir significado à acção para além do interesse estrito113, uma função de sanidade necessária à própria psique - de algum modo

112 Para uma avaliação crítica da problemática do “homo faber” versus o “homo ludens”, correspondente

à discussão de como trabalho e lazer se relacionam no pensamento social das últimas décadas veja-se o excelente capítulo final de Rojek (1995, p. 175 e seg.s), em que, no essencial, se constata que a ênfase no primeiro subsistiu ao esforço a contrario sensu de Huizinga e continua presente na forma como o trabalho é percepcionado como “acção racional” fundamental, mais bem capacitada para preencher as necessidades individuais e sociais de produção, reprodução, comunicação e autoridade política, por referência ao que o “lazer” e o jogo se constituem como fenómenos marginais, relativamente “elásticos” e passíveis de ajuste conjuntural, logo alvo de menor atenção. Sayers (1987, 2005), notavelmente, posiciona o trabalho como “necessidade” humana inalienável, defendendo que é através dele que o indivíduo se realiza. Na asserção centrada no homo faber a separação entre trabalho e tempo-livre só faz sentido na medida em que o segundo sirva o primeiro, constituindo um afastamento do ideal que seria englobar o lazer dentro do labor, de certa forma por analogia com as preocupações e prática de pensadores germinais como Herbert Spencer e Frédéric Le Play (cuja concepção fabril contemplava a integração de infra-estruturas de apoio e lazer associadas ao perímetro do próprio complexo produtivo), com um certo modelo de corporativismo (vigente em Portugal, por exemplo, a dada altura, no complexo CUF, no Barreiro), com a cultura organizacional das corporações japonesas ou ainda no extremo do stakhanovismo e na glorificação soviética do trabalho. Huizinga, por contraste, veio advogar o primado estrutural do lazer sobre o trabalho e da emoção sobre o império da organização racional.

113 Haverá no entanto sempre quem se sinta inclinado a admitir que esta formulação é optimista e que

como parte do entretenimento o “jogo” é tendencialmente uma forma de alienação, seja em termos puramente marxistas, como redutor da autoconsciência e forma de dormência ao serviço dos interesses das classes capitalistas dominantes, seja simplesmente como distracção frívola e afrouxamento da cultura cívica, no sentido que Postman (1985) convém na formulação “Amusing Ourselves to Death”. No primeiro sentido é notável o já mencionado Adorno (1991) para quem, em particular, “o desporto (…) é um ritual em que o sujeito celebra a sua sujeição”, permitindo formas de competição num mundo em que esta efectivamente foi eliminada e em que no quadro da função das indústrias culturais pós-iluminismo como manipulação de massas “as relações entre seres humanos são

teorizada por Elias e Dunning (1992), como busca de um estado de “excitação” e por Csikszentmihalyi (1975) de “fluxo”. Neste sentido a prática do jogo é um reduto de “liberdade”.

O linguista comparativo e historiador cultural holandês fornece assim uma definição de “jogo” que constitui o paradigma por referência ao qual todas as discussões subsequentes tendem a fazer-se, seja concomitante seja criticamente. E esta diz-nos sensivelmente que o jogo se caracteriza por ser "uma actividade livre estabelecida de forma deliberada fora da vida ‘comum’ como sendo ‘não séria’, mas ao mesmo tempo absorvendo o jogador de forma intensa e total. É uma actividade desligada de qualquer interesse material, e nenhum lucro pode ser obtido através dela. Desenvolve-se dentro das suas próprias fronteiras de tempo e espaço de acordo com regras fixas de uma forma ordenante. Promove a formação de agrupamentos sociais que tendem a rodear-se de secretividade e a enfatizar as suas diferenças do mundo comum através do disfarce ou por outros meios" (Huizinga, 2000, p. 13).

Por conseguinte, são oito as características tipicamente associadas ao jogo como actividade114:

• Expressão da liberdade. Como prática não constrangida, o indivíduo experimenta e envolve-se no jogo não por “dever” nem porque é “obrigado”, mas por adesão voluntária, experienciando a diversão como forma de “libertação” dos constrangimentos morais e naturais (pense-se no caso limite da celebração do Entrudo como forma de jogo e na figura da marafona-travestida).

• Faz-de-conta. O jogo corresponde a um domínio de actividade não séria, a brincadeira pressupõe uma forma de fingimento e um instante de interrupção nas regras ordinárias da vida social (pense- se, na cultura contemporânea, no caso limite, no caso do wrestling, como forma de luta encenada mas também na “liberdade” conferida a certos instantes de sátira, em que, novamente, na cultura popular, à semelhança do entrudo, são inúmeras as tradições tipo “caretos de Podence” como reminiscência das celebrações célticas pagãs do culto do Sol e dos equinócios, em que se dizem “verdades inconvenientes” legitimas porque no contexto do jogo não podem ser levadas a sério e “é só a brincar”, de outra forma epitomadas no “é carnaval, ninguém leva a mal” ou entre as crianças no jogo “verdade ou mentira” et cetera…)

• Imersão. Durante o jogo os indivíduos tendem a suspender as suas preocupações deixando-se invadir pela emoção seja positiva e festiva seja pela ansiedade e pela tensão competitiva.

• Circunscrição numa esfera delimitada de espaço e tempo. O jogo decorre dentro de tempos (tipicamente fora do tempo de trabalho) e locais próprios (o court de ténis, o campo de golf, a sala da associação recreativa onde decorre o jogo da bisca, o estádio de futebol…). Numa analogia com o subsequente conceito foucaultiano de heterotopia (cf. acima, p.29), Huizinga adianta a este propósito o conceito de “círculo mágico” do jogo como ambiente particular onde este tem lugar e que se define tanto temporalmente como espacialmente (com boa vontade podemos ver aqui os instantes de quase suspensão da vida social que acompanham a realização de certos jogos da selecção nacional, opondo ecrãs de grande formato em espaços públicos - por exemplo, na Praça Sony do Parque das Nações - ainda que neles a audiência estritamente não “jogue”, que não no Totobola ou mais recentemente nas casas de apostas online, mas também aspectos mais

etnograficizantes e próximos da cultura popular como a experiência de imersão num fim-de-semana

de “caça” entre amigos, no campo).

• Governo por regras. O universo temporário do jogo pode ser excepcional, mas precisa ainda assim de um entendimento quanto às regras que extraordinariamente o regem ou meramente orientam de forma a determinar/negociar o seu resultado.

• Improdutividade. A função do jogo não é normalmente criar riqueza. Huizinga critica precisamente a deriva para as formas massificadas e organizadas do jogo, como no caso das ligas

reduzidas à boa camaradagem da comunidade desportiva, numa paródia da vida” (Horkheimer & Adorno, 2002, p. 94 e seg.s). A análise de Lefebvre (1991a, p. 33 e seg.s) é ela própria bastante próxima da escola de Frankfurt, admitindo que a comodificação das actividades de lazer, como parte da “tecnocracia de relaxação”, é um componente essencial da mudança da produção para o consumo no capitalismo do pós-II guerra que o transformou numa actividade global indiferenciada e numa forma deturpada de fuga à “eterna recorrência” (seja, à repetição e ao tédio da rotina) e ao círculo vicioso da vida quotidiana em que se trabalha para ganhar o direito ao lazer e este por seu turno só tem significado como excepção face ao trabalho (Gardiner, 2000, p. 84).

de futebol, enquanto exemplo manietado e comercializado do genuíno potencial do “jogo”. De facto, Huizinga giza uma espécie de teoria do ciclo do jogo de acordo com o qual este tende a evoluir dentro de cada civilização rumo a formas crescentemente mais “sérias”/menos espontâneas e artificiais (por conseguinte, para Huizinga a “formalização” através da tecnologia é incompatível com a natureza autêntica jogo).

• Incerteza. O resultado do jogo nunca é pré-conhecido. No caso dos jogos de azar é inclusivamente puramente aleatório.

• Carácter secretivo. Finalmente, Huizinga enfatiza um pormenor que normalmente é sonegado, mas se revelará extraordinariamente significativo para algumas práticas particulares do jogo em rede e designadamente o geocaching: a tendência para o fomento de elementos de segredo entre os agrupamentos humanos que cultivam um dado jogo, estabelecendo fronteiras para com o exterior. Algo também evidente nos “clãs” de RPG em que o conhecimento do jogo e das suas regras une os jogadores numa cumplicidade intima.

Huizinga, distingue essencialmente dois tipos de play: a performance sagrada e a competição festiva. Subsequentemente, Caillois, na sua tentativa de empreender uma classificação mais rica e omnicompreensiva, renomeia-os e acrescenta-lhes mais dois, estabelecendo uma tipologia dos jogos quádrupla, em função da sua orientação respectivamente para as:

• Mimetização ou Simulação (a performance sagrada, em Huizinga)

• Agôn ou Competição (Festiva, em Huizinga, tendo como modelo o “concurso”) • Alea ou Sorte

• Ilinx ou Vertigem (no sentido de excitação intensa, como a experimentada em certos desportos radicais tornados moda, como o canyoning ou o bungee jumping)

Caillois descreve ainda duas atitudes básicas perante o jogo que se encontram combinadas em diferentes graus nos quatro tipos anteriores:

• Paidia (improviso espontâneo). Predomina nos jogos de Mimetização e de Vertigem.

• Ludus (jogo com regras organizadas). Predomina nos jogos orientados para a Competição e para a Sorte.

Esta repartição revela-se particularmente acutilante na medida em que o autor a perspectiva historicamente. Cada sociedade “joga” de forma particular, reflectindo as suas necessidades e dinâmicas de poder. Nas sociedades modernas a função do mimetismo tipicamente atribuída ao emprego denotativo da máscara como representação do sagrado, do inconsciente e do místico cedeu lugar ao valor do número e aos jogos competitivos115 como emulação da burocracia estatizante do estado demo-

liberal, sublimando nos jogos a “superstição” através do “azar”/jogos de sorte, das lotarias, totolotos e euromilhões (com o aval do estado), que assim cumprem a sua função de forma conforme com o espirito do tempo.

De certo modo, ao mesmo tempo que nela a sorte e o azar continuam presentes, através dos casinos, e jogos de “apostas” online, o advento da comunicação mediada admite alguma recuperação do valor xamânico da máscara e do jogo, desde logo na possibilidade de constituição de “avatares” (veja- se o caso da aplicação Androidify), e de personas virtuais mascaradas, explorando o anonimato do ambiente online, mas também em termos freudianos, como mecanismo simbólico em que o fantasma de si desloca e substitui os seus objectos de referência segundo um princípio do prazer que o psicanalista

115 A ideia do jogo como expressão de liberdade é devida ao filósofo e historiador romântico alemão

Friedrich Schiller. Não obstante, um paradigma distinto, reconhecendo que por detrás da aparente sociabilidade e cooperação está latente o princípio agonístico da competição, é evidenciado por Chapple e Coon (1942), os quais preferem salientar a função “preventiva do jogo”, como forma de “simulação” que permite reduzir a tensão e evitar a efectiva violência (Metra, 2006).

austríaco demonstra através do exemplo do seu neto e que se pode ver de uma forma geral na predilecção das crianças em tenra idade pelo jogo das escondidas (Akhtar, O'Neil, & Freud, 2011, p. 246; Coyne, 2010, p. 92; Hobson, 1998, p. 164; Metra, 2006; Turkle, 2011b, p. 277).

Expurgada a componente psicanalítica, para o nosso fim – seja, o posicionamento do indivíduo em rede - é ainda assim significativa a asserção de que “à medida que a criança passa da passividade da experiência para a actividade do jogo, ela transfere a experiência desagradável para um dos seus colegas e dessa forma vinga-se num substituto (…) emerge desta discussão que não há necessidade de assumir um instinto imitativo especial de forma a fornecer um motivo para jogar. Um lembrete pode ser adicionado em como o jogo e imitação artísticos levados a cabo pelos adultos que, ao contrário das crianças, são dirigidos a uma audiência, não poupam os espectadores (…) às mais dolorosas experiências e podem ainda assim ser experimentadas como agradáveis” (Freud & Strachey, 1961, p. 11).

Em matéria de estudos de média tal explica de forma evidente a razão pela qual a banalização da violência e do sofrimento por exemplo na indústria cinematográfica pode ainda assim proporcionar prazer no espectador mas tem uma colação mais profunda se se admitir que o carácter assíncrono das plataformas em rede permite aos indivíduos um posicionamento idêntico ao da criança perante o progenitor e notavelmente a mãe marcado obviamente não em última análise pelo desejo do regresso ao útero, mas, na vida adulta, deslocando os termos para a sociologia de Mead e para a dialéctica entre Mente, Self e Sociedade (Mead, 2015), através de um jogo de revelação-ocultação que transfere projectivamente o segundo para o ambiente mediado.

Por um lado, na “sociedade do consumo” a virtualização dos objectos permite sublimar a ânsia da sua posse ao mesmo tempo que, consoante Ariely (2008); Ariely e Norton (2009) concorrem, o Ilinx nas sociedades contemporâneas leva muitas vezes à busca de experiências conceptualmente valorizadas, mas objectivamente desagradáveis116 e virtualmente inúteis do ponto de vista da satisfação das

necessidades primárias. Por outro lado, o Self constituísse pela integração do outro generalizado. A sua contemplação nas redes sociais espoleta o sensor interno porque o I (resposta do organismo e potencial domínio de comportamento criativo) reverte no Me (confronto com o conjunto de expectativas dos outros e função do controlo social).

A importância da identificação e a prevalência da estrutura social conduz Mead a admitir que a capacidade do indivíduo em se colocar “nas botas do outro” constitui a condição fundamental que lhe