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2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

2.2 Opções metodológicas: pesquisa qualitativa de cunho etnográfico

A escolha da metodologia a ser seguida em uma pesquisa é algo fundamental para o pesquisador, pois ela define os caminhos a serem percorridos no transcurso da investigação, bem como os elementos que serão necessários para que o trabalho possa ser realizado.

Quando se pensa numa metodologia para uma pesquisa em educação, pretende-se conhecer a dinâmica escolar mais de perto, observar a realidade na qual os alunos e os professores estão inseridos, e, para que isso venha a acontecer, é necessário que o pesquisador adote um paradigma que lhe dê possibilidade de conhecer o ambiente e os sujeitos da pesquisa de maneira profunda e detalhada, o que poderá ser feito a partir de um paradigma qualitativo. Por esse motivo, entende-se que, para esta investigação, tornou-se coerente a adoção de uma abordagem qualitativa, uma vez que, nesse tipo de abordagem, o ambiente de pesquisa é a fonte direta para se obter as informações desejadas.

A abordagem qualitativa surgiu no final do século XIX, quando cientistas sociais começaram a questionar o método de investigação utilizado tanto nas ciências sociais quanto nas naturais, que tinham por base uma visão de conhecimento traçada sob a ótica do positivismo (REY, 2005).

Diante desses questionamentos, surge uma nova concepção de pesquisa denominada naturalística ou qualitativa. Naturalística porque o estudo do fenômeno se dá em seu ambiente natural; e qualitativa porque, além de se opor ao paradigma quantitativo, preocupa-se com o processo e não com o resultado final do estudo (FERNADES, 2004).

A pesquisa qualitativa, segundo Rey (2005), apóia-se em três princípios. O primeiro aborda a questão do conhecimento como uma produção construtivo-interpretativa em que ele é

entendido como um processo de construção e de interpretação de conhecimentos que vai sendo ampliado no desenrolar da pesquisa. O segundo princípio destaca a importância da interação pesquisador-pesquisando no processo de construção do saber. Tal princípio apóia-se na necessidade do diálogo e acredita-se seja este uma das mais ricas fontes de informações. Finalmente, o terceiro princípio reforça a importância da singularidade como nível legítimo de construção do conhecimento. Esse princípio deixa claro que o paradigma qualitativo demonstra não estar preocupado com a quantidade de sujeitos que participarão da pesquisa, mas sim com a qualidade do trabalho a ser desenvolvido a partir de cada sujeito.

Nos últimos anos, tem existido, tanto por parte dos pesquisadores quanto por parte dos próprios professores, um repensar sobre o conceito de autonomia, co-responsabilização, auto- estudo, auto-avaliação e qualidade de ensino. Percebe-se também um constante desejo em buscar um novo paradigma de ensino que se sustente numa concepção de professores que se comprometem com suas práticas pedagógicas e procuram entendê-las de maneira investigativa e reflexiva. (DIB, 2004; FREIRE, 1996; PIMENTA & ANASTASIOU, 2005)

A partir dessa nova lógica escolar, surge também a necessidade no campo científico de se buscar outros conceitos na pesquisa educacional que sirvam para dar subsídios a essa visão de educação. Para isso, desejou-se desenvolver este estudo partindo-se de uma metodologia que fosse fundamentada também na formação do professor pesquisador-reflexivo, cujos alguns conceitos foram postulados por Donald Schön na década de 1990. Para esse autor, a pesquisa em sala de aula tem como objetivos investigar como e por que o professor ensina, como ocorre a aprendizagem dos alunos, e como o conhecimento é construído. Trata- se de uma perspectiva em que o conhecimento é uma construção mútua, isto é, professor e alunos se constituem sujeitos do conhecimento, ao mesmo tempo. O que possibilita essa ação é a questão de o professor ser também pesquisador, um pesquisador que repensa sua prática e que faz da aprendizagem um processo de construção que acontece por meio dessa ação- reflexão entre educador e educando.

Além de se caracterizar como uma pesquisa de cunho etnográfico, este estudo também teve por base o postulado do professor pesquisador-reflexivo, fazendo referência àquele docente que pensa no que faz e que problematiza a rotina em sala, procurando encontrar significados para a sua prática. A reflexão foi focalizada, considerando como se organizam o conhecimento e a investigação da rotina em sala de aula, nos quais as decisões fazem parte de um processo consciente que se forma a partir de perguntas básicas, como, por exemplo, como fazer? E o que fazer? (DIB, 2004)

2.3 A etnografia em sala de aula

Diante da perspectiva adotada para esta pesquisa, uma abordagem de cunho etnográfico torna-se adequadamente viável, uma vez que a etnografia, palavra que vem do grego: ‘etnos’ (raça, povo) e ‘graphein’ (escrita), possibilita ao pesquisador conhecer de perto fenômenos distintos e perceber como eles acontecem porque se inserem no campo de pesquisa, observando de forma participativa as ações dos sujeitos.

A etnografia é uma metodologia de pesquisa que se originou na Antropologia e desde então tem se preocupado em realizar estudos diversos em diferentes áreas da ciência. Em seus estudos acerca da etnografia em sala de aula, Bortoni-Ricardo (2005, p. 237) coloca que o primeiro objetivo da pesquisa etnográfica no ambiente escolar “é o desvelamento do que está dentro da ‘caixa preta’ na rotina dos ambientes escolares, identificando processos que, por serem rotineiros, tornam-se ‘invisíveis’ para os atores que deles participam”.

Cajal (in Cox & Assis Peterson, 2001, p.134) corrobora essa idéia ao afirmar que “o que se pretende, por meio da Etnografia, é tornar o familiar estranho, é problematizar o que parece comum, é tornar visíveis e explícitas ações não percebidas rotineiramente, exatamente por serem consideradas óbvias”.

A partir do que foi explicitado acima, entende-se que o estudo etnográfico que ocorre no âmbito escolar permite conhecer mais de perto o que acontece em uma sala de aula, além de favorecer uma reflexão a partir das práticas pedagógicas que ocorrem no dia-a-dia.

A pesquisa etnográfica, diferentemente de outros tipos de pesquisa, tem sempre um caráter interpretativo. “Inicia-se com perguntas exploratórias, orientadas pela literatura especializada, na vida e no senso comum do pesquisador”. (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 237)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2005), o segundo momento de uma pesquisa dessa natureza, consiste na formulação de objetivos gerais e específicos que nortearão a pesquisa. No terceiro momento, são elaboradas as asserções e subasserções que devem estar diretamente relacionadas ao problema de pesquisa, bem como aos objetivos que a conduzirão.

A mesma autora observa que a construção das questões, dos objetivos e das asserções não é definitiva, ou seja, por ter uma característica etnográfica, essas questões iniciais podem passar por várias definições e redefinições no decorrer da investigação. Após a construção das asserções, o etnógrafo passa a coletar as informações necessárias para confirmá-las ou refutá-las. É importante ressaltar que todos esses momentos da pesquisa etnográfica devem ser fundamentados por uma teoria que os sustente. Além disso, empregar uma metodologia de base etnográfica, neste trabalho, justifica-se por ela apoiar-se em princípios como a dinamicidade, a reflexão e a análise.

Outra característica que favoreceu a prática da pesquisa de cunho etnográfico nesta investigação é que ela vai além da descrição de dados e de situações ocorridas em um determinado espaço. Esse tipo de abordagem possibilita para a escola uma mudança de cultura de pesquisa em sala de aula, pois os participantes são ouvidos, fazem parte não só do ambiente em que a pesquisa acontece, mas são sujeitos da pesquisa, ou seja, participam ativamente do processo por meio do diálogo, das conversas formais e informais, da interação oferecida pela metodologia abordada.

Dentro dessa abordagem, a pesquisa em sala de aula tem como objetivos (i) investigar como e por que o professor ensina; (ii) como ocorre a aprendizagem dos alunos; e (iii) como o conhecimento é construído.

A partir dessa perspectiva, percebe-se o quão significante é uma abordagem etnográfica e como esta pode contribuir, juntamente com o conceito de professor pesquisador- reflexivo, para que se possa colaborar com as pesquisas educacionais e com os educadores que refletem sobre a sua atividade pedagógica. Freire (1983) coloca a necessidade de o professor ser um docente que se conscientiza e que conscientiza seus educandos, que questiona e permite que seus educandos questionem, que desmistifica e leva o aluno a desmistificar crenças tidas como certas durante muito tempo.

Uma pesquisa em que o professor se torna pesquisador auxilia este a compreender seu exercício de docência, os processos que norteiam a construção do conhecimento e seu desenvolvimento profissional em busca de uma educação para a mudança. (FREIRE, 1983)

Corroborando a afirmação feita por Freire, CAVALLET (1999 apud PIMENTA & ANASTASIOU, 2005, p.196) pontua que: “pesquisar a própria sala de aula é ação realizada com intencionalidade que revela a profissionalidade do docente: rever a sua própria prática, debruçar-se e refletir sobre ela é necessário a qualquer profissão”.

Fundamentada pelas colocações feitas pelos autores acima e por minhas próprias inquietações enquanto educadora, propus a mim mesma o desafio de realizar este trabalho em minha sala de aula.

Considero um desafio, porque além de observar e avaliar a aprendizagem de meus alunos, eu tinha que me avaliar e ser avaliada por eles, ao mesmo tempo, e essas não são práticas comuns ao meio educacional. Nós, professores, estamos habituados a avaliar os nossos alunos, porém não temos a prática, que assumiu grande relevância neste trabalho de pesquisa: avaliar e ser avaliado, ouvir os alunos, ensiná-los e aprender com eles, rever algumas atitudes enquanto professora e pesquisadora, ao mesmo tempo, questionar-me e questioná-los.