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O fenômeno da universidade empreendedora traz algumas mudanças para rotinas, políticas e cultura na universidade (TIJSSEN, 2006). Esse fenômeno busca fornecer cultura e ambiente adequados para encorajar os acadêmicos a disseminar seus conhecimentos por meio das atividades acadêmicas tradicionais e daquelas que, por natureza, são mais empreendedoras (KIRBY; GUERRERO; URBANO, 2011). Com base nessas mudanças, uma orientação

41 empreendedora dentro da universidade começa a ser formada. (TODOROVIC; MCNAUGHTON; GUILD, 2011).

No entanto, há dúvidas sobre as influências e os efeitos da orientação empreendedora no meio acadêmico (KALAR; ANTONCIC, 2015). De um lado, a comercialização de pesquisa gera receitas para a universidade, as quais são usualmente reinvestidas na pesquisa básica acadêmica (GRIMALDI et al., 2011). De outro, as atividades de comercialização podem afetar tanto o ensino quanto a pesquisa básica, que constituem as principais missões da universidade. Logo, ainda há receio, no meio acadêmico, de que a orientação empreendedora possa gerar conflitos e levar os profissionais a negligenciar suas tarefas principais. (RASMUSSEN; MOEN; GULBRANDSEN, 2006).

No centro desse debate está o empreendedorismo acadêmico, o qual ocorre nas fronteiras de diferentes conhecimentos científicos e profissionais e necessita de mecanismos de apoio para ultrapassar essas barreiras. O empreendedorismo acadêmico é um fenômeno em que o empreendedor, pesquisador ou acadêmico desenvolve suas atividades diuturnamente dentro da universidade, a qual fornece ambiente adequado e recursos para apoiar a geração, transformação e comercialização de conhecimento e tecnologia. Nessa perspectiva, o empreendedorismo acadêmico busca criar um valor de mercado em direção à geração e à transferência de conhecimento através da inovação. Esse fenômeno ocorre geralmente dentro da universidade, onde o empreendedor vivencia diversos conflitos, particularmente a tensão de interesses com as atividades de ensino e pesquisa. (URBANO; GUERRERO, 2013).

Usualmente, as atividades empreendedoras em que uma universidade pode se engajar, para atingir o objetivo da terceira missão de desenvolvimento econômico e social, ocorrem em um espectro de iniciativas soft e hard – vide Quadro 2 (PHILPOTT et al., 2011). O espectro soft-hard refere-se ao nível percebido da sofisticação empreendedora de atividades acadêmicas individuais (KLOFSTEN; JONES-EVANS, 2000). As atividades hard, como patentes, licenciamentos e spin-offs, comumente são percebidas como resultados mais

tangíveis (RASMUSSEN; MOEN; GULBRANDSEN, 2006) de universidades

empreendedoras maduras, ou seja, menos compatíveis com o papel acadêmico tradicional. De outra parte, as atividades soft, como publicações e recebimento de subvenções para pesquisa, alinham-se melhor à cultura acadêmica tradicional (KLOFSTEN; JONES-EVANS, 2000) e podem até não serem consideradas como atividades empreendedoras pela comunidade acadêmica mais ampla. (PHILPOTT et al., 2011). Além disso, o espectro soft-hard pode ser

42 contextualizado nos âmbitos da hélice quádrupla e hélice quíntupla, a fim de relacioná-lo com a sociedade civil e os ambientes naturais para inovação.

Quadro 2 - Espectro de atividades da universidade empreendedora Formas de empreendedorismo acadêmico Descrição Mais próximo ao paradigma empreendedor Mais próximo ao paradigma tradicional Criação de parque tecnológico

Fornecimento de uma localização formal onde as empresas (normalmente de natureza de alta tecnologia) podem se instalar e interagir com a própria universidade.

Formação de empresa spin-off

Criação de empresas baseadas em pesquisa da universidade. Patente e licenciamento Garantia dos direitos de propriedade intelectual sobre descobertas

e know-how desenvolvidos dentro da universidade.

Contrato de pesquisa Realização de projetos específicos de pesquisa com a indústria. Muitos destes projetos têm forte foco comercial.

Cursos de treinamento para a indústria

Ensino aos alunos da indústria. Estes cursos podem incluir educação executiva.

Consultoria Venda direta de experiência acadêmica às organizações para resolver problemas práticos.

Recebimento de subvenção

Obtenção de bolsas de pesquisa em larga escala, através de fontes externas para a pesquisa básica.

Publicação de

resultados acadêmicos

Publicação de livros, capítulos e artigos. Produção de graduados

altamente qualificados

Fornecimento de força de trabalho com graduados e pós- graduados qualificados.

Fonte: Adaptado de Philpott et al. (2011).

Apesar da ênfase corrente nas atividades empreendedoras hard, as atividades consideradas soft têm significativo papel nos esforços da universidade visando contribuir para o desenvolvimento econômico. Embora a visão dominante resida no fato de que as atividades hard possam contribuir de forma mais benéfica para a economia, o apoio de tais atividades não deve ocorrer à custa das atividades soft (PHILPOTT et al., 2011). O engajamento da universidade em atividades empreendedoras mais soft pode fornecer a base, a capacidade e a maturidade para o desenvolvimento futuro de outras atividades empreendedoras consideradas mais hard. (RANGA; DEBACKERE; VON TUNZELMANN, 2003).

Uma forte ênfase na produção das formas de empreendedorismo acadêmico mais hard pode ser inadequada para a maior parte das universidades. Isso traz à tona a crença de que o ideal da universidade empreendedora tem um caminho de desenvolvimento isomórfico para todas elas. Em contrapartida, esse ideal deve ser orientado com base nas singularidades de cada uma, em oposição ao ‘one size fits all’. Contudo, os movimentos realizados pelas universidades em direção à terceira missão são percebidos por determinadas áreas acadêmicas como uma ameaça às suas finalidades e os esforços falham em alavancar as potenciais sinergias com as missões tradicionais de ensino e pesquisa. (PHILPOTT et al., 2011).

43 Sob ótica complementar, estudos como os de Bishop, D’Este e Neely (2011) e Wright et al. (2008), sobre as formas pelas quais o conhecimento gerado pela universidade é difundido para a sociedade como um todo, reconhecem que a academia tem um papel multifacetado na transferência de conhecimento. Por exemplo, em alguns países, o papel da universidade como crítica social representa uma poderosa função de transferência de conhecimento (GRIMALDI et al., 2011). A geração de patentes em universidades representa apenas um mecanismo pelo qual os resultados da pesquisa acadêmica podem ser transferidos para o mercado local. Outros mecanismos incluem licenciamento, geração de spin-offs acadêmicos, pesquisa colaborativa, contratos de pesquisa e consultoria, entre outros. (D’ESTE; PATEL, 2007; TIJSSEN, 2006; WRIGHT et al., 2008).

As estruturas de desempenho e de recompensa e outras políticas que podem incentivar ou desencorajar os comportamentos empreendedores estão normalmente em toda a universidade, no entanto suas interpretações e formas de implementação podem diferir substancialmente entre faculdades e departamentos. Os departamentos possuem influência significativa sobre a cultura e as atividades de seus membros. Grupos de pesquisa, institutos e centros são parcialmente responsáveis pela heterogeneidade das atividades de comercialização observadas entre departamentos (TODOROVIC; MCNAUGHTON; GUILD, 2011). Como exemplo, os campos de ciências sociais e humanas tendem a contribuir, de forma mais efetiva para o desenvolvimento econômico, por meio do engajamento em atividades soft, as quais podem ter importante impacto nesse desenvolvimento, assim como as atividades hard. (PHILPOTT et al., 2011).

O estudo de Kalar e Antoncic (2015) contribui para melhor compreensão da universidade empreendedora, na descoberta sobre como os acadêmicos de diferentes áreas percebem e aceitam a orientação empreendedora de seu departamento na universidade. Os resultados revelam que ainda há separação entre acadêmicos em suas atitudes em relação à universidade empreendedora, pois mais acadêmicos nas ciências naturais percebem seus departamentos universitários com alta orientação empreendedora, comparados àqueles das ciências sociais. A percepção sobre o departamento universitário com alta ou baixa orientação empreendedora pode ter importante efeito no que diz respeito à participação do acadêmico em atividades empreendedoras, porém efeito não significativo sobre o engajamento do acadêmico em atividades mais tradicionais.

No trabalho de Philpott et al. (2011), as conclusões indicam a ausência de uma cultura unificada em relação à adequação da terceira missão, com clara divisão na adesão acadêmica

44 entre as áreas das humanidades e aquelas mais baseadas em ciência e tecnologia. Um provável fator que contribui para essa diferença é o viés significativo dos financiamentos de pesquisa voltados para ciência e tecnologia e a percepção dos acadêmicos de que o progresso em direção ao ideal da universidade empreendedora implica o aumento dessa tendência. Os mesmos autores explicam que o surgimento dessa divisão tem potencial de gerar desarmonia na universidade, por meio de uma cultura ‘nós e eles’, na separação de departamentos fortes em ensino versus aqueles fortes em pesquisa.

Adicionalmente, o trabalho de Todorovic, McNaughton e Guild (2011) mostra a importância da orientação empreendedora como uma explicação parcial para a heterogeneidade entre departamentos, inclusive dentro da mesma universidade, nos efeitos de comercialização. Os resultados do estudo possuem duas implicações: a primeira sustenta que a orientação empreendedora na universidade é diferente daquela praticada em grandes empresas privadas; a segunda sugere que a escala proposta pelos autores, denominada ENTRE-U, pode ser utilizada juntamente com outras medidas tradicionais de pesquisa e comercialização para avaliar o ambiente de empreendedorismo nas universidades, especialmente nas públicas.

Com a intenção de melhor embasar a discussão aqui proposta e no intuito de estabelecer novas relações teórico-empíricas, a seção a seguir desenvolve as proposições teóricas sobre o tema em questão, as quais orientam, a priori, a evidenciação empírica deste trabalho.