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5.1 Caso 1 – A PUCRS

5.1.2 Proposição 2 – Um Caminho Assumido e Multifacetado

Boa parte das decisões tomadas pela PUCRS em direção a um modelo de universidade empreendedora foi dotada de proatividade. As ações relatadas na proposição anterior, como o Programa “Mil mestres e doutores para o ano 2000” e a criação da AGT, estão alinhadas às definições de proatividade de Dess e Lumpkin (2005) e Lumpkin e Dess (1996), na forma da instituição direcionar-se às oportunidades de mercado e na realização de atividades empreendedoras, contraponto à indiferença ou à incapacidade de aproveitar as oportunidades ou de persuadir o mercado. Como primeiro marco assumido na transformação institucional em direção a uma postura mais empreendedora, a criação da AGT, em 1999 simboliza o início de uma trajetória com perspectivas promissoras no estreitamento das relações universidade– empresa–governo.

“A AGT, na prática, foi a primeira estrutura do INOVAPUCRS, vamos dizer assim, com esse foco, com o foco na área de inovação, porque a AGT iniciou o parque tecnológico, que nasceu a partir de um projeto gerido pela AGT. Durante algum tempo, o próprio Tecnopuc teve a gestão pela AGT. Um pouco mais adiante que se criou uma diretoria do Tecnopuc, porque se tornou grande o

97 suficiente pra se justificar uma diretoria. Antes, fazia parte das funções da AGT dirigir o parque. A AGT também foi quem criou e estruturou a incubadora RAIAR”. (Entrevistado 5).

“Aí que surge então a Agência de Gestão Tecnológica, que foi o primeiro, digamos assim, ator desse cenário na Instituição, que passou então a fazer essa conexão da academia, vamos dizer assim, esse conhecimento que estava surgindo ali, fruto dessa qualificação que a gente teve do corpo docente. E começamos a conectar então com as empresas e então a AGT que acabou sendo, vamos dizer assim, um embrião, de toda a rede INOVAPUCRS”. (Entrevistado 14).

Esse importante marco deflagra o início de uma estratégia multifacetada em direção à terceira missão acadêmica, representada pelos inúmeros mecanismos de inovação e empreendedorismo criados pela PUCRS, como o Tecnopuc e a incubadora RAIAR, ambos em 2003, e a partir da AGT, e de vários outros desenvolvidos à medida que as atividades avançavam, como o Escritório de Transferência de Tecnologia (ETT), em 2005; o Laboratório de Criatividade do Tecnopuc (CriaLab), em 2011; o Laboratório Interdisciplinar de Empreendedorismo e Inovação (Idear), em 2016. Especialmente em relação à transferência do conhecimento para a sociedade em geral, esse papel multifacetado da universidade é enfatizado nos trabalhos de Bishop, D’Este e Neely (2011) e Wright et al. (2008).

A adoção dessa estratégia multifacetada concretiza-se na formação da rede INOVAPUCRS, criada, em 2006, com o objetivo de articular e congregar os principais atores e mecanismos de inovação e empreendedorismo da instituição, detalhados no Quadro 8. Ao longo do tempo, cada um desses atores ou mecanismos foi assumindo uma função específica, como proteção da propriedade intelectual, incubação de empresas, fomento do empreendedorismo nas atividades de ensino, entre outras. Conjuntamente, formam uma estrutura complexa e integrada para as diferentes atividades envolvidas na implementação da terceira missão acadêmica na PUCRS. A postura proativa na criação dos novos mecanismos e da integração na rede INOVAPUCRS, especialmente em relação ao Tecnopuc, é exemplificada por alguns trechos das entrevistas.

“O projeto Tecnopuc não era um projeto pré-concebido ou pré-planejado. Ninguém sabia qual era o caminho. Então precisava ter um conjunto de pessoas liderando e proativas pra dizer o que era necessário ser feito, e ainda hoje tem que chamar pra si a responsabilidade, do ponto de vista da proatividade. Então tem muito traço de proatividade em um projeto como esse. [...] O parque [Tecnopuc] sozinho não significa nada. Ele só existe porque eu tenho a rede INOVAPUCRS e a interação se dá por projetos. Então, se eu tenho um projeto com uma empresa, eu tenho a AGT que está gerenciando o projeto. Se envolve

98 propriedade intelectual, eu tenho que chamar o Escritório de Transferência de Tecnologia. Se envolve prototipação, eu tenho que chamar o Ideia. Então, dependendo da natureza do projeto, eu tenho os diversos atores da rede INOVAPUCRS pra atuar em conjunto”. (Entrevistado 9).

“[...] daí a constituição da rede INOVAPUCRS, se eu não me engano foi 2006, um marco significativo. Porque aí realmente a gente começou a fazer uma conexão envolvendo todas essas áreas de inovação, que vai desde a AGT, o próprio parque [Tecnopuc], o nosso Escritório de Transferência de Tecnologia, que começou também nesse período a ter uma ação bastante protagonista no sentido de levar para os pesquisadores, ensinar os pesquisadores o que era transferência de tecnologia, o que era propriedade intelectual, que isso tudo era muito novo”. (Entrevistado 14).

A criação e a organização desses diferentes mecanismos, ao longo do tempo, refletem o engajamento e o apoio institucional na busca de novas oportunidades, o que se consubstancia na capacidade de inovação, como sustentado por Dess e Lumpkin (2005) e Lumpkin e Dess (1996). As sucessivas inovações organizacionais proporcionaram à PUCRS maior capacidade de estabelecer a própria direção estratégica, como preconizado por Etzkowitz (2013b), baseada em um processo cumulativo de iniciativas inter-relacionadas.

Como um caminho assumido e cumulativo, o desenvolvimento desses atores e mecanismos revela comportamentos recorrentes e consistentes, como abordado por Anderson et al. (2015), Covin e Miller (2014) e Covin e Slevin (1991). Essa característica é central na evidenciação da orientação empreendedora. No caso da PUCRS, mostra-se verdadeira por meio das ações de caráter não esporádico e do comprometimento significativo de recursos físicos, humanos e organizacionais na consecução da terceira missão acadêmica.

O comprometimento crescente com essa missão assume, inclusive, caráter deliberado no planejamento estratégico institucional. Desde 2001, a PUCRS adota formalmente o empreendedorismo e a inovação em seus planos estratégicos, os constituindo como uma das cinco diretrizes estratégicas atuais, mencionadas no Plano Estratégico 2016-2022 (PUCRS, 2017). Esse compromisso e sua realização por meio das ações recorrentes representam a aposta institucional em um caminho de difícil reversão, configurado por um emaranhado de relações entre instituição, empresas, governo e sociedade em geral. Os seguintes fragmentos das entrevistas retratam essa asserção:

“Hoje, o posicionamento estratégico da Universidade é inovação e desenvolvimento, ou seja, quase 20 anos depois de ter iniciado esse processo, a PUCRS reconhece que uma das suas principais missões é gerar inovação e

99 desenvolvimento pra sociedade. Então, é um caminho sem volta que ela vislumbrou lá no final dos anos 90”. (Entrevistado 9).

“No último planejamento, agora que a gente já trabalhou pro ciclo 2016-2022, então a gente assume o posicionamento de inovação e desenvolvimento, porque claramente se viu o diferencial da PUCRS como universidade no Brasil, que se destaca pela questão do ecossistema de inovação. [...] Então, no planejamento estratégico está descrito, tem no planejamento bem claro isso, mas uma diretriz bem clara já havia em 2001, de inovação e empreendedorismo”. (Entrevistado 12).

De modo mais pontual, o comprometimento e o estímulo da PUCRS no desenvolvimento da terceira missão acadêmica também se evidenciam em outros documentos institucionais, como na Resolução Nº 001/2007, a qual estabelece as diretrizes da política institucional de propriedade industrial e transferência de tecnologia. Essa Resolução reafirma a posição institucional e assegura o benefício de um terço para o inventor dos ganhos econômicos auferidos pela instituição com a transferência de tecnologia e a exploração econômica das criações intelectuais. (PUCRS, 2007).

Outro ponto de destaque, na implementação da orientação empreendedora da PUCRS, é a tomada de risco. Embora imersas em discursos de mudança, inovação e empreendedorismo, via de regra as universidades apresentam comportamentos conservadores e avessos ao risco. No caso da PUCRS, isso tem se demonstrado parcialmente diferente, como mostram os constantes investimentos da instituição na rede INOVAPUCRS e a assunção de alguns riscos determinantes para o sucesso da nova missão acadêmica, como retratado nos seguintes excertos das entrevistas:

“Aquele prédio [Prédio 99] foi um prédio financiado [...], com reembolso, com juro baixo, mas com reembolso. Então, ninguém sabia quando esse prédio foi montado se a gente ia conseguir preencher e pagar o custo daquela operação. [...] Hoje o Tecnopuc é o que é porque a gente conseguiu captar recursos na hora certa. Tomamos risco pra fazer esses projetos. Tivemos que colocar capital como contrapartida dos investimentos que foram captados nas esferas de governo, dos mais diversos. Mas é um risco. Isso aqui era um barro, era um terreno do exército, muito longe de ser um parque tecnológico. Não tinha capacidade de energia elétrica e foi sendo feito, passo a passo, resolvendo uma coisa de cada vez, construindo os prédios e evoluindo a área”. (Entrevistado 9).

“Se comparar com outras universidades aqui da região e do Brasil, eu diria que a PUCRS é bastante ousada nesse aspecto. Mas se tu fores olhar do ponto de vista do que significa, do ponto de vista institucional, essa relação do posicionamento frente ao risco, nós somos uma universidade bastante conservadora nesse sentido”. (Entrevistado 8).

100 A PUCRS possui algumas ações pontuais na tomada de risco com alguns projetos de pesquisa, mapeados como possíveis geradores de produtos e royalties. Essas ações não são em grande número, mas confirmam o envolvimento institucional com a inovação, como retratado no seguinte fragmento de entrevista: “Aqui na PUCRS, nós temos alguns projetos que a gente verificou que o valor, pra avançar um pouco mais num resultado de pesquisa, deixar esse resultado um pouquinho mais atraente, implicava em um recurso não tão grande. Então, a Universidade assumiu esse risco em alguns projetos”. (Entrevistado 2).

Inerente ao risco está o resultado. De forma geral, os riscos tomados pela PUCRS contribuíram para a diversificação de sua receita, o que é sustentado por Clark (1998), Etzkowitz (2013a) e Sam e van der Sijde (2014) como um dos principais elementos de uma universidade empreendedora. Isso se evidencia na capacidade institucional relacionada à captação de recursos externos, especialmente aqueles oriundos do governo e das interações com as empresas, embora ainda haja dependência dos recursos advindos das mensalidades dos alunos, como mencionado por um dos entrevistados: “Nós aqui temos uma captação de recursos considerável, só que ainda temos uma dependência maior das mensalidades da graduação. [...] Por exemplo, na área de pesquisa, inovação e desenvolvimento, vamos pensar assim, no total de faturamento da Universidade, ela tranquilamente pesa na ordem de 20%”. (Entrevistado 12).

Em suma, os diversos mecanismos criados pela PUCRS, de forma recorrente, em busca de um modelo de universidade empreendedora sustentam o caráter proativo assumido na transformação institucional e o estado uniforme de mudança, como preconizado por Clark (2003). Isso também encontra amparo tanto em Vasconcelos e Cyrino (2000), os quais abordam a necessidade de compreensão da mudança organizacional como um evento frequente e não isolado, quanto em Clark (1998), o qual destaca que as transformações nas universidades requerem uma capacidade de mudança estruturada.

Discutido o caso da PUCRS no contexto do conceito da orientação empreendedora e de suas dimensões basilares, a próxima subseção avança, na discussão do caso, o relacionando com as missões acadêmicas tradicionais de ensino e pesquisa.