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5.2 Caso 2 – A PUC-Rio

5.3.3 Proposição 3 – Uma Vocação Histórica

O estabelecimento da orientação empreendedora na LU encontra significativo subsídio em suas atividades de pesquisa. A LU foi protagonista de inúmeras inovações que impactaram a melhoria da qualidade de vida e espalharam-se pelo mundo. Perfazendo uma lista de cerca de 50 descobertas, iniciadas no século XVIII e situadas especialmente nos campos de tecnologia, ciência e medicina (KAISERFELD, 2017), as inovações geradas pelos pesquisadores da LU começaram a se tornar mais recorrentes desde as décadas de 1940 e 1950, marcadamente pelas invenções do rim artificial e do ultrassom, respectivamente. (LU, 2017a).

O diagnóstico por ultrassom, a bebida de aveia Oatly, o sistema bluetooth para comunicação sem fio entre dispositivos eletrônicos são exemplos de produtos ou serviços comerciais derivados das pesquisas realizadas pela LU. Apesar da ênfase nas aplicações comerciais das pesquisas desenvolvidas pela LU nas áreas da tecnologia, ciência e medicina, isso nem sempre foi natural em sua história, devido à sua trajetória secular cotejada com os interesses da nação, como universidade pública, e da sociedade de cada época. No entanto, elas ganharam maior utilidade e relevância para a sociedade a partir da Segunda Guerra Mundial. (KAISERFELD, 2017).

Embora dotada de extensa trajetória de invenções baseadas em pesquisa, o estabelecimento da orientação empreendedora na LU ganhou fôlego a partir dos dois marcos iniciais mencionados: a reforma universitária realizada pelo governo sueco, em 1977, e o começo das atividades do Ideon, em 1983. Eles representaram um verdadeiro impulso para o perfil que já se desenvolvia na LU, especialmente pela vocação de suas pesquisas de forma aplicada, voltadas para a geração de algum tipo de produto ou serviço e, consequentemente, significaram a aproximação com a terceira missão acadêmica.

Desde então, a LU aprofundou sua interação com o mundo dos negócios e a formulação de problemas de pesquisa em colaboração com os interesses da sociedade, como

143 proposto por Clark (1998). As empresas tornaram-se parceiras cada vez mais importantes, em detrimento de movimentos sociais, órgãos públicos, comunidades religiosas e organizações sem fins lucrativos. Isso é especialmente perceptível nas formas de colaboração e inovação associadas às faculdades tecnológicas e médicas. Embora em menor escala, a colaboração com interesses comerciais também tem ocorrido em outras áreas da LU. (KAISERFELD, 2017).

Um exemplo de interação reside na pesquisa em eletrônica aplicada, a qual tem sido importante para o sucesso da Ericsson Mobile Communications no segmento da telefonia móvel. A Ericsson foi a primeira empresa de grande porte que se instalou no Ideon, o que contribuiu significativamente para o desenvolvimento do parque tecnológico. Essa aproximação favoreceu a interação com as pesquisas realizadas na LU, especialmente pelo instituto tecnológico LTH, incluindo a nova tecnologia de comunicação sem fio bluetooth, desenvolvida no final dos anos 1990. Esta tecnologia foi concebida por Sven Mattisson, professor do LTH e também funcionário da Ericsson. (FEHRMAN; WESTLING; BLOMQVIST, 2005).

Na década de 1990, a interação da LU com as empresas foi estimulada por uma série de programas de pesquisa iniciados, externamente, pelo governo e por agências de fomento. A cooperação de pesquisa universidade–empresa foi incrementada sobre duas bases: a) as submissões para financiamento exigiam colaboração com a indústria e cofinanciamento, o que naturalmente afetava o conteúdo e o design dos projetos; b) a cooperação com a indústria resultava em aumento de recursos para pesquisa e desenvolvimento disputados pelos pesquisadores (KAISERFELD, 2017). Por exemplo, os projetos de pesquisa submetidos ao Swedish Council for Strategic Research eram avaliados pelos seguintes critérios: a) potencial de alcançar alta qualidade internacional no longo prazo; b) contribuição para as principais necessidades e resolução de problemas importantes na sociedade; c) conexão com o setor de negócios na Suécia. (KARLSSON; KRISTOFFERSON-WIGREN; LANDSTRÖM, 2015).

Ao receber tal estímulo, a LU desenvolveu inúmeras iniciativas que resultaram na criação de centros de pesquisa ou competência, como o Lund Strategic Research Centre for Stem Cell Biology and Cell Therapy, em ciências da vida, e o Centre for Nanoscience, em microeletrônica (KAISERFELD, 2017). A cooperação estabelecida com as empresas alterou significativamente as fontes de financiamento das pesquisas realizadas pela LU, atingindo, em vários de seus departamentos, mais de 75% do orçamento de pesquisa oriundos de fomento externo. (FEHRMAN; WESTLING; BLOMQVIST, 2005).

144 O desenvolvimento de um interesse mais sistemático em torno do empreendedorismo e da inovação na LU ganhou impulso, no final dos anos 1990, por meio de doações recebidas para atividades de ensino e pesquisa em ambos os temas. Essas doações resultaram na criação, em 2003, de um programa de pesquisa sobre empreendedorismo e inovação, o qual se tornou a base para a formação do Center for Innovation, Research, and Competence in the Learning Economy (CIRCLE), considerado um dos principais centros de pesquisa da Europa sobre inovação em um nível de análise mais macro, por exemplo, nos estudos relacionados aos sistemas de inovação regionais, nacionais e globais (KARLSSON; KRISTOFFERSON- WIGREN; LANDSTRÖM, 2015). Instigadas por esses diferentes estímulos, as ações iniciadas com base nas atividades de pesquisa começaram a se refletir nas atividades de ensino realizadas pela instituição.

Em decorrência disso, a LU vem construindo, sistematicamente, desde o início dos anos 2000, uma plataforma de educação em empreendedorismo, envolvendo grande número de alunos de suas diferentes faculdades ou escolas. Em 2004, em especial, a gestão estratégica da LU requisitou internamente o projeto e a implementação de uma plataforma para educação empreendedora e inovação, a qual foi inicialmente alocada na Lund University School of Economics and Management (LUSEM) (KARLSSON; KRISTOFFERSON-WIGREN; LANDSTRÖM, 2015). Essa postura da gestão reflete o interesse institucionalizado em relação à terceira missão acadêmica, com abrangência a toda a universidade, como defendido por Clark (2001).

Alicerçada nos movimentos iniciais, a LU lançou, em 2005, seu primeiro curso em empreendedorismo. Desde então, o número de cursos na área cresceu de forma rápida e constante em suas diferentes faculdades e escolas. Apesar do avanço, os desafios reais na construção de uma plataforma para a educação empreendedora, na LU, surgiram com a criação, em 2007, de um programa de mestrado em empreendedorismo. Esse curso obteve rápido sucesso e ascensão internacional, com a participação de estudantes de cerca de 30 países, constituindo-se como um dos programas de mestrado com maior taxa de candidatos por vaga na LU, tendo também recebido regularmente o maior número de candidatos de todos os programas de mestrado em empreendedorismo da Suécia. (KARLSSON; KRISTOFFERSON-WIGREN; LANDSTRÖM, 2015).

O avanço das iniciativas em torno do empreendedorismo culminou na criação do Sten K. Johnson Centre for Entrepreneurship, em 2012, caracterizado como um mecanismo que integra tanto as atividades de ensino quanto as de pesquisa na área, sendo responsável pela

145 disseminação dessas atividades em toda a LU. A condução das atividades de ensino e pesquisa em empreendedorismo de forma balanceada é uma tarefa que tem marcado os primeiros anos do Sten K. Johnson Centre for Entrepreneurship, por criar empreendedores experientes, capazes de iniciar e desenvolver novos empreendimentos, e por gerar conhecimentos relevantes sobre empreendedorismo e inovação que possam fornecer informações sobre o processo empreendedor. (LU, 2017c).

Apesar dos avanços e dos esforços de integração da terceira missão acadêmica com as missões tradicionais de ensino e pesquisa na LU, ainda permanece o desafio de disseminação das atividades empreendedoras e de inovação nas atividades de ensino, o que recai especialmente sobre o Sten K. Johnson Centre for Entrepreneurship. Esse desafio se deve, em boa parte, ao caráter abrangente da LU, envolvendo diversas áreas do conhecimento, e à gestão descentralizada no nível das faculdades ou escolas, o que gera diferenças no engajamento em torno da execução da terceira missão acadêmica, como abordado por Kalar e Antoncic (2015), Philpott et al. (2011) e Todorovic, Mcnaughton e Guild (2011).

“Of course, our [Sten K. Johnson Centre for Entrepreneurship] main activities are research and education, as in any department at this University. But of course our research is concentrated on entrepreneurship, on a micro level, but also on innovation management and entrepreneurship within larger firms. So, intrapreneurship and entrepreneurship. That is our two focuses at this point”. (Entrevistado 40).

“[…] I think there is a mindset focusing on entrepreneurship, which has a special discourse about this, which means that you think very much about technology, medicine, and so on, which is not strange, but I think, I'm a social scientist and there’s a lot of possible development for entrepreneurship in education among students and among researchers, but there's another focus. People are more skeptical, not the students maybe, but a lot of professors and academic staff are more skeptical towards concepts, such as entrepreneurship, innovation”. (Entrevistado 31).

O desafio de integração entre as diferentes missões acadêmicas não tem sido exclusividade da LU, caracterizando-se pela geração de conflitos e tensões, como abordado por Kalar e Antoncic (2015), Rasmussen, Moen e Gulbrandsen (2006) e Urbano e Guerrero (2013). Contudo, a LU tem conseguido alcançar significativas sinergias entre todas as missões acadêmicas, por meio dos diferentes mecanismos mencionados, como exposto por Boardman e Ponomariov (2009), Philpott et al. (2011) e Van Looy et al. (2011), o que resulta na

146 utilização do empreendedorismo e da inovação como reforço das missões acadêmicas anteriores, o que é sustentado por Etzkowitz (2013b) e Nelles e Vorley (2010c).

Esse desafio também se evidencia no contexto sueco mais amplo, em que a terceira missão acadêmica tem sido tanto criticada quanto integrada ao sistema universitário, especialmente desde a reforma universitária, realizada pelo governo em 1997, a qual incluiu o rótulo ‘the third task’ nas atividades das universidades. A crítica reside na perspectiva acadêmica pura, a qual sustenta que a nova missão prejudica o foco da pesquisa livre e independente. Ao mesmo tempo, é notório que as universidades gradualmente vêm se tornando importantes como atores ativos na formação de ecossistemas empreendedores regionais. (KARLSSON; KRISTOFFERSON-WIGREN; LANDSTRÖM, 2015).

No caso específico da LU, a implementação da terceira missão acadêmica envolve diversas atividades tanto soft quanto hard, de acordo com o espectro de Philpott et al. (2011), representadas pelos diferentes mecanismos internos e externos, por exemplo, o Sten K. Johnson Centre for Entrepreneurship e o Ideon, respectivamente. A utilização de diferentes mecanismos de inovação e empreendedorismo pela LU mostra, juntamente com a tradição e o reconhecimento internacional de suas atividades de ensino e pesquisa, uma tentativa de equilíbrio entre as três missões acadêmicas.

Expostas as principais relações da vertente empreendedora e inovadora da LU com as missões acadêmicas tradicionais de ensino e pesquisa, a subseção a seguir complementa a discussão do caso com base na trajetória desenvolvida pela instituição nas últimas décadas e sua importância para seu entorno de atuação.