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5.2 Caso 2 – A PUC-Rio

5.2.1 Proposição 1 – Um Movimento Bottom-up

Um importante marco inicial, que retrata a transformação da PUC-Rio em direção a um modelo de universidade empreendedora, surgiu no início dos anos 1990. Anterior a isso, a PUC-Rio recebia significativos aportes financeiros do governo federal, através do FINEP, para o desenvolvimento de pesquisa e pós-graduação. Esses aportes eram vultosos e viabilizaram o avanço desses setores, assim como a manutenção de um quadro docente qualificado e dedicado para a realização de pesquisas em diversas áreas do conhecimento, especialmente as tecnológicas.

No entanto, os contextos econômico e da educação superior modificaram-se com o passar dos anos e, em 1992, o governo federal reorganizou suas formas de apoio à pesquisa no cenário nacional, a fim de atender, mais amplamente as IES brasileiras, voltando-se prioritariamente às áreas tecnológicas, a exemplo do que acontecia na PUC-Rio. Por consequência, os importantes recursos financeiros destinados à PUC-Rio foram gradativamente cessados e ela se deparou com significativos problemas estruturais, por exemplo: como manter os inúmeros programas de pós-graduação? Como sustentar as pesquisas em andamento? Como reter o qualificado quadro docente? Essa situação conduziu a PUC-Rio a uma intensa crise, durante a década de 1990, a qual solapava, de forma irrestrita, todo o seu desenvolvimento institucional.

“Até a década de 90, toda a área tecnológica da PUC-Rio era financiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, pela FINEP na verdade. Aí houve um grande problema, porque a FINEP saiu da pós-graduação e a pós-graduação toda nossa na área tecnológica era assentada em cima dos recursos da FINEP, que inclusive pagava os professores. Então houve um problema muito sério nesse momento”. (Entrevistado 23).

113 “E o governo bancava todas as pós-graduações das Engenharias, não só das Engenharias, mas do Centro Técnico Científico como um todo. [...] Então isso veio através da FINEP, isso veio através de diferentes mecanismos, mas sempre o governo federal bancava integralmente os salários das pessoas que se dedicavam à pós-graduação. [...] aí depois de muitos anos o governo resolve se retirar, e vai se retirando gradativamente. Começa a reduzir verba pra pesquisa, etc. e tal e com isso criou um monstro chamado Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, aonde os professores deixam de ser pagos pelo governo e tem que ser pagos pela Universidade, o que não se sustenta obviamente [...] e aí então nasce uma necessidade de autofinanciamento e isso acontece na década de 90. Então em 90 a gente teve uma crise séria na Universidade de financiamento”. (Entrevistado 24).

Em meio à turbulência, a PUC-Rio precisava rapidamente encontrar alternativas para o sustento dos avanços e da qualidade conquistada por décadas, pois alguns sinais começavam a indicar a necessidade de uma solução imediata, como a saída de alguns professores e até de grupos de professores de determinada área, o que fragilizava e ‘colocava em cheque’ toda a construção já realizada. O momento exigia urgente adaptação organizacional, como exposto por Hodgson (2013) e Lewin e Volberda (1999), envolvendo mudanças nas estratégias e na estrutura da PUC-Rio como reação ao corte dos recursos governamentais historicamente por ela recebidos.

A crise instalada ‘forçava’ a instituição a repensar seu modelo de universidade. Ainda que de forma reativa, a PUC-Rio precisava encontrar novas formas de financiamento para a estrutura que havia desenvolvido. Como resposta a essa situação, surgiu, em 1994, o Escritório de Desenvolvimento, ligado ao Centro Técnico Científico (CTC), que reuniu Engenharias e Física, Matemática e Química, sendo incumbido da transformação institucional baseada em projetos cooperados com as empresas. O início das atividades do Escritório de Desenvolvimento resultou na criação do Instituto Gênesis, em 1997, o qual se constitui em importante mecanismo de interação universidade–empresa–governo, especialmente pela incubação de empresas e pela captação de recursos externos para as diversas atividades da universidade.

Outro movimento realizado pela área das Engenharias da PUC-Rio, ainda na década de 1990, também foi importante para a transformação institucional. Nessa época, o contexto geral das Engenharias era marcado pelo alto índice de reprovação dos alunos, pelos rápidos avanços tecnológicos, pela crescente informatização dos meios de produção e pela necessidade de aproximação com as indústrias, o que ensejava reformas nas atividades de ensino. A fim de responder a essas constatações, o governo federal, através do FINEP, lançou, em 1995, o Programa de Desenvolvimento das Engenharias (PRODENGE), que incluía um

114 subprograma específico para a reformulação dos currículos das Engenharias, denominado Reengenharia do Ensino de Engenharia (REENGE). Com ampla trajetória nas Engenharias e reconhecida pelos cursos com os conceitos mais elevados no contexto brasileiro, a PUC-Rio liderou o processo de reforma do ensino de graduação no âmbito do REENGE.

Mesmo solapada pela crise interna, as discussões em torno dos currículos das Engenharias avançaram na PUC-Rio, especialmente em uma das linhas que visava à inserção do empreendedorismo. Configurada como uma área mais ‘dura’, os cursos de Engenharia tradicionalmente apresentavam resistências à inclusão de temáticas consideradas soft ou supostamente ateóricas, o que não era diferente na PUC-Rio. No entanto, a necessidade de maior aproximação com as empresas, por meio do empreendedorismo e da inovação, era demanda forte do corpo discente. Amparada por alguns docentes e após inúmeras discussões, este pleito ganhou espaço na reforma curricular em pauta na instituição e contribuiu para a criação da Empresa Júnior da PUC-Rio, ainda em 1995, sob a denominação inicial de Projeta Júnior.

Paralelamente, iniciou-se a mobilização do corpo docente, especialmente daqueles professores envolvidos em pesquisa, nos diversos laboratórios ou institutos da PUC-Rio, em busca de parcerias com empresas para o financiamento das pesquisas em andamento ou de novas pesquisas. Esse movimento, contudo, não era precursor na PUC-Rio, pois ela já estabelecera alguns elos com o meio empresarial, mesmo que de forma pontual em determinadas áreas ou em determinados projetos. Apesar de haver essas experiências pontuais, o momento exigia a ampliação dos laços e a criação de uma cultura orientada para a realização de pesquisas em conjunto com as empresas e com aportes financeiros externos.

Conquanto pressionados pela crise interna e com algumas dificuldades na aproximação universidade–empresa, arraigadas no histórico ‘abismo’ existente entre ambas, os movimentos realizados pela PUC-Rio encontraram amparo empresarial e ela começou a ampliar os elos com este meio, a partir de demandas das próprias empresas e de pesquisas realizadas pelo corpo docente. Com o avanço dessas atividades, a instituição criou, em 2003, o Escritório de Negócios em Propriedade Intelectual (ENPI), posteriormente renomeado Agência PUC-Rio de Inovação (AGI), como mais um mecanismo de interação universidade– empresa–governo, neste caso focado na transferência de tecnologia e na propriedade intelectual.

Esses avanços demonstraram a capacidade organizacional para gerar transferência de tecnologia e o desenvolvimento de um ethos empreendedor que permeava a instituição, ambos

115 se constituindo em pilares de uma universidade empreendedora, como destacado por Etzkowitz (2013b). De forma gradual, a disseminação de comportamentos empreendedores, em diversas áreas da PUC-Rio, resultou em mudanças na estrutura e na cultura institucional, somadas a um caráter organizacional geral substancialmente revisado, como proposto por Clark (2001).

Os movimentos encontrados na PUC-Rio revelam importante mudança bottom-up realizada pelo corpo docente, em busca de novas formas de financiamento da pesquisa e de aproximação com o meio empresarial. Intrínsecas aos movimentos estão as características da gestão estratégica da PUC-Rio, marcada pela descentralização e pela liberdade de ação do corpo docente. Ambos os comportamentos foram fundamentais para que a PUC-Rio encontrasse, coletivamente, alternativas de sustentabilidade financeira para pesquisa e pós- graduação e realizasse mais firme estreitamento com as empresas.

“A PUC-Rio é bottom-up, anabática. Talvez as coisas aqui fluem muito de baixo para cima, o que não quer dizer que seja apenas isso. Quando digo que flui de baixo para cima, não quer dizer que não exista ações que são tomadas pela reitoria. [...] Então, a inovação foi uma coisa que aconteceu espontaneamente. Não houve uma reunião do reitor com vice-reitor, decanos, etc. [...] Aqui a gente não controla quase nada; as coisas vão acontecendo. Essa estrutura está capilarizada e desmembrada pela instituição. O nosso mecanismo de administração é um mecanismo descentralizado”. (Entrevistado 20).

“O jesuíta ele é mais de dar autonomia, vai fazendo, se der certo a gente incorpora. Ele não encampa aquilo como da Universidade. Ele deixa você ir fazendo. Se tem algum problema, senta todo mundo para discutir. Não tem nunca uma decisão centralizada, como o reitor decidiu que é assim. Claro que o reitor decide sempre, mas ele não se coloca nesse papel. Nós aqui na PUC-Rio temos várias comissões, núcleos, então a característica da instituição é isso, a PUC-Rio não decide, não coloca de cima para baixo as coisas”. (Entrevistado 16).

“A comunidade acadêmica teve uma forte participação na construção das saídas da crise. Elas foram se construindo a partir das assembleias dos professores, conversando e construindo uma solução que pudesse manter vivos aqueles projetos que nós estávamos desenvolvendo aqui. E ao mesmo tempo, a responsabilidade de entender que a instituição tem limites financeiros e a gente trabalha dentro desses limites. E na medida em que a gente respondia a isso, que a comunidade respondia a isso, é obvio que contou com o apoio institucional. Foi uma grande parceria da instituição com os professores aqui que construiu gradativamente esse modelo”. (Entrevistado 25).

Esses fatos mostram que a orientação empreendedora da PUC-Rio foi estimulada, inicialmente, por fatores externos que provocaram sua reação. A influência de fatores

116 ambientais sob a orientação empreendedora é encontrada nos trabalhos de Lumpkin e Dess (1996) e Walter, Auer e Ritter (2006). Embora significativamente afetada pela redução dos recursos advindos do governo federal, a gestão estratégica da PUC-Rio não optou por decisões que poderiam facilitar a adequação à nova realidade institucional, como a demissão de professores e a reorganização de seu quadro de pessoal e das despesas em geral, mas adotou uma postura que reflete a percepção indeterminista do ambiente, dotada de volição (BIGNETTI; PAIVA, 2002), e a ambição assertiva coletivamente construída (CLARK, 2004, 2006), na busca de soluções para a crise institucional.

Com uma postura engajada nos comportamentos empreendedores que se iniciavam, como proposto por Anderson et al. (2015), a gestão estratégica da PUC-Rio não deliberou unilateralmente sobre as ações necessárias para a saída da crise institucional, mas apoiou os movimentos realizados pela base de professores e alunos quanto às formas de aproximação com as empresas e à necessidade de difusão mais ampla do empreendedorismo e da inovação na instituição. Essa postura está retratada, simbolicamente, na criação do Escritório de Desenvolvimento, do Instituto Gênesis e da AGI, o que oportunizou a transformação do modelo institucional.

Expostos os principais fatores que influenciaram a trajetória da PUC-Rio em direção a um modelo de universidade empreendedora, incluindo as características de sua gestão estratégica, a próxima subseção prossegue a discussão do caso no contexto das dimensões basilares da orientação empreendedora.