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5.4 Três Universidades, Diferentes Caminhos e Uma Direção

5.4.4 Proposição 4 – Enraizamento na Pesquisa e no Entorno

A orientação empreendedora estabelecida pelas universidades pesquisadas possui significativa relação com a trajetória particular de cada instituição, o entorno de atuação e os elos desenvolvidos com parceiros externos. Nos três casos tratados, as trajetórias percorridas representaram diversificados acúmulos de recursos, o que resultou em transformações idiossincráticas nas instituições em direção a um modelo de universidade empreendedora, como abordado por Nelles e Vorley (2010b), O’Shea et al. (2005), Philpott et al. (2011) e Stensaker e Benner (2013).

160 No contexto das universidades brasileiras, a PUCRS e a PUC-Rio estão entre as mais tradicionais IES do país e revelam consistentes trajetórias, especialmente em relação à pesquisa e à pós-graduação. Constituídas na década de 1940, ambas as instituições deram início à pós-graduação na década de 1960, com pioneirismo em algumas áreas do conhecimento. O ímpeto inicial no desenvolvimento da pós-graduação foi maior na PUC-Rio, com o estabelecimento, ainda na década de 1960, de dez programas. Na PUCRS, o impulso ocorreu com o lançamento do programa “Mil mestres e doutores para o ano 2000”, em 1988, e com a subsequente criação de inúmeros programas de pós-graduação.

Apesar dos diferentes tempos de impulso na pós-graduação, a PUCRS e a PUC-Rio alcançaram posição de destaque no cenário nacional, totalizando 24 e 28 programas, respectivamente, quase todos eles com conceito cinco ou superior. As trajetórias percorridas por ambas as instituições na pós-graduação, antecessoras ou simultâneas às transformações em direção a um modelo de universidade empreendedora, foram fundamentais para o desenvolvimento de projetos de pesquisa qualificados, capazes de captar recursos externos e estabelecer parcerias de desenvolvimento. Tais movimentos possibilitaram a consecução da terceira missão acadêmica, em especial no caso da PUC-Rio, devido a seu foco na realização de contratos de pesquisa.

No caso da LU, sua trajetória é secular e acumula cerca de 350 anos de história, caracterizando-a como uma das mais tradicionais universidades da Suécia. Por diversos fatos e influências que marcaram seu percurso, a LU desenvolveu uma trajetória vocacionada para a pesquisa, o que resultou em inúmeros produtos ou serviços que, especialmente após Segunda Guerra Mundial, contribuíram para a melhoria da qualidade de vida em geral. Sua vocação histórica na realização de descobertas e inovações baseadas em atividades de pesquisa mostrou-se como importante indicativo para a transformação da LU em direção à terceira missão acadêmica, tendo em vista sua aptidão para a pesquisa aplicada; a cooperação com empresas e governo; a formação de inúmeras empresas alicerçadas nos estudos acadêmicos.

As três universidades investigadas caracterizam-se pela articulação com seu entorno de atuação e participam ativamente no desenvolvimento econômico e social, o que está no cerne da terceira missão acadêmica, como abordado por Clark (1998), Etzkowitz (2013a, 2013b) e Philpott et al. (2011). Nos casos das IES brasileiras, tanto a PUCRS quanto a PUC- Rio são caracterizadas, desde suas fundações, pelo caráter comunitário, embora tenham sido legalmente reconhecidas como tal apenas em 2014. Apesar do reconhecimento tardio, ambas

161 as instituições desenvolveram, ao longo do tempo, inúmeros vínculos com a comunidade local/regional, o que as distanciam largamente daquelas IES privadas com interesses puramente comerciais.

No caso da LU, o envolvimento com a comunidade local/regional evidencia-se por seu caráter público, especialmente na preocupação do governo sueco em relação à aproximação das universidades com a sociedade em geral, enfatizada desde a reforma da educação superior de 1977. À luz de Etzkowitz (2013b), o foco da LU em seu entorno de atuação reflete-se nos esforços por ela despendidos para a renovação regional e o fortalecimento do sistema de inovação da região da Escânia, notadamente no engajamento para a constituição e o desenvolvimento dos parques tecnológicos Ideon e Medicon Village, como detalhado no trabalho de Benneworth et al. (2009).

O envolvimento com o desenvolvimento econômico e social, que caracteriza as três universidades investigadas, realiza-se por meio de diversos elos estabelecidos com parceiros externos, os quais emolduram a orientação empreendedora de cada instituição. Isso se evidencia, por exemplo, nas inúmeras conexões entre a universidade e seu ambiente, como naquelas que formam o Tecnopuc na PUCRS, as unidades de pesquisa e o Instituto Gênesis na PUC-Rio e as relações da LU com o Ideon e o Medicon Village. A fim de realçar essas relações, o Quadro 17 sintetiza as similaridades e as principais particularidades das três universidades acerca da Proposição 4 deste estudo.

Quadro 17 - Principais evidências da Proposição 4 nos casos estudados

Similaridades

- Trajetórias baseadas nas atividades de pesquisa como sustentação para o estabelecimento da orientação empreendedora.

- Enraizamento com o entorno de atuação e participação ativa no desenvolvimento econômico e social.

Particularidades principais

PUCRS - Impulso para a pesquisa e pós-graduação com a criação do programa “Mil mestres e doutores para o ano 2000”, em 1988.

PUC-Rio - Foco em pesquisa e pós-graduação, a partir da década de 1960.

LU - Papel-chave desempenhado no processo de renovação da região da Escânia, especialmente desde o final da década de 1970.

Fonte: elaborado pelo autor.

Expostas as principais evidências em torno da Proposição 4 e feita a análise dos casos, tanto de forma individual quanto cruzada, o capítulo a seguir avança para os apontamentos finais deste estudo. Ele retoma os objetivos que orientaram o trabalho, assinala as contribuições e as limitações da pesquisa e propõe sugestões para estudos futuros.

162 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo principal deste estudo foi analisar o estabelecimento da orientação empreendedora no ambiente acadêmico, baseado em proposições teóricas e nas transformações institucionais realizadas por universidades, no Brasil e na Suécia, em direção a um modelo de universidade empreendedora. A análise envolveu o papel desempenhado pela gestão estratégica das universidades estudadas em relação ao desenvolvimento da orientação empreendedora e de suas dimensões conceituais basilares; as diferentes formas de realização da orientação empreendedora no âmbito acadêmico das universidades investigadas e sua relação com as atividades tradicionais de ensino e pesquisa; as trajetórias percorridas pelas instituições pesquisadas em busca de um modelo de universidade empreendedora.

A literatura utilizada na análise em questão baseou-se em dois tópicos principais: orientação empreendedora e universidade empreendedora. O primeiro concentrou-se na literatura teórico-conceitual sobre orientação empreendedora, suas principais dimensões e a relação com o campo da estratégia. O segundo abordou a literatura empírica acerca da universidade empreendedora, em função de tratar-se de um fenômeno inerente a um setor específico. Ambos os tópicos foram combinados e quatro proposições de pesquisa foram geradas, as quais orientaram a análise teórico-empírica.

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa pautou-se pela técnica de estudo de casos múltiplos, com o uso de diferentes fontes de dados sobre o mesmo fenômeno, especialmente entrevistas in loco. Como campo empírico, três universidades que adotaram diversas ações e mecanismos em direção a um modelo de universidade empreendedora foram pesquisadas: a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), no contexto de uma economia emergente (Brasil), e a Lund University (LU), no contexto de uma economia avançada (Suécia).

Os resultados da pesquisa foram organizados de acordo com as proposições teóricas e atendem aos objetivos inicialmente propostos. Em referência ao primeiro objetivo específico – analisar o papel desempenhado pela gestão estratégica das universidades estudadas em relação ao desenvolvimento da orientação empreendedora e de suas dimensões conceituais basilares –, os resultados encontram-se na discussão apresentada na Proposição 1 e na Proposição 2. Os três casos estudados mostram o papel-chave desempenhado pela gestão estratégica das universidades no estabelecimento da orientação empreendedora, à luz das definições de Anderson et al. (2015), Covin e Miller (2014), Covin e Slevin (1988, 1991),

163 Lumpkin e Dess (1996) e Miller (1983), por meio da influência na transformação organizacional em direção a um modelo de universidade empreendedora.

Nos três casos pesquisados, a gestão estratégica apresentou elementos que se consubstanciam na perspectiva indeterminista do ambiente, como abordado por Bignetti e Paiva (2002), Child (1972, 1997), Lewin e Volberda (1999) e Miles et al. (1978), capaz de adaptar a organização às influências ambientais e também de influenciar o ambiente. De forma antecipada ou como resposta às alterações ambientais, os comportamentos realizados pelas universidades estudadas revelaram importante capacidade de adaptação organizacional, como preconizado por Hodgson (2013) e Lewin e Volberda (1999). A inércia ou a passividade organizacional cedeu espaço a comportamentos voluntaristas, dotados de volição (BIGNETTI; PAIVA, 2002; CLARK, 2004, 2006) e sustentados pela escolha estratégica ou gerencial de Child (1972, 1997) e Miles et al. (1978).

As diferentes formas do estabelecimento da orientação empreendedora nas universidades pesquisadas revelaram diversos elementos de proatividade, tomada de risco e capacidade de inovação, adequados ao contexto acadêmico, sob a égide das definições de Covin e Slevin (1988), Lumpkin e Dess (1996) e Miller (1983). Os três casos apresentaram comportamentos recorrentes na implementação da terceira missão acadêmica, o que é requisito crítico fundamental na caracterização da orientação empreendedora, como sustentado por Anderson et al. (2015), Covin e Miller (2014) e Covin e Slevin (1991).

Os resultados acerca do segundo objetivo específico – identificar as diferentes formas de realização da orientação empreendedora no âmbito acadêmico das universidades pesquisadas e sua relação com as atividades tradicionais de ensino e pesquisa – residem, em especial, na discussão apresentada na Proposição 2 e na Proposição 3. As evidências nos três casos mostraram a utilização de variadas ações e mecanismos de inovação e empreendedorismo em direção a um modelo de universidade empreendedora, de maneira similar por meio de incubadoras e ETTs e de forma particular através do parque tecnológico Tecnopuc na PUCRS, gerido pela própria instituição; do engajamento das unidades de pesquisa na PUC-Rio, como o Tecgraf, o ITUC e o CETUC; da relação aproximada com os parques tecnológicos externos Ideon e Medicon Village realizada pela LU.

Os três casos evidenciam relações predominantemente sinérgicas com as missões acadêmicas tradicionais, especialmente com a pesquisa. A ascensão da terceira missão acadêmica, nas universidades investigadas, possui vínculo de origem com as atividades de pesquisa, as quais formaram as bases para seu desenvolvimento. Na relação com as atividades

164 de ensino, os resultados mostram o desenvolvimento de ações e mecanismos institucionalizados e interdisciplinares na disseminação da terceira missão acadêmica, de forma abrangente para todas as áreas do conhecimento, como o Idear na PUCRS, o Domínio Adicional em Empreendedorismo na PUC-Rio e o Sten K. Johnson Centre for Entrepreneurship na LU.

No que tange ao terceiro objetivo específico – analisar as trajetórias percorridas pelas universidades pesquisadas em busca de um modelo de universidade empreendedora, nos contextos de uma economia emergente (Brasil) e de uma economia avançada (Suécia) –, os resultados são especialmente encontrados na discussão da Proposição 4. As trajetórias desenvolvidas pelas universidades estudadas na implementação da terceira missão acadêmica foram antecedidas pelo foco nas atividades de pesquisa, o que forneceu as condições para a ampliação das interações universidade–empresa–governo. Ao mesmo tempo, os três casos revelaram significativo enraizamento e articulação com o entorno de atuação, por meio da participação ativa no desenvolvimento econômico e social, como proposto por Clark (1998), Etzkowitz (2013a, 2013b) e Philpott et al. (2011).

O conjunto desses resultados permite afirmar que o objetivo geral – analisar o estabelecimento da orientação empreendedora no ambiente acadêmico, baseado em proposições teóricas e nas transformações institucionais realizadas por universidades, no Brasil e na Suécia, em direção a um modelo de universidade empreendedora – foi plenamente atendido. De um lado, a despeito dos diferentes contextos, a análise em questão revelou várias similaridades entre os casos pesquisados, o que reforça a importância de estudos comparativos em países distintos, como já realizado por Clark (1998, 2004), Etzkowitz (2003b), Guerrero et al. (2014) e Kalar e Antoncic (2015). De outro, a análise evidencia a importância das particularidades de cada caso, o que corrobora os trabalhos de Nelles e Vorley (2010b), O’Shea et al. (2005), Philpott et al. (2011) e Stensaker e Benner (2013).

A partir desta relação entre os objetivos e os principais resultados da pesquisa e no sentido de melhor finalizar este trabalho, as considerações a seguir estão organizadas de acordo com suas contribuições, suas limitações e as sugestões para estudos futuros.