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Os fundamentos da inclusão escolar no cenário brasileiro.

1 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O DIREITO À EDUCAÇÃO: DA INVISIBILIDADE À INCLUSÃO

1.2 Os fundamentos da inclusão escolar no cenário brasileiro.

Toda a trajetória de marcos históricos e normativos sobre a deficiência evidencia a tentativa de transição de uma visão integradora para uma visão inclusiva. Percebemos que essa transição acontece em vários contextos sociais, sendo o ambiente escolar um dos espaços em que essa proposta de transformação deveria ocorrer.

[...] uma reforma educacional que promove a educação conjunta de todos os alunos, independentemente das suas características individuais ou estatuto socioeconômico, removendo barreiras à aprendizagem e valorizando as suas diferenças para promover uma melhor aprendizagem de todos (RODRIGUES, 2007, p. 34).

A proposta de inclusão escolar de pessoas com deficiência no Brasil teve como importante fundamento legal a Declaração de Salamanca, de 1994, que trouxe transformações conceituais importantes com relação aos objetivos da educação especial, apresentando os princípios de que as escolas do ensino regular devem educar todos os alunos, incluindo as crianças com deficiência, as que vivem nas ruas ou que trabalham, as superdotadas, em desvantagem social e as que apresentam diferenças linguísticas, étnicas ou culturais.

Os princípios dessa declaração influenciaram instrumentos legais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394 de 1996, que em seu art. 58 conceitua a educação especial como ―a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais‖. Os desmembramentos desse artigo nos sugerem que, quando necessário, haverá serviços de apoio especializado na escola regular, como o oferecimento do AEE (Atendimento Educacional Especializado) que será realizado em classes, escolas ou serviços especializados quando não for possível a participação desses alunos nas classes comuns do ensino regular em função de suas condições específicas; e que a oferta da educação especial é dever do Estado e deverá ter início na Educação Infantil. Já o art. 59 estabelece que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às necessidades dos alunos da educação especial, bem como prevê a terminalidade específica e a aceleração de estudos, professores com especialização para o AEE, educação especial para o trabalho e acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais disponíveis. O art. 60 determina que os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo poder público.

A educação inclusiva na legislação brasileira vai se definindo por meio de uma nova visão que questiona a organização do AEE por meio da educação especial segregada do ensino regular. Essa nova visão reconhece a educação especial como uma modalidade transversal no ensino regular, perpassando todas as modalidades e níveis.

Dentre os documentos oficiais que fundamentam a educação inclusiva, destacamos a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que tem como objetivo:

assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p.14).

Esse documento define quem serão os estudantes PAEE, sendo aqueles com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade; os alunos com transtornos globais do desenvolvimento (TGB) que são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se, nesse grupo, alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Porém o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-V, 2014) desconsidera as categorias autismo, síndrome de Asperger, Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra especificação, designando-as todas como Transtorno do Espectro Autista (TEA). A Lei nº 12.764 da Constituição Brasileira, do final de 2012, já considerou essa atualização e instituiu uma Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA. E também são considerados PAEE os estudantes com altas habilidades/superdotação que demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse.

Essa orientação demarca um público específico ao qual se destina a modalidade de ensino da educação especial, mudando a perspectiva de indicação de seus serviços a todos os alunos que enfrentassem desafios ou dificuldades no processo de escolarização. Vale ressaltarmos que os alunos com Transtornos Funcionais Específicos (TFE) ou Transtorno Específico da Aprendizagem, segundo o DSM-V (2014), não são considerados PAEE na perspectiva da Educação Inclusiva, mas podem receber orientação de acordo com suas necessidades.

Esse documento também enfatiza e detalha a importância do AEE como meio fundamental para a eliminação de barreiras para a educação inclusiva. O AEE surgiu com o

objetivo de identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no AEE diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008).

O AEE também disponibiliza programas de enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva (TA), dentre outros. Ao longo de todo processo de escolarização, esse atendimento deve estar articulado com a proposta pedagógica do ensino comum (BRASIL, 2008).

A garantia do AEE, assim como muitos dos objetivos apresentados pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) também estão presentes na meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Entendendo a inclusão escolar como um processo em desenvolvimento, percebemos que os objetivos de 2008, que revelavam a necessidade da época, ainda se fazem presentes nos dias atuais, pois, para que a inclusão escolar possa acontecer é preciso que outros contextos também a objetivem. Nesse sentido, verificamos que o PNE de 2014, com vigência de 10 anos, tem também como meta estimular a criação de centros multidisciplinares de apoio, pesquisa e assessoria, articulados com instituições acadêmicas e integrados por profissionais das áreas de saúde, assistência social, pedagogia e psicologia; promover a articulação intersetorial entre órgãos e políticas públicas de saúde, assistência social e direitos humanos, em parceria com as famílias, com o fim de conquistar o processo de inclusão que consiga um bom atendimento escolar; promover parcerias com instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público, a fim de favorecer a participação das famílias e da sociedade na construção do sistema educacional inclusivo (BRASIL, 2014).

Verificamos pelo PNE que uma das metas para que a inclusão escolar se desenvolva é dividir essa responsabilidade com outros setores da sociedade, como o setor da saúde, do serviço social, e também com a família. Isso também está exposto na seção sobre o Direito à Educação da Lei nº 13.146/2015, conhecida como ―Estatuto da pessoa com deficiência‖, documento que prevê ser dever de todos assegurar educação de qualidade para as pessoas com deficiência por meio do sistema de inclusão em todos os níveis e modalidades de ensino, garantindo o acesso e a permanência do aluno com deficiência por meio da oferta de apoio necessário no momento do processo seletivo para ingresso na instituição, planejamento com

práticas pedagógicas inclusivas, educação bilíngue com a LIBRAS e presença de profissionais capacitados. Segundo Sartoretto (2011) para que a inclusão possa acontecer, fundamentando- se no direito do ser humano viver e conviver com outros seres humanos, sem discriminação e sem segregações é indispensável, primeiramente, que as escolas destituam-se das práticas de ensino tradicionais, sendo então possível colocar em prática o que se encontra nas normativas sobre inclusão.

Para Mantoan et al. (2011, p.7) ―a escola inclusiva deve ter como fundamento o reconhecimento das diferenças dos alunos diante do processo educativo e a busca pela participação e pelo progresso de todos, adotando novas práticas pedagógicas‖. Porém, o uso dessas novas práticas, depende de mudanças que vão além da sala de aula. É necessário o desenvolvimento de novos conceitos e práticas pedagógicas que busquem a inclusão decorrentes da vontade de um coletivo escolar.

As mudanças necessárias não acontecem por acaso e nem por decreto, mas fazem parte da vontade política do coletivo da escola, explicitadas no seu Projeto Político Pedagógico – PPP e vividas a partir de uma gestão escolar democrática. É ingenuidade pensar que situações isoladas são suficientes para definir a inclusão como opção de todos os membros da escola e configurar o perfil da instituição. Não se desconsideram aqui os esforços de pessoas bem intencionadas, mas é preciso ficar claro que os desafios das mudanças devem ser assumidos e decididos pelo coletivo escolar (MANTOAN et al., 2011, p.8).

Para que a escola pratique os princípios inclusivos necessita de espaços e momentos para discussão e para tomadas de decisões coletivas, enfim, de gestão democrática, que favoreça as discussões por meio de cursos de capacitação e do Conselho Escolar, levando à construção e execução coletiva do PPP (TERRA et al, 2012).

Para Mantoan et al. (2011) o reconhecimento pelo professor de que os alunos podem aprender de acordo com suas capacidades, aceitando as diferenças, não promovendo um ensino padronizado e homogêneo, acontecerá quando o professor vivenciar essa experiência. Nesse sentido, fazem a diferença ―o modo de trabalhar os conteúdos; a forma de sugerir a realização de atividades na sala de aula; o controle disciplinar; a interação dos estudantes nas tarefas escolares; a sistematização do AEE no contraturno; a divisão do horário; a forma de planejar as atividades pedagógicas; a avaliação da execução das atividades de forma interativa‖ (MANTOAN et al., 2011, p.11).

Esse tipo de proposta de uma nova escola inclusiva pode ser possível, como demonstra Mantoan (2015) em pesquisa realizada que buscou analisar a percepção dos professores e pais de alunos PAEE sobre a prática da política de educação inclusiva. A autora verificou que

houve uma mudança do olhar dos professores a respeito das pessoas PAEE, que passaram a compreendê-las como pessoas que têm capacidade e que podem construir sua autonomia. O trabalho conjunto dos professores das classes comuns e do AEE melhorou o processo de escolarização, oferecendo um ensino mais eficaz para os estudantes com e sem deficiência. Todos perceberam que ―não podem excluir os alunos com deficiência das práticas pedagógicas comuns a todos e reconhecem que as pessoas têm ritmos diferentes de aprendizagem, passando a valorizar os pequenos avanços de cada aluno‖ (MANTOAN, 2015, p. 37). Para os pais e professores houve importantes ganhos por parte dos estudantes que frequentam o AEE. Os pais também destacam a melhoria no relacionamento interpessoal dos estudantes com e sem deficiência e mudanças positivas no ambiente familiar.

Porém, para que essa realidade seja possível nas escolas, temos que fazer primeiramente uma mudança nas práticas e no pensamento tradicional da escola, por meio de uma gestão democrática, com a participação de todos os envolvidos para que a mudança também seja desejada, buscando acompanhar os novos interesses e necessidades dos indivíduos da sociedade contemporânea que não correspondem mais às práticas de ensino tradicionais, como a memorização. Assim, será possível pensarmos em ações inclusivas, por meio das quais buscaremos o ensino de diferentes modos e não mais padronizado. Sem essa mudança, as ações de inclusão em uma escola com práticas e pensamentos tradicionais acabarão se resumindo em adaptações curriculares, que promoverão uma exclusão na inclusão (MANTOAN et al., 2011), pois não permitirão que todos os estudantes tenham acesso ao mesmo conteúdo e às mesmas aprendizagens. Limitarão a aprendizagem do estudante devido à sua deficiência ao invés de tentar ensiná-lo de maneira condizente com sua deficiência, pensando na valorização das diferenças e nas especificidades para aprendizagem de cada aluno.

Para não excluir na inclusão precisamos, além de todas essas mudanças, olhar mais atentamente para outros processos que perpassam a adequação da inclusão em algumas situações específicas. Para Libório e Castro (2005) muitas vezes acreditamos que, independente do aluno, de sua singularidade, de sua história institucional ou escolar, de suas condições emocionais, dos recursos (in)existentes na instituição, a inclusão sempre será a melhor alternativa, esquecendo-se da ética envolvida nesse processo, do qual fazem parte a criança e sua família.

Para Omote (2010) seria mais produtivo pensarmos em serviços de qualidade ao invés de inclusão, pois, esta é valida quando respeita as diferenças e não deixa a qualidade do ensino de lado.

As escolas têm objetivos precípuos a serem cumpridos, os quais dizem respeito à aprendizagem escolar. Portanto, só tem sentido serem atendidos aí crianças e jovens, cujo comprometimento decorrente da posse de alguma patologia não lhes impeça de alcançarem as metas colocadas. Mais ainda, certamente o deficiente, cujo comprometimento é de tal natureza e gravidade que não apresenta condição para alcançar as metas colocadas pela instituição escolar, deve ter a necessidade de atendimentos que a escola não pode oferecer, por estarem fora dos seus objetivos e competências. Significa que alguns deficientes podem não frequentar a escola de ensino comum; outros podem frequentá-la, mas não necessariamente em classes de ensino comum para realizarem todas as atividades escolares em conjunto com seus pares não deficientes. Para algumas atividades, pode ser condição necessária para o bom aproveitamento a sua separação da classe de origem para receber atendimento em conjunto com seus pares com necessidades semelhantes, em um ambiente diferenciado que inclui, por exemplo, adequações físico-arquitetônicas da sala e do mobiliário, recursos pedagógicos e equipamentos especiais, métodos e técnicas especiais de ensino, e com um professor cuja formação e experiência permitam oferecer o ensino da melhor qualidade possível a estudantes que apresentam tais necessidades e peculiaridades (OMOTE, 2010, p.336).

Omote (2003; 2010), mesmo sendo um autor que defende a educação inclusiva, afirma que a construção de uma educação inclusiva não implica necessariamente o fim dos atendimentos em classes ou instituições especiais. A ideia associada às instituições especiais de serem segregadoras está diretamente relacionada ao modo como são utilizadas e não necessariamente à sua real função, pois em algumas situações, essas instituições podem representar possibilidades de maior inclusão (OMOTE, 2010).

Naturalmente, a convivência entre pessoas com e sem deficiência é desejável e necessária, pois para Omote (2010), a convivência dentro da sala de aula entre alunos com e sem deficiência possibilita o desenvolvimento de sentimentos, atitudes e ações solidárias. ―Nesse sentido, a possibilidade de estarem juntos pode ser viável e importante quando a dificuldade para aquisição de determinados conhecimentos e competências possa ser superada no contexto didático-pedagógico-social da classe de ensino comum‖ (OMOTE, 2010, p. 337).

Assim, para que a inclusão escolar possa acontecer de acordo com os fundamentos legais, baseada nos princípios do direito à convivência para a valorização das diferenças precisamos mudar o pensamento educacional como um todo, modificando as práticas pedagógicas da escola tradicional, que ainda utiliza métodos de ensino padronizados, desconsiderando as individualidades de aprendizado de cada aluno. Para isso necessitamos de uma gestão democrática, na qual o pensamento inclusivo possa ser desenvolvido em conjunto com gestores, professores, pais e alunos, por meio do Conselho Escolar, construção coletiva do PPP e formação continuada, além da valorização do AEE no ensino regular.

Portanto, acreditamos que a proposta inclusiva deva priorizar a qualidade do ensino, conquistada por meio da gestão democrática, pois o trabalho de refletir, discutir e promover

ações que respeitem as diferenças dos alunos de forma que a qualidade do ensino não seja prejudicada deve ser o objetivo de todos os envolvidos, a fim de que a inclusão não seja mais vista como uma imposição, mas como uma vontade coletiva. Acreditar na inclusão fará com que a comunidade acadêmica se una para incluir os alunos PAEE, mesmo nos casos extremos em que se acredita ser difícil oferecer um ensino de qualidade, isso será possível, uma vez que cada aluno possui suas características e necessidades, e para isso, precisamos que os professores, equipe pedagógica, diretores se reúnam e discutam as possibilidades e procurem se aperfeiçoar, pois cada aluno deve ter um ensino que respeite suas diferenças. Não queremos, aqui, reforçar uma posição utópica. Temos consciência de que a gestão democrática com perspectivas inclusivas é um processo e não será efetivado de um momento para o outro, mas as ideias e pensamentos devem ser trabalhados no espaço escolar e nos cursos de licenciaturas, formando os novos professores para uma visão mais democrática e inclusiva.

Considerando toda essa discussão sobre os fundamentos da educação inclusiva, no próximo tópico analisaremos como a inclusão escolar acontece no Ensino Médio e na Educação Superior.

1.3 A inclusão escolar de adolescentes e jovens PAEE no Ensino Médio e no Ensino