• Nenhum resultado encontrado

PROCESSOS DE RESILIÊNCIA EM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E AS INFLUÊNCIAS DO CONTEXTO ESCOLAR

Neste capítulo abordaremos a qualidade de vida e o crescer bem de pessoas com deficiência, apesar das adversidades enfrentadas, tais como as barreiras arquitetônicas e atitudinais encontradas na sociedade.

Primeiramente introduziremos a concepção de resiliência e de fatores de risco e proteção, apresentando o construto de resiliência. Após apresentaremos a resiliência pela abordagem socioecológica, que fundamenta este estudo. Em seguida discutiremos os processos de resiliência presentes em pessoas com deficiência, apresentando os fatores de risco e proteção existentes no contexto social e cultural em que vivem. Como o foco deste estudo foi o contexto escolar, verificaremos como esse ambiente contribui para o processo de resiliência em adolescentes e jovens com deficiência.

2.1 Resiliência e Fatores de Risco e Proteção

O termo resiliência é utilizado nos estudos das Ciências Humanas, entendido ora como invulnerabilidade, ora como superação de adversidades. No sentido de invulnerabilidade, entendemos que diante de situações opressoras e adversas, o indivíduo não se abala e resiste sem mudanças. Já no sentido de superação, consideramos que, diante de situações estressantes, o indivíduo encontra meios de enfrentá-las, sendo abalado, mas superando-as, e sai modificado de tais situações (BRANDÃO et al., 2011).

Para Rutter (1985 apud POLETTO; KOLLER, 2006) a ideia de invulnerabilidade representa uma resistência absoluta a qualquer forma de stress. Estudos como de Werner e Smith (1982; 1992 apud POLETTO; KOLLER, 2006), em que o termo invulnerável foi utilizado para descrever crianças que, apesar de vivenciarem uma série de adversidades, não demonstravam problemas psicológicos, podendo mesmo na idade adulta resistir às adversidades e saírem ilesos, apresentavam e consideravam a resiliência como algo inato ao indivíduo.

Para Zimmerman e Arunkumar (1994 apud POLETTO; KOLLER, 2006) o conceito de invulnerabilidade não poderia ser utilizado para se referir à resiliência, pois ela seria uma habilidade de superar adversidades, indicando assim, que nem sempre o indivíduo sai completamente ileso de determinada situação adversa. Para Luthar e Zelazo (2003 apud LIBÓRIO, CASTRO e COELHO, 2006) a resiliência se refere a um processo ou fenômeno e

não a um traço individual e por isso não é inato, o indivíduo supera as adversidades e se modifica nesse processo.

É importante considerarmos que a resiliência entendida como superação de adversidades com o qual autores nacionais e internacionais comungam (LUTHAR; CICHETTI; BECKER, 2000, MARTINEAU, 1999, UNGAR, 2007, WALSH, 2005, LIBÓRIO, 2011, TROMBETA; GUZZO, 2002, YUNES; SZYMANSKI, 2001) tem ganhado espaço, pois concebem que o processo de resiliência vai muito além de resistir a um dano, implicando uma superação do que se era, bem como crescimento pessoal (BRANDÃO et al., 2011).

Segundo Libório, Castro e Coelho (2006, p.94) ―o estudo sobre resiliência deve ser processual, dinâmico e relativo, não se baseando em perspectivas individualizantes (resiliência como característica do indivíduo), não relacionais (desconsidera o contexto e as relações interpessoais), deterministas (se é invulnerável, é inato), estigmatizantes (classifica como resiliente e não resiliente)‖.

Para Libório (2011) os fatores de risco e proteção são importantes quando estudamos processos de resiliência, pois a autora considera necessário verificar a presença de experiências que apresentam riscos crescentes ao desenvolvimento do indivíduo, assim como verificar os fatores de proteção. ―A diferença entre mecanismos de risco e processos de proteção reside no fato de que o risco leva o indivíduo a apresentar desordens de diversos níveis, enquanto proteção atua positivamente sobre as variáveis de risco por meio de suas interações‖ (LIBÓRIO, 2011, p.31).

Os fatores de risco são aqueles que, quando estão presentes na vida do indivíduo, aumentam a probabilidade do sujeito desenvolver problemas emocionais e comportamentais (SIMÕES, 2007), desajustamentos e problemas de saúde mental, problemas físicos e emocionais. Com relação aos fatores de risco, é preciso esclarecer que estes não são sinônimos de indicadores ou condições de risco, ou seja, muitos indicadores ou condições de risco como pobreza, abuso físico, desastres, guerras poderiam indicar um risco em si, por já se prever as consequências negativas para as pessoas que os vivenciam (YUNES; SZYMANSKI, 2001). Porém o indicador de risco só poderá ser considerado como um fator de risco se interferir negativamente no bom crescimento do indivíduo e for apontado pelo sujeito como um risco.

Cowan et al. (1996) destacam que, embora seja notório que a pobreza, conflito familiar e abuso são prejudiciais, se esses fatores irão se constituir em risco ou não, isso dependerá da situação do sujeito e dos mecanismos pelos quais os processos de risco operam

seus efeitos negativos. Por isso, Yunes e Szymanski (2001) ressaltam que riscos devem ser pensados como processos, associados aos dinamismos e relatividade e não como algo, a priori, concebido como determinista, ou seja, situações que são consideradas de riscos para algumas pessoas podem não ser para outras, pois depende do contexto e do momento que a pessoa está vivenciando. Assim, os fatores de risco são situações ou variáveis relacionadas à alta probabilidade de acontecimentos negativos ou indesejáveis para o momento vivido de determinadas pessoas (YUNES; SZYMANSKI, 2001).

Já os fatores de proteção, de acordo com Yunes e Szymanski (2001), dizem respeito às influências que modificam, melhoram ou alteram respostas pessoais a determinados riscos, evitando que os indivíduos expostos a riscos tenham seu desenvolvimento prejudicado, o que também deve ser visto de forma processual. Assim, os fatores de proteção são o conjunto de recursos internos e externos que o indivíduo possui para realizar uma resposta positiva no confronto de vários acontecimentos de riscos. Os recursos internos não podem ser considerados como inatos ao sujeito, pois são decorrentes dos fatores de proteção que o contexto social e cultural assegurou. O produto final da interação entre fatores de risco e proteção associa-se diretamente com os processos de resiliência (LIBÓRIO, 2009).

O nosso embasamento entende a resiliência de forma processual, relacional e dinâmica, influenciada pelos contextos culturais, concordando com a perspectiva socioecológica de Michael Ungar (2007, 2008, 2011), que apresentaremos a seguir.

2.2 A Resiliência segundo a abordagem Socioecológica

A abordagem socioecológica de resiliência de Michael Ungar estuda o processo de resiliência em crianças e adolescentes em situação de risco numa perspectiva contextual e cultural. Para ele, a resiliência pode ser definida como:

Primeiramente é a capacidade dos indivíduos navegarem por recursos que mantém bem-estar; em segundo lugar é a capacidade dos ambientes físicos e sociais oferecerem tais recursos e em terceiro lugar é a capacidade dos indivíduos, suas famílias e comunidades negociarem recursos culturalmente significativos a serem partilhados. É esse processo duplo de navegação através de recursos disponíveis, bem como a negociação por recursos a serem proporcionados de forma valorizada pelos adolescentes, envolvendo tanto o indivíduo e seus ambientes em processo dinâmico, conduzindo a bem estar (UNGAR et al., 2008, p.2, tradução nossa4)

4

First, the capacity of individuals to navigate to resources that sustain well-being; second, the capacity of individuals‘ physical and social ecologies to provide these resources; and third, the capacity of individuals, their families, and communities to negotiate culturally meaningful ways for resources to be shared. It is this dual process of navigation toward available resources and negotiation for resources to be provided in ways valued by young people that implicates both individuals and their environments in a dynamic process leading to well-being (UNGAR et. al, 2008, p. 2)

A partir da concepção de resiliência apresentada pela abordagem socioecológica de Michael Ungar realizou-se a pesquisa Internacional Resilience Project (IRP), do qual o autor participa, que aconteceu em 14 países e tinha como objetivo analisar os padrões de coping e processos protetivos nas vidas dos adolescentes em situação de risco, levando em consideração as diversidades culturais. ―Os riscos abrangiam: pobreza, guerra, deslocamento social, desintegração cultural, genocídios, violência, marginalização, abuso de álcool e drogas, quebra dos vínculos familiares, doenças mentais nas crianças e/ou pais e gravidez precoce (UNGAR et al., 2007 apud LIBÓRIO, 2011, p. 34).

Participaram dessa pesquisa, na etapa qualitativa, 89 jovens com idades entre 12 e 23 anos, de ambos os sexos, ―que estavam expostos a no mínimo 3 situações de riscos significativos de acordo com sua cultura, e possibilitou a construção de uma imagem acerca de alguns aspectos comuns, mas principalmente da heterogeneidade dos contextos culturais nos quais os adolescentes buscavam os recursos para sustentar seu próprio bem-estar‖ (LIBÓRIO, 2011, p. 34).

Um dos principais objetivos da pesquisa de Ungar foi compreender o processo de resiliência e as ―formas de enfrentamento das diversidades, considerando os aspectos culturais‖ (LIBÓRIO, 2011, p. 34). Dessa pesquisa, sete temas em comum apareceram na fala dos 89 participantes ―que foram denominados de ‗tensões‘ pelos pesquisadores, que ao serem resolvidas (de formas diversas) auxiliavam o adolescente em seu caminho para um crescimento psicossocial positivo, associado com bem-estar e resiliência, de acordo com critérios de suas culturas e contextos‖ (LIBÓRIO, 2011, p. 34-35).

Segundo Ungar et al. (2007) são consideradas como as sete tensões:

1 Acesso a recurso material: refere-se à possibilidade do indivíduo acessar recursos sociais que garantam assistência financeira e a concretização de necessidades básicas como educação e trabalho, necessidades que variam de acordo com o contexto e cultura.

2 Justiça social: refere-se à capacidade de reivindicar seus direitos, seja um direito pessoal ou coletivo. Vivência de situações de injustiça e preconceito ―funcionam como catalizadores de conscientização, resistência, solidariedade, crença em um poder espiritual e enfrentamento da opressão; essa tensão se relaciona com as experiências de encontrar um papel significativo na sociedade‖ (LIBÓRIO, 2011, p.36).

3 Relacionamentos: refere-se aos relacionamentos interpessoais significativos que oferecem apoio e suporte emocional, podendo ser composto por membros familiares, grupo de pares, pessoas da comunidade, professores, conselheiros, modelos de identificação (exemplos),

companheiro, amigos. Essa tensão promove nos indivíduos sentimentos de confiança, de pertença, de atenção.

4 Identidade: se relaciona à percepção do indivíduo sobre suas habilidades e limites, sendo que o processo de formação de identidade é uma co-construção por meio de interações em espaços discursivos mútuos;

5 Coesão: essa tensão promove interação entre o eu (individual) com o coletivo de forma a