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Os obstáculos que interferem na aprendizagem da matemática

A análise da avaliação diagnóstica torna-se impraticável, caso seja associada às compreensões relacionais e instrumentais. Haja vista que, para classificarmos os resultados dos alunos mediante estes conceitos precisávamos estar acompanhando-os e observando-os há certo tempo. Para isto, recorremos a Bachelard (2005), quando se refere aos obstáculos.

O ensino e a aprendizagem da Matemática é muitas vezes caracterizado por dificuldades entre o saber que é produzido pelos matemáticos (saber científico) e o saber que é ensinado (saber escolar). A dualidade entre estes saberes é marcada por tentativas de transformar um saber, que na gênese de sua criação tem como prioridade inicial, a generalização, e para isso recorre a uma descontextualização do espaço/tempo/local de sua criação para ser universal (saber científico); e o saber escolar que tem, na ação do professor, uma tentativa de recontextualizá-lo, para torná-lo mais acessível à aprendizagem pelo aluno. Este contexto “recriado” pelo professor para o saber escolar não é o contexto original em que o saber foi inicialmente elaborado.

Trazer à tona essa dualidade entre saber científico e saber escolar é importante para discutirmos obstáculos que permeiam o ensino e a aprendizagem da Matemática, pois um ponto inicial dessa discussão é exatamente a dificuldade que o professor tem em realizar a transformação do saber científico em saber escolar.

Bachelard (2005) mostra que os primeiros obstáculos são os provocados pelas primeiras experiências, quando estas são realizadas sem maiores reflexões e críticas. Essa atitude primária é contrária ao espírito científico e resulta na fragilidade do conhecimento. Para a validação da ciência, esse abuso da intuição não se constitui em um elemento plausível à elaboração conceitual. No plano pedagógico, associam-se esses obstáculos à forma simplificada dos conteúdos no livro didático, onde o formalismo não corresponde aos desafios do fenômeno cognitivo.

Em termos de Matemática podemos encontrar três tipos de obstáculos: os epistemológicos, os didáticos e os ontogênicos. Para discutirmos o que são esses tipos de obstáculos e alguns exemplos de ocorrência destes, é preciso inicialmente fazer um comentário sobre o contexto de criação do conceito de obstáculos. Gaston Bachelard no livro A Formação do Espírito Científico de 2005, discute a noção de obstáculos, ao analisar a passagem de um conhecimento pré-científico para um conhecimento científico.

Na análise de Bachelard observa-se que ao acontecer essa passagem pode ocorrer a rejeição de conhecimentos anteriores, onde ocorrem obstáculos em virtude de que esses conhecimentos antigos já estão cristalizados, resistindo a novas concepções.

Brousseau apresenta três tipos de obstáculos no sistema didático:

ƒ Obstáculos epistemológicos: são os resultantes do próprio saber, do conhecimento em si;

ƒ Obstáculos didáticos: são resultantes da escolha de um determinado sistema educacional;

ƒ Obstáculos ontogênicos: são resultantes de limitações do sujeito em um determinado momento mental.

2.6.1 Obstáculos epistemológicos

Pais (2001) traz uma discussão sobre os obstáculos epistemológicos no sentido de estabelecer um percurso para seu entendimento. Para isso, recorre a diversos autores fundamentando a sua discussão. Inicialmente, Pais (2001) aponta que a criação do saber matemático passa por etapas de conflitos que não são explicitadas no texto final e, para estudar o conceito de obstáculos epistemológicos é necessário recorrer à formação dos conceitos matemáticos. O autor argumenta que

os obstáculos que aparecem no ato de criação do saber matemático não estão postos no texto final e sim, são observados nos caminhos percorridos para a elaboração de tal saber.

Os obstáculos epistemológicos podem ser considerados objeto de estudo em Matemática, uma vez que ao se desenvolver as provas, estas são permeadas por uma seqüência de rupturas dos argumentos que existem até então. Esta observação apontada por Lakatos contribui para enfatizar que os obstáculos epistemológicos estão mais presentes na fase de produção do saber matemático, do que no texto final de uma demonstração matemática.

Pais (2001) observa que as provas matemáticas evoluem de acordo com as refutações feitas pelo sujeito cognitivo e que tais refutações podem ajudar ou dificultar a validação da Matemática. As refutações nesse caso podem se constituir em obstáculos epistemológicos.

Os obstáculos epistemológicos são erros que estão ligados à maneira de conhecer e podem explicar erros recorrentes de alunos dentro de certos conteúdos matemáticos, a noção de obstáculo pode ser usada para analisar a gênese histórica de um conhecimento ou também, situações de ensino e evolução espontânea do aluno na aprendizagem de um conceito. Com isso, a noção de obstáculo não está restrita apenas ao plano epistemológico e nem tampouco isolada no plano pedagógico. Ela pode permear os dois planos.

2.6.2 Obstáculos didáticos

Esses obstáculos estão relacionados diretamente às questões educacionais. Segundo Pais (2001, p. 44), “obstáculos didáticos são conhecimentos que se encontram relativamente estabilizados no plano intelectual e podem dificultar a evolução da aprendizagem do saber escolar”. Os obstáculos didáticos podem ser colocados como dificuldades que são criadas pela escola, pela ação do professor ao abordar um determinado conteúdo, ou ao usar uma determinada metodologia que posteriormente provocará obstáculos ao desenvolvimento e entendimento do conceito. A percepção, pelo professor, do obstáculo didático, lhe permitirá retornar o trabalho com o conteúdo no sentido de superar as dificuldades vivenciadas pelos alunos.

À medida que os professores trabalham os conhecimentos matemáticos como se fossem dogmas, que não podem ser questionados e são verdades absolutas, contribui para tornar o conhecimento matemático um obstáculo para a aprendizagem pelos alunos. Uma possível superação desse obstáculo seria uma mudança de concepção por parte dos professores no sentido de compreenderem a Matemática como uma atividade humana.

2.6.3 Obstáculos ontogênicos

Os obstáculos ontogênicos são os decorrentes de limitações do tipo neurofisiológicas do sujeito e que podem se manifestar em determinados momentos do processo de aquisição do conhecimento. São limitações que ocorrem com o sujeito em um dado momento do desenvolvimento mental. Isto pode acontecer quando uma determinada aprendizagem está deslocada em relação ao momento intelectual pelo qual o aluno está passando.

Após fazermos um comentário geral acerca dos obstáculos que estão presentes no campo didático, comentaremos a seguir, como estes obstáculos estão presentes no ensino e aprendizagem dos números irracionais. Procederemos destacando os obstáculos epistemológicos identificados no decorrer do trabalho. 2.6.4 Números irracionais e os obstáculos

A aprendizagem dos números irracionais é permeada por uma série de questões que dificultam tal aprendizagem. Perez (1998) comenta que dificuldade é algo que impede de executar de imediato e bem, alguma coisa. Essa dificuldade pode ser causada por diversos fatores, tais como: o conceito que se aprende, o método utilizado pelo professor, os conhecimentos prévios dos alunos e também pela própria disposição do aluno em aprender.

Os obstáculos que estão presentes na compreensão, pelos alunos, dos números irracionais, seja na representação em radical, seja na representação decimal, são oriundos do conhecimento que eles possuem acerca dos números racionais. O conhecimento dos números racionais por se encontrar sedimentado, cristalizado pelos alunos, se constituem em obstáculos à compreensão e

aprendizagem dos novos números, os irracionais, que devem ser mais explorados em forma de atividades de ensino para favorecer a compreensão.