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Os planos fenomênicos do ato-fato jurídico: existência e eficácia

2. FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

2.4. ATOS-FATOS JURÍDICOS

2.4.3. Os planos fenomênicos do ato-fato jurídico: existência e eficácia

Em arremate a esta breve exposição a respeito da categoria ato-fato jurídico, calha examinar a qual(is) plano(s) de análise da fenomenologia do fato jurídico submete-se, sobretudo porque

131 Essa regra — de que a prescrição não extingue a relação jurídica obrigacional, apenas encobrindo a eficácia

da pretensão — vale para outros ramos do direito que não o direito tributário. Neste, mercê da regra contida no § 1.º do art. 113 do CTN, bem como no art. 156, inciso V, do mesmo código, a eficácia da prescrição é extintiva do crédito e da obrigação tributária. Noutros termos, a prescrição tributária extingue a obrigação tributária, de sorte que o sujeito passivo que efetuar o pagamento depois de consumada aquela terá direito à repetição — diversamente do ocorre com uma obrigação não tributária.

essa característica importará sobremaneira para os fundamentos dogmáticos pelos quais o fato gerador da obrigação tributária, segundo o direito positivo brasileiro, é sempre interpretado como ato-fato jurídico.

Conforme foi visto alhures, todos os fatos jurídicos, para receberem essa qualificação, são submetidos ao plano da existência; i.e., ao plano de reconhecimento dos fatos que pretendem ser juridicizados pela norma. Todos os fatos jurídicos a este exame se submetem; com os atos- fatos jurídicos não é diferente.

Quanto à validade, somente os fatos jurídicos lícitos e em cujos suportes fáticos a vontade tem alguma relevância a esta análise se submetem. Por que a validade somente diz respeito aos atos em que há licitude e à vontade se atribui relevância, quer seja para o preenchimento do suporte fático, quer seja também para que se produzam os efeitos indicados pelos sujeitos que intervém no ato?

Aqui, para se compreender isso, há de se retornar ao quanto dito no item 2.1.2. A validade diz respeito à formação de um suporte fático livre de deficiências — e, portanto, eficiente —. Essa cogitação, contudo, se faz para aqueles atos em que há manifestação de vontade em sua prática ou, além de se apresentar na formação do ato em sentido amplo, na determinação dos efeitos jurídicos.

Sendo assim, para se cogitar de validade do ato, é preciso investigar se o sujeito que manifestou a vontade poderia fazê-lo — porque capaz de entender as circunstâncias e manifestar seu querer — e se, além disso, nas circunstâncias em que o ato foi praticado, a vontade não foi viciada pelos defeitos indicados no direito positivo, não se praticou com intuito de fraude, envolveu objeto lícito e possível, bem assim não se desrespeitaram as prescrições de forma para o ato — caso algum desses elementos implique deficiência do suporte fático, há o ilícito invalidante. No caso dos fatos jurídicos em sentido estrito e dos atos-fatos jurídicos, não se cogita de suporte fático (d)eficiente, mas de suporte fático (in)suficiente.

A circunstância de apenas os atos jurídicos em sentido amplo lícitos submeterem-se ao plano da validade decorre de uma exigência ética da ordem jurídica. Isso porque a invalidade é uma sanção prevista no sistema para o sujeito que, ao praticar determinado ato jurídico em sentido amplo que, de ordinário, produziria eficácia jurídica em conformidade com o que a ordem jurídica prevê, comete um ilícito — pois contraria, com o ato inválido, normas jurídicas cogentes —, cuja conseqüência é a invalidação do ato com o desfazimento dos efeitos que seriam próprios desse ato.

Se possível fosse invalidar um ato ilícito em sentido amplo, a invalidação consistiria um benefício para o infrator, que desrespeitou normas jurídicas impositivas, mas, ao ter o ato jurídico lato sensu por ela praticado invalidado, teria os efeitos do ato ilícito desfeitos — dentre os quais, a responsabilidade e a sujeição às sanções previstas para o ilícito (civil ou penal, pois, recorde-se que teoria do fato jurídico se aplica a todos os ramos do direito).

Como bem registra Marcos Bernardes de Mello, a invalidade é uma específica sanção cuja finalidade é privar das vantagens do ato aquele que o pratica com vícios, de modo que tê-lo como inválido impediria a punição ao infrator, pois a invalidade gera a ineficácia do ato133.

Desse modo, somente os atos jurídicos em sentido amplo (negócio jurídico e ato jurídico em sentido estrito) ingressam no plano da validade. Os atos-fatos, justamente pela circunstância de a vontade, para o preenchimento e concretização do suporte fático ou para a produção da eficácia jurídica, não ter a mais mínima relevância, não são aptos a ingressar nesse plano. Dito de outro modo, não se cogita, em absoluto, da (in)validade de um ato-fato jurídico. Assim, a guisa de exemplo, indaga-se: é possível invalidar um pagamento? É possível invalidar a prescrição ou a decadência? É possível invalidar o descobrimento de um tesouro?

Uma vez ingressos no mundo jurídico, porque reconhecidos como fatos jurídicos (atos-fatos jurídicos, a rigor) pela incidência normativa operada no plano da existência, é possível cogitar apenas da eficácia desses atos. De fato, há de se verificar se o pagamento produziu efeito, ou se eficácia jurídica da prescrição ou da decadência efetivamente se produziu, ou foi obstada pela ocorrência de algum outro fato jurídico cuja eficácia contemple, justamente, um óbice à consumação da prescrição ou da decadência.

Nesse passo, o ato-fato jurídico apenas é (existe). E se existente, cogita-se diretamente de sua aptidão para produzir efeitos; especula-se sua eficácia jurídica, sem que se empreenda qualquer avaliação do tocante a validade, pois, nesse âmbito, não cabe ingressar134.

Nessa linha de intelecção, demonstrar-se-á que, na dissecação jurídica do fato gerador da obrigação tributária principal, justamente por se enquadrar invariavelmente como ato-fato jurídico, apenas se poderá pôr ao exame da existência e da aptidão de produzir a eficácia jurídica própria atribuída pela norma tributária: a obrigação tributária. A validade é um plano de análise que o fato jurídico tributário não comporta, por razões dogmaticamente comprováveis.

133 Cf. Teoria do fato jurídico. Plano da validade. 7ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 17-8. 134

Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo 4. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p. 15: ―Tenhamos sempre presente que a validade e a invalidade (nulidade, anulabilidade) só diz respeito aos negócios jurídicos e aos atos jurídicos stricto sensu. Não há atos-fatos jurídicos válidos, ou não- válidos. Nem atos ilícitos, ou fatos jurídicos stricto sensu. O pagamento, por exemplo, pode ser ineficaz; não, inválido‖.

3. TRIBUTO, NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA, FATO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO