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SIGNIFICAÇÃO DA ASSERTIVA ―A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA É UMA

4. ENQUADRAMENTO DO FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NA

4.3. SIGNIFICAÇÃO DA ASSERTIVA ―A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA É UMA

OBRIGAÇÃO EX LEGE‖.

Costuma-se afirmar, com a pretensão de conferir especificidade à obrigação jurídica, que esta é uma obrigação ex lege356, em contraposição às obrigações ex voluntate. Convém, pois, nesse passo, a razão dessa assertiva e dessa diferenciação.

Conforme já dito anteriormente, a obrigação jurídica é uma categoria eficacial, de modo que é resultado da juridicização de fato descrito em lei. Sendo efeito desse fato, cumpre verificar quando surge da manifestação de vontade dos sujeitos atuam neste fato, e quando exsurge de modo desvinculado do elemento volitivo. É a questão das fontes das obrigações.

355 Cf. Teoria geral do direito tributário. 3.ª ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 327-328.

356 A título ilustrativo: FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 6.ª ed. rev. e atual.

Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 1. E, na primeira edição: Fato gerador da obrigação tributária. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1964, p.1. AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. 15.ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 246. MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao código tributário nacional. Vol II. São Paulo: Atlas, 2004, p.324. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27.ª ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Malheiros, 2006, p.144-145. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 435. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15.ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 141-142.

A primeira premissa que se deve estabelecer para o exame da questão é a seguinte: se toda eficácia jurídica decorre de um fato que, por ser contemplado na hipótese de uma norma jurídica, a produz; então, em última análise, a fonte das obrigações é a lei. O fato e/ou a vontade, sem a previsão normativa, seriam juridicamente anódinos; a fonte remota da obrigação jurídica, pois, é sempre a lei, conforme bem registra Alfredo Augusto Becker357. Esse critério, portanto, não seria útil para empreender uma classificação das obrigações e resultaria em trabalho infrutífero358.

Um elemento importante a influir na natureza da obrigação jurídica é, justamente, à fonte imediata; vale dizer, de onde provém diretamente a obrigação359. Aqui, há de se investigar o fato jurídico do qual a obrigação é eficácia com base no que fora fixado anteriormente neste trabalho. A fonte direta da obrigação é, portanto, o fato, cumprindo investigar a configuração jurídica deste para poder empreender uma classificação das obrigações de acordo com as fontes360-361.

357 Cf. Teoria geral do direito tributário. 3.ª ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 264-265.

358 Cf. CARRIÓ, Genaro. Notas sobre derecho y lenguage. 4.ª ed. Corregida e aumentada. Buenos Aires:

Abeledo-Perrot, 1994 , p. 99.

359 Nesse particular, cumpre ressaltar, na linha do que foi visto no primeiro capítulo do presente trabalho, que

toda e qualquer obrigação tem como fonte remota a lei, muito embora dela nunca diretamente resultem; advêm as obrigações sempre de fatos jurídicos em sentido amplo, na medida em que a norma jurídica contempla essa obrigação como uma eficácia jurídica do fato. A classificação da obrigação dependerá, pois, da natureza desse fato (cf. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 46-47).

Aqui, calha o magistério de Orlando Gomes, apoiado em Domenico Barbero: ―Observe-se que as obrigações não nascem apenas dos negócios jurídicos. Outras fontes produzem-na. É verdade que jamais se originam direta e imediatamente da lei. Procedem sempre de um fato jurídico lato sensu, seja a declaração de vontade, seja uma situação de fato que a lei considera idônea a suscitar o comportamento típico do devedor. Há, portanto, causas determinantes das obrigações, não se devendo confundi-las com a causa eficiente, que é sempre a lei. Esses fatos constitutivos, condições determinantes, fontes ou causas geradoras podem ser situações que dão a impressão de que a obrigação nasce diretamente da lei, mas, em verdade, derivam do fato condicionante, que nem sempre é situação voluntária, mas, ao revés, determina comportamento indeclinável, como devedor, de quem nelas se encontra‖ (Transformações gerais do direito das obrigações. 2.ª ed. aum. São Paulo: RT, 1980, p. 166-167).

360Cf. LÔBO, Paulo Luiz Netto. ―Fatos jurídicos como fontes das obrigações‖. In Revisitando a teoria do fato

jurídico — homenagem a Marcos Bernardes de Mello. Fredie Didier Jr. E Marcos Ehrhardt Jr. (Coordenadores). São Paulo: Saraiva, 2010, 497.

361 Classificação que remonta o direito romano e até hoje inspira a codificação civil francesa bicentenária é

aquela que divide as obrigações jurídicas, quanto às fontes, em categorias que decorrem de: (i) lei; (ii) contratos, (iii) quase-contratos; (iv) delitos; e (v) quase-delitos (cf CARBONNIER, Jean. Droit civil. Vol. II: les biens, les obligations. Paris: Quadrige Puf, 2004, p. 1929). Mezaud et alli segregam, nesse particular, (i) as obrigações voluntárias, que compreenderiam as contratuais e as que advêm de uma declaração unilateral de vontade; (ii) as obrigações não voluntárias (que chamou de legais), que compreenderiam as delituais, as quase-delituais, as quase-contratuais e as legais em sentido estrito, exemplificando esta última com a categoria de obrigação de alimentos (cf. MEAZAUD, Henri. MEAZAUD, Leon. MEAZAUD, Jean. CHABAS, François. Leçons de droit civil. Tome II. Premier Volume. Obligations: théorie générale.9.ª ed. Paris: Montchrestien, 1998, p. 44-45)

Se seu elemento motriz é a vontade, porque o ordenamento jurídico permite que a declaração de vontade seja suficiente para produzir a eficácia jurídica concernente à obrigação — tal como ocorre no ato jurídico e no negócio jurídico —, diz-se que a obrigação é ex voluntate, eis que surgida da manifestação livre e consciente do sujeito no sentido de estabelecer um vínculo jurídico dessa natureza com outrem, tendo por objeto uma prestação de dar, fazer ou não fazer também especificada de acordo com a vontade.

Se, de outra banda, a obrigação nasce em função de um fato previsto em lei, sendo absolutamente irrelevante a declaração ou a manifestação de vontade no sentido de se produzir esse efeito jurídico, considera-se que a obrigação é ex lege, pois seu fundamento imediato é a lei que contempla o fato. Tanto num como noutro caso, a rigor, o fundamento constante é o fato jurídico; sem a ocorrência desse não há a eficácia jurídica concernente à obrigação; vale dizer, não surge a relação jurídica obrigacional.

Assim, a divisão entre obrigação ex voluntate e obrigação ex lege tem por critério o fato jurídico que lhe serve de fonte. Se a obrigação é um efeito produzido porque querido pelo(s) sujeito(s) envolvido(s), tem por fonte a vontade, inserindo-se na primeira categoria; é o que ocorre nos casos de negócios jurídicos. Se, entretanto, a obrigação surge pela concretização no plano fenomênico do fato descrito em lei, sendo irrelevante a vontade para caracterizá-la ou excluí-la, a obrigação tem caráter ex lege.

É absolutamente errôneo confinar as obrigações ex voluntate ao plano das relações privadas e as obrigações ex lege aos domínios do direito público. No campo do direito privado existem obrigações ex lege, a exemplo do dever de indenizar decorrente do ato ilícito, da obrigação de alimentos derivada das relações de parentesco (não à toa a doutrina a denomina de ―alimentos legais‖). Do mesmo modo, no campo do direito público existem as obrigações decorrentes de contratos administrativos que, não obstante às derrogações impostas à autonomia da vontade, deixam alguma margem de discricionariedade a esta.

A obrigação tributária, entretanto, decorre única e exclusivamente da concretização da hipótese de incidência no plano fenomênico. O sentido de se afirmar que é ex lege é exatamente o de expurgar a necessidade de manifestação de vontade para o seu nascimento, ou a influência do elemento anímico para a sua mensuração.

Segundo Albert Hensel, enquanto que nas obrigações de direito privado o conteúdo e o alcance da prestação devida se precisam, por regra geral, mediante declarações de vontade recíprocas do devedor e do credor, na obrigação tributária esse conteúdo e alcance derivam de lei; o fato tributário faz as vezes, no direito tributário das obrigações, do momento de exteriorização de vontade no direito privado362

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A obrigação tributária, nesse diapasão, qualifica-se como ex lege exatamente porque o elemento volitivo que eventualmente se manifeste no contexto fático não tem relevância para o preenchimento do suporte fático da norma jurídica tributária e, menos ainda, para a produção de efeito concernente ao nascimento da obrigação tributária. Isso decorre dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade, acima referidos, bem como de normas gerais de direito tributário previstas no CTN, tais como as construídas a partir dos arts. 109, 110, 118 e 126; os dois primeiros já aludidos neste trabalho e estes dois últimos a serem tratados a seguir.