• Nenhum resultado encontrado

A VALIDADE E OS FATOS JURÍDICO-TRIBUTÁRIOS O ART 118 DO CÓDIGO

4. ENQUADRAMENTO DO FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NA

4.4. A VALIDADE E OS FATOS JURÍDICO-TRIBUTÁRIOS O ART 118 DO CÓDIGO

TRIBUTÁRIO NACIONAL.

Conforme dito quando do exame do aspecto material da hipótese de incidência tributária, ao legislador, na construção dos tipos tributários, é vedado conferir aos institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pelas normas definidoras de competência tributária a definição, o conteúdo e o alcance diversos daqueles conferidos pelo direito privado (art. 110 do CTN). A par disso, o art. 109 determina que os princípios gerais de direito privado são utilizados para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, mas não influenciam na definição dos respectivos efeitos tributários.

Encarta-se ao trato dessas duas normas, em especial, a contida no art. 118 do CTN, cujo teor determina que, na interpretação da definição legal do fato gerador, devem ser abstraídos tanto a ―validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou

362

Cf. HENSEL, Albert. Derecho tributario. traducción y estudio preliminar por Andrés Báez Moreno, Maria Luisa González-Cuéllar Serrano y Enrique Ortiz Calle. Barcelona: Marcial Pons, p. 153.

terceiros‖, ―natureza do seu objeto ou dos seus efeitos‖, bem como ―dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos‖.

O dispositivo não tem por característica mais evidente a clareza; a redação poderia ser empreendida de forma mais inequívoca. Nada obstante, é com o que nele se contém que o seu intérprete há de laborar. Nesse contexto, há de se investigar qual foi o intento do legislador em expor uma regra que influísse tão fortemente na construção do tipo legal tributário, por intermédio da interpretação.

O caput do dispositivo indica que se trata de uma norma interpretativa; além disso, é uma norma geral de direito tributário, definida por lei complementar de caráter nacional e, portanto, cogente para o legislativo de cada ente tributante.

Como norma que orienta a interpretação de dispositivos legais, é dirigida tanto ao legislador que, quando da elaboração de outra norma geral e abstrata, deve estar atento ao que determina essa norma de interpretação, bem como à autoridade administrativa competente para interpretar as normas jurídicas tributárias de conduto, aplicando-as e, dessa forma, construindo normas individuais e concretas.

Ao determinar o modo de interpretação da definição legal do fato, a norma jurídica construída a partir do art. 118 se dirige ao intérprete-aplicador363 e põe, em sua conseqüência normativa, o dever se interpretar o fato independentemente da validade jurídica dos atos/negócios que subjazem, da natureza do seu objeto e dos seus efeitos; além disso, afirma que também devem ser abstraídos dos efeitos dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

Na interpretação do dispositivo infere-se que o mandamento utilizou o verbo ―abstrair‖. Etimologicamente, o significado de abstrair364 é ―não considerar; não se deter em; não levar em conta; alhear-se‖365-366. Se o legislador assim fez, foi exatamente para deixar extreme de

363 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 262. 364 Como verbo transitivo indireto sucedido de prenome, tal como empregado pelo legislador no dispositivo em

comento.

365 HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. 2004, p. 32. 366 Um dos autores do anteprojeto do CTN ainda vigente confirma que a intenção realmente foi esta: ―Esse

dispositivo, que traça norma de interpretação, não da lei mas do fato gerador, dispõe que a definição deste é de ser entendida abstraindo-se da validade dos atos praticados e da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos. Ora,

dúvidas que, muito embora o direito tributário seja de superposição, quando o legislador fornece os elementos para a construção do tipo tributário valendo-se de figuras negociais ou de atos jurídicos em sentido estrito — porque já juridicizados por normas pertencentes aos outros ramos do direito—, o intérprete-aplicador da norma deverá ter em mente que não se cogitará da validade destes atos privados.

Conforme dito anteriormente nesse trabalho, somente se cogita de exame de validade nos atos lícitos e para os quais a vontade tenha alguma relevância. Na hipótese de atos ilícitos, de fatos jurídicos em sentido estrito e de atos para cuja perfectibilização do suporte fático — isso é, preenchimento com eficiência (sem vícios) — a vontade é absolutamente irrelevante, a exemplo do ato-fato jurídico, não se cogita de validade367.

Isso porque, nada obstante inválido, o ato ou negócio pode produzir efeito jurídico e, assim, fazer incidir a norma jurídica tributária. Observe-se, nesse particular, que os fatos jurídicos tributários têm como elemento material, amiúde, não os atos ou negócios jurídicos em si, mas os efeitos destes.

De rigor, não é a celebração de contrato de compra e venda mercantil que faz incidir a norma jurídica tributária concernente ao ICMS, mas a circulação jurídica de mercadoria (coisa móvel destinada à mercância); não é a celebração do contrato de prestação de serviço que constitui aspecto material, mas a prestação de serviços em si; do mesmo modo, não é contrato de compra e venda, contrato de permuta, contrato de doação que é necessário ao preenchimento do tipo tributário, mas a transmissão — onerosa, no caso de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis (ITIBI/ITIV), ou gratuita no caso do imposto sobre transmissão causa

mortis de doações — do bem; e, por fim, não é contrato de trabalho ou prestação de serviço

por pessoa física que será fato gerador das contribuições sociais, mas o recebimento de verbas salariais e outros pagamentos que farão surgir esses tributos. Os efeitos destes atos, que podem se produzir independentemente da validade jurídica, é o que importa para efeito da incidência do fato tributário.

o verbo ‗abstrair‘ significa ‗ignorar, ‗não levar em conta‘‖ (SOUZA, Rubem Gomes de. Pareceres 3 — Imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1976, p. 221).

367

Por essa razão, conforme defender-se-á mais adiante, não é exatamente a regra do art. 118 do CTN que fundamenta a tributação sobre atos ilícitos.

O art. 118 do CTN evita que, na interpretação da hipótese de incidência tributária, seja questionada a validade jurídica dos atos jurídicos em sentido amplo que são utilizados pelo legislador; uma vez produzido o efeito que é próprio destes no mundo dos fatos — i.e., estabelecendo-se na realidade esse efeito — haverá a incidência da norma tributária; isto porque o que importa para esta é a eficácia do ato ou negócio jurídico368. E esta, a eficácia, pode se produzir independentemente da validade do ato jurídico369, eis que tanto o ato nulo como anulável podem produzir efeitos no plano da concreção, conforme visto anteriormente, neste trabalho.

Não se afirme, por outro lado, que, com isso, a lei tributária está dando relevância apenas a fatos econômicos. De rigor, quando a lei tributária toma esses eventos em seu suporte fático torna-os fatos jurídicos como resultado de sua incidência sobre eles. Fatos jurídicos esses que necessariamente envolvem atuação humana, pois a incidência tributária não recai sobre fatos que materializam acontecimentos naturais (fatos jurídicos em sentido estrito).

Na doutrina estrangeira, encontram-se manifestações no sentido de que a validade dos atos e dos negócios jurídicos eventualmente relacionados com os tipos tributários não tem relevância para efeito da incidência tributária; certamente sob a influência desse pensamento fora inserida a disposição no CTN ora abordada.

Nesse particular, segundo Albert Hensel, demonstra-se errônea a crença de que a maioria dos conceitos jurídicos tem um único significado em todos os setores da vida jurídica; adverte que essa assertiva é válida em particular para a ―nulidade‖ (que, por ora, prefere-se aludir pelo gênero invalidade) de direito civil; pois, ―também o negócio jurídico nulo por causa de ser contrário à moral pode ser contemplado como realização do fato imponível, na medida em que as partes querem fazer valer frente a eles suas conseqüências econômicas‖370. No mesmo

368 Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao código tributário nacional. Vol II. São Paulo: Atlas, 2004,

386-390. Em sentido semelhante: ―Preconiza o dispositivo em apreço que não interferem, na interpretação da norma definidora do fato típico tributário, considerações quanto à validade ou invalidade jurídica do ato gerador da obrigação tributária, nem tampouco quanto à natureza de efeitos. É fator irrelevante, logo não-cogitável pelo aplicador da lei, o ato, devidamente enquadrado na norma, vir a ser anulado, máxime se dele decorrem seus normais efeitos econômicos‖(OLIVEIRA, José Jayme de Macedo. Código tributário nacional — comentários, doutrina, jurisprudência. 3.ª ed. rev. Atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 391).

369 Cf. MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico. Plano da validade. 12.ª ed. rev. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 13.

370

Cf. HENSEL, Albert. Derecho tributario. traducción y estudio preliminar por Andrés Báez Moreno, Maria Luisa González-Cuéllar Serrano y Enrique Ortiz Calle. Barcelona: Marcial Pons, p. 148-149, nota de roda-pé n.º

sentido Gian Antonio Micheli371, na doutrina italiana, e José Juan Ferreiro Lapatza, na doutrina espanhola372.

Recorde-se, outrossim, o que foi dito no item 2.4.3. acerca dos motivos da não submissão do ato-fato jurídico ao plano da validade.

Aqui já é possível promover um raciocínio lógico conclusivo: (i) se a norma geral de direito tributário ora em comento (art. 118 do CTN) determina que, ao se pôr no antecedente da norma jurídica tributária material uma realidade já colhida pelo direito privado como ato jurídico em sentido estrito ou como negócio jurídico — eis que a norma jurídica privada indicou à vontade como essencial ao preenchimento do suporte fático ou como, além disso, fundamental para determinação dos efeitos a serem produzidos — o intérprete deve desconsiderar a validade deste; (ii) se os atos-fatos jurídicos são aquele em que há atuação humana em seu suporte fático, porém tomada de modo absolutamente avolitivo, (iii) logo a norma tributária considera todos os fatos geradores da obrigação tributária principal como ato- fato jurídico373.

Mas ainda há uma outra norma geral de direito tributário que reforça essa conclusão.

80.

371 Cf. Curso de direito tributário. Tradução de Marco Aurélio Greco e Pedro Luciano Marrey Jr. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1978, p. 9: ―...pode acontecer que um ato nulo — para os fins das normas contidas, por exemplo, no Código Civil — possa também constituir pressuposto para o exercício do poder de imposição enquanto a norma tributária se preocupa em excluir, na medida do possível, toda tentativa de evadir tributo, ou de elidir imperatividade da própria norma. Enquanto as outras normas disciplinam diretamente certas relações entre sujeitos, as normas tributárias, ao invés, regulam o exercício do poder impositivo e, portanto, se preocupam em assegurar a máxima eficiência aos efeitos que dela decorrem‖.

372 Cf. LAPATZA, José Juan Ferreiro. Curso de derecho financiero español. Vol II. Derecho tributario: parte

general (teoría general del tributo. Obligaciones. Procedimiento. Sanciones). 24.ª ed., corregida e puesta al día. Barcelona: Marcial Pons, 2004, p. 64-65. LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direito tributário — teoria geral do tributo. Barueri, SP: Manole; Espanha, ES: Marcial Pons, 2007, p. 236-237.

Observe-se o artigo 13 da Ley General Tributária Espanhola (Ley n.º 58/2003), ao tratar da qualificação jurídica- tributária dos fatos: ―As obrigações tributárias se exigirão com a adaptação à natureza jurídica do fato, ato ou negócio realizado, qualquer se seja a forma ou denominação que os interessados lhe houverem dado, e prescindindo dos defeitos que poderiam afetar sua validez‖ (tradução do autor).

373 Registre-se a singela observação feita por Aliomar Baleeiro, em parecer: ―Em resumo, no direito positivo

brasileiro, na opinião dos doutrinadores, falece ao Fisco poder jurídico de investigar a vontade das partes em caso, com o da consulta: — pai que resolve constituir economia própria para filhos, transferindo para os mesmos, em bancos ou na sua firma, crédito de que é titular. Para o Fisco, o fato aconteceu ou não aconteceu. Se aconteceu, aplica-se a lei, que, na hipótese, permite a declaração separada de cada filho com rendimentos próprios‖ (―Impôsto sôbre renda‖. In Clínica fiscal. Salvador: Livraria Progresso, 1958, p. 68-69).

4.5. A IRRELEVÂNCIA DA CAPACIDADE CIVIL PARA A SUJEIÇÃO PASSIVA

TRIBUTÁRIA (ART. 126, INCISOS I E II, DO CTN).

Prosseguindo no exame das normas gerais de direito tributário insertas no CTN, alcança-se o Capítulo sobre o sujeito passivo, especificamente Seção relativa à capacidade tributária. O dispositivo, de aplicação a todo o fenômeno tributário, afirma com clareza que a capacidade tributária passiva independe (i) da capacidade civil das pessoas naturais; (ii) de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; (iii) de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional. Esse dispositivo, para fins de desenvolvimento do raciocínio ora traçado, deve ser relacionado com o art. 118, tratado no item precedente374.

A interpretação do art. 126 do CTN — necessária na construção da norma geral de direito tributário que orientará os entes dotados de competência tributária na edição, dentro dos limites desta, de normas gerais e abstratas e de normas individuais e concretas — perpassará pela precisa identificação de conceitos e categorias como capacidade jurídica, personalidade jurídica e capacidade de exercício de direito — noções estas que pertencem à Teoria Geral do Direito.

Exatamente por pertencerem à Teoria Geral do Direito, os conceitos dessas categorias são de ordem lógico-jurídica, de modo que têm pretensão de validez universal e permanente. Malgrado de conceito lógico-jurídico, cumpre advertir, de antemão, que cabe a cada ordenamento jurídico qualificar quem são os indivíduos aptos a titularizar cada uma dessas situações jurídicas unissubjetivas.

Ser sujeito de direito significa ser capaz de intervir como titular de faculdades ou passível de deveres em relação jurídica375; sem sujeito de direito não há relações jurídicas nem situações jurídicas. A capacidade jurídica é exatamente a atribuição a algum ser/indivíduo da possibilidade de ser sujeito de direito. É sujeito de direito, portanto, quem tem capacidade

374 Cf. AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. 15.ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.

278.

jurídica; e ter capacidade jurídica é imprescindível a titularizar situações jurídicas em sentido amplo (relações jurídicas e situações jurídicas em sentido estrito)376.

A condição de sujeito de direito e, ao lado disso, a capacidade de exercício de direito não advém aos homens por imposição de sua própria natureza de seres psicofísicos; decorrem, em verdade, do que determina o ordenamento jurídico377. São categorias eficaciais dentro da fenomenologia jurídica, pois são resultado da incidência de normas sobre determinados fatos previamente definidos em lei a partir do que essas situações jurídicas surgem. Cabe ao direito positivo definir quem pode titularizar situações jurídicas ativas e situações jurídicas passivas.

Ao lado da capacidade jurídica (i.e. de ser sujeito de direitos) existem capacidades relacionadas com o exercício de direitos, pretensões, poderes (situações ativas) e deveres, ônus, sujeição (situações passivas). São as genericamente denominadas de capacidades

específicas. De extrema utilidade é a sistematização dessas capacidades feitas por Marcos

Bernardes de Mello378, ao dividi-las em três grandes categorias (i) de direito privado material — diversas capacidades integram a capacidade de agir; (ii) de direito público material — a

capacidade delitual, a capacidade política, a capacidade de ser parte e a competência funcional; (iii) de direito formal — a capacidade processual e a capacidade postulacional.

Todas estas, repita-se, têm por pressuposto a capacidade jurídica. As capacidades específicas existem para instrumentalizar as situações jurídicas em sentido amplo (ativas e passivas) — que são adquiridas tendo a capacidade jurídica (também situação jurídica) como pressuposto. Tanto a capacidade jurídica como as capacidades específicas são situações jurídicas simples ou unissubjetivas; assim, apresentam como características: a) a referibilidade a uma esfera jurídica (daí a sua unissubjetividade); b) oponibilidade erga omnes; c) impositividade379.

Não se deve confundir a capacidade jurídica (de ser sujeito de direito) com a personalidade jurídica. Isso porque o ordenamento jurídico atribui uma série de capacidades específicas —

376 Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. ―Achegas para uma teoria das capacidades em direito‖. In Revista de

direito privado. N. 3. 2001. São Paulo: RT, p. 9-10.

377 Cf. NAWIASKY, Hans. Teoría general del derecho. Traducción de la segunda edición en lengua alemana

José Zafra Valverde. Granada: Comares, 2002, p. 188.

378 Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. ―Achegas para uma teoria das capacidades em direito‖. In Revista de

direito privado. N. 3. 2001. São Paulo: RT, p. 10-11.

379

Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. ―Achegas para uma teoria das capacidades em direito‖. In Revista de direito privado. N. 3. 2001. São Paulo: RT, p. 15-16.

de exercício — a entes que não são dotados de personalidade jurídica, a exemplo da capacidade de ser parte atribuída pelo art. 12 do CPC ao condomínio, ao espólio etc.

A personalidade jurídica é uma qualidade jurídica que também decorre de uma atribuição do direito positivo. Para o caso das pessoas jurídicas, essa qualidade é adquirida, via de regra, por meio do registro em órgão competente do ato constitutivo, ―precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo‖ (art. 45 do CC/2002). É incorreto dizer, por outro lado, que entes formados por uma reunião de pessoas não formalizada por intermédio de um instrumento escrito e registrado no órgão competente não possa ser considerado titular de capacidade jurídica e, portanto, sujeito de direito. Tanto isso é verdade que o CC/2002 trata de sociedades não personificadas como centro de imputação jurídica — e, portanto, dotado de capacidade jurídica — aptos a se tornarem titulares de situações jurídicas ativas e passivas (arts. 986/996); bem assim, entes despersonalizados como o condomínio titularizam situações jurídicas negociais.

Retomando a classificação sugerida por Marcos Bernardes de Mello no tocante às capacidades específicas, interessam aqui, mais propriamente para o desenvolvimento do raciocínio, as de direito privado material: a(s) capacidade(s) de agir. Esta, como bem explica o citado autor, se refere à aptidão conferida pelo ordenamento jurídico para que os sujeitos de direito — sem a necessidade da intermediação de outro sujeito de direito — exerça direitos, cumpra obrigações, enfim, pratiquem atos da vida civil.

Como bem salienta João Baptista Machado, a capacidade de direito deve-se distinguir da capacidade de exercício de direitos. Se ao titular de direitos (dotado de capacidade de direito) faltar capacidade de exercício, necessária será a intervenção de outrem para suprir essa incapacidade; trata-se do representante, ou assistente, conforme o grau de incapacidade380.

Subdivide-se a capacidade de agir em: a) capacidade de praticar ato-fato jurídico; b) capacidade negocial; c) capacidade de praticar ato jurídico stricto sensu; d) capacidade de comerciar (rectius para ser empresário)381; e) a capacidade de praticar ato ilícito; f) capacidade

380

Cf. Introdução ao direito e ao discurso legitimador. Coimbra: Almedina, 2004, p. 87.

de obrigar-se por fato jurídico indenizativo; g) a legitimação hereditária. O exame limitar-se-á às três primeiras categorias.

Em relação à capacidade de praticar ato-fato jurídico, há de se ter em mente a distinção traçada anteriormente entre atos reais, atos-fatos caducificantes e atos-fatos indenizativos.

Em relação aos atos-fatos indenizativos e aos atos-fatos caducificantes, todas as pessoas jurídicas têm plena capacidade de praticá-los. Já as pessoas físicas, quanto aos atos-fatos caducificantes, somente os capazes e os relativamente incapazes a possuem, eis que os prazos caducificantes (prescrição e decadência) não fluem contra os absolutamente incapazes. Em relação aos atos-fatos indenizativos, embora os incapazes possam praticá-los, não respondem pessoalmente pelas indenizações decorrentes dos danos382.

Quanto aos reais, todas as pessoas naturais (sujeitos de direito) são titulares da capacidade de exercício. Em relação às pessoas jurídicas, Marcos Bernardes de Mello registra que somente podem praticar atos reais ―quando a conduta de resulta o fato possa ser considerada da pessoa jurídica, como ocorre, por exemplo, na tomada e no abandono da posse, em que o ato do órgão é da pessoa jurídica‖383

; na maioria dos casos, entretanto, concluir o autor, os atos avolitivos que integram os suportes fáticos não podem ser considerados da pessoa jurídica, mas da pessoa física que compõe o órgão daquela — seria, pois, ato da pessoa física. Com tal conclusão, entrementes, permissa venia, não coadunamos — ou, pelo menos, dela excluímos